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terça-feira, 1 de setembro de 2009

Recordando a Póvoa

Há cinco/seis anos escrevi esta crónica para o Jornal de Notícias, numa rubrica semanal que tive durante mais de dois anos na edição de Lisboa deste jornal. Porque penso que tem alguma actualidade, contextualizando-a no tempo, penso que ainda tem alguma actualidade. Por isso e também por preito ao Nélson, achei que a devo republicar, depois de a retirar da minha arca informática. Aqui vai, tal como foi escrita há cinco/ seis anos.

"De novo, as gravuras
ou
Ao Sabor das gravuras

Encontramo-nos no quiosque da Praça a comprar jornais. O Público anunciava, em chamada de primeira página, a descoberta de novas gravuras rupestres no Sabor, com 20 mil anos de idade.
Encontrámo-nos eu e o Nélson Rebanda, o arqueólogo que descobriu as primeiras gravuras do Côa e que tão injustiçado foi nos anos seguintes. Foi uma espécie de Cristóvão Colombo das gravuras.Viriam mais tarde os conquistadores. A notícia, assinada por Pedro Garcias, um homem cá de cima, dava ao Sabor da minha infância um sabor novo.
No dia anterior tinha ido comer peixes à Foz ( do Sabor), num ritual que se repete sempre que rumo a limpezas de olhar interior. Também nesse dia me embrenhara nas fragas da Póvoa onde, já lá vão perto de 25 anos, levei o Assis Pacheco que, perante uma professora primária vestida para nos receber como se se preparasse para uma ida ao S. Carlos, numa casa sem luz nem água, com o caldeiro dos grelos à lareira, escreveu um belíssimo poema, posteriormente publicado na Vértice.
Hoje na Póvoa vivem 22 pessoas, bem contadinhas, quase todas com idade superior a 60 anos. As casas, com se o tempo não passasse por ali, mantêm-se de pedra, em construção tosca mas robusta de granito. E desabitadas, na maioria.
E fomos tomar café. O Nélson Rebanda estava excitado pela descoberta e era referido no texto como o criador da expressão do Côa, Santuário Sagrado.
Mas que importância tem descobrir que há 20 mil anos já se sonhava por aqui, nos desfiladeiros inóspitos, quando o sonho é considerado hoje, pelo pragmatismo crescente, um dos sintomas do desfazamento da realidade e um obstáculo ao nacional-situacionismo, mediático e político, para quem o efémero e o supérfluo são os grandes promotores de energias e desenvolvimento?
Vejo o Nélson desencantado, por vezes excessivamente auto-crucificado, num jogo de incompreensão que o isolamento potencia.
Mas como é que não se sentirá alguém que, durante infindáveis dias, foi desbastando de roçadoura na mão, os arbustos que escondiam as pedras, o xisto sólido do chão sagrado?
E leio também que, após 23 anos de serviço à causa pública, Diana Andringa se despede da RTP. Como não se há-de sentir ao ver o estado a que a televisão (pública e privada) chegou.
E leio A Bola. Um jogador atinge os 20 milhões de contos. Outros menos milhões, mas ainda milhões.
A Igreja em vez de abençoar Deus, preocupa-se mais em criticar César. Esquece o sagrado e sacia-se no profano.
A remodelação e os seus rumores inventam analistas e suportam ajustes de contas. Resultados de sondagens, sempre relativos, são absolutizados.
Ouvem-se pelo interior as sirenes. Começaram os incêndios. A seu tempo virá a remodelação.
E os jornais em vez de picotarem na rocha um auroque (boi selvagem), preferem pintar em papel um cenário de um país dissolvente, em que tanto governo como oposição servem de arbusto e ocultação ao grande auroque gravado na pedra do tempo.

Rogério Rodrigues

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