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domingo, 8 de novembro de 2009

Um poema de juventude de Campos Monteiro

No arquivo da Casa do Rossio, propriedade da família Pinto Félix, guarda-se um precioso poema manuscrito, de autoria de Campos Monteiro, o qual foi publicado há vários anos, no “Mensageiro de Bragança”, pelo nosso saudoso mestre Padre Joaquim Rebelo. O facto de o poema estar assinado apenas como Abílio Monteiro, nome que utilizou nos primeiros escritos, situa-nos cronologicamente nos finais do séc. XIX (anos 90?). Quanto ao lugar onde foi escrito, só pode ser na serra do Roborêdo, pois do alto divisa a vila, como se depreende.
Campos Monteiro vai voltar de novo a este tema da dor perante a hipocrisia e a traição, num outro poema intitulado “Desterrado”, publicado in “Versos fora de moda” (Porto, 1915).

Vista da vila de Torre de Moncorvo, a partir da Quinta das Aveleiras, propriedade da família Pinto Félix.

O vento nos arvoredos
Geme uns íntimos segredos,
N’um confuso murmurar;
E os rouxinóis nas balceiras
Cantam as noites fagueiras
Inundadas de luar.

O doce correr da agoa [sic]
Dá um tom leve de mágua [sic]
À alma ardente dos poetas;
E a villa além, silenciosa,
Oculta-nos, receiosa [sic],
Os rostos das Julietas.

Sinto um feliz bem-estar
Quando alcanço este lugar,
Tão cheio de solidão.
Só aqui, longe do Homem,
Me não seguem e consomem
A Malvadez e a Traição.

Abílio Monteiro

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Chacim - um poema de Campos Monteiro

E para fecharmos o assunto, algo funéreo, do "post" anterior, não resistimos a deixar aqui um belo poema que é um misto de evocação, veneração e saudade do nosso poeta Campos Monteiro, em relação a um velho amigo de Moncorvo, que entretanto falecera:

O CHACIM

Entre os velhos que esconde a sepultura,
um me recorda agora. Era o Chacim,
alma cheia de paz e ternura,
que tinha imensa adoração por mim.

Domingos de manhã, no Lageado(1),
era certo, passeando, satisfeito.
E ao ver-me aparecer -alvoroçado
vinha apertar-me contra o largo peito.

- "Então por cá!?... Um pouco macilento...
É de escrever... Comédias p'ra o teatro...
versos... artigos... o diabo a quatro!" -
E aos outros, baixo: - "Aquilo é que é talento!" -

-"Cá tenho visto nos jornais. Pois não!
Eu leio tudo quanto o amigo escreve!"
E a sua longa barba côr de neve
tremia de entusiasmo e de emoção.

- "Isto dá glória à terra! É uma vergonha
que a vila em que nasceu não retribua!
Hei-de propôr à Câmara que ponha
o seu nome na esquina de uma rua!" -

Eu protestava. Mas o sino à missa
chamava os crentes... E estendendo a mão:
- "Não se faça modesto, que é justiça!
Deve-lhe a vila esta consagração!" -

Passaram anos. Muito tempo estive
sem vir aos montes que eu adoro tanto.
Chego, e indago: - O Chacim? ainda vive? -
- "Mudou de casa, para o Campo Santo!" -

Parti de novo. E o tempo, decorrendo,
- como a neve às pegadas de um pastor -
foi na minha memória dissolvendo
a imagem do meu velho admirador.

Enfim, um livro publiquei. Só este...
Primeiro e derradeiro, é bem de ver.

- Meu pobre amigo! para que morreste?
Quanta alegria, se o pudesses ler!

Campos Monteiro, Versos fora de Moda (capº. Cartas da Minha Terra), 1ª. ed. - 1915.

(1) O "Lageado" era no adro da igreja matriz [nota do postador]

sábado, 14 de março de 2009

Saúde e Fraternidade

Muito se tem falado e escrito sobre Campos Monteiro. E muito pouco sobre o seu livro de maior êxito, "Saúde e Fraternidade". Publicado em 1923 ainda sem as caricaturas de A. (Américo) Amarelhe que só aparecerão na capa na versão definitiva da sátira, não sei se na segunda ou terceira edição, o "Saúde e Fraternidade" chegou a vender 40 mil exemplares, a ponto de Aquilino Ribeiro reconhecer que foi um dos livros de maior êxito no primeiro quartel do século XX. Após um longo esquecimento, só em Dezembro de 1978, nas Edições Templo, é que saiu a última edição da "Saúde e Fraternidade ", baseada na sétima e décimas edições, incluindo ilustrações de Amarelhe. Contudo, numa edição pouco cuidada, enganam-se na data do preâmbulo dos editores. Onde, na primeira edição, Campos Monteiro escreve 1993, eles erram escrevendo 1939.
Tanto a primeira edição com a última (eu tenho ambas) serviram para uma consulta de que vou dar alguns apontamentos neste post.
"Saúde e Fraternidade (História dos Acontecimentos Políticos em, Portugal desde Agosto de 1924 a novembro de 1926), Livraria Civilização Editora, Rua das Oliveiras, 75, Porto)" é um libelo contra os últimos anos da República e um sonho, jamais realizado, da reintauração do regime monárquico através do levantamento popular dos camponeses do Minho e e Trás-os-Montes contra um Estado Bolchevique. Já lá iremos. Escreve Campos Monteiro, numa espécie de advertência preambular: "Este livro há-de ser escrito daqui a 70 anos. Por um processo especial de adivinhação, já conhecido de resto, pelos que se dedicam ao estudo do Iluiminismo, conseguiu quem o dá a lume saber a maneira como os historiadores do século XX hão-de encarar os sucessos políticos a que nós, homens de agora, vamos assistindo (...) Publica-se a obra tal como saiu dos lábios do Vidente, da nossa pena de simples secretário seu, tal como há-der sair dos prelos de uma imprensa do Porto, em certo dia de Outubro de 1993".
O prefácio serve para criticar Afonso Costa, um dos alvos predilectos de Campos Monteiro, a par de Júlio Dantas e Lopes Cardoso.
Com uma capacidade satírica notável, ridiculariza, ao jeito da "Queda de um Anjo", de Camilo, o Parlamento e o anticlericalismo dos primeiros anos da República. A título de exemplo critica e diverte-se com o facto de o deputado (mais tarde primeiro ministro) Sá Pereira, se rebelar contra a Igreja, considerando casus belli a erecção do Coração de Jesus no morro do Corcovado (Rio de Janeiro). Júlio Dantas, o cortesão médico/ escritor da "Ceia dos Cardeais" é dado por Campos Monteiro como o exemplar, por excelência, dos adesivos. De monárquico chegará a Comissário dos Sovietes, mas quando estes são derrotados começa a escrever a história de Ilustre Casa de Bragança... O Almada (Negreiros) é que o topou. E o Mário Viegas também, declamando o "Manifesto Anti-Dantas".
Como Vidente, ou seu secretário, imagina um Governo revolucionário em que "não houve soldado que não ficasse sargento". São encerrados os centros políticos que não sejam radicais ou socialistas, redobra o "velho ódio às crenças cristãs", o Dente d'Ouro, o sargento Olímpio, da Marinha é libertado do forte de Elvas e trazido em apoteose para Lisboa. Diga-se que o Dente d'Ouro, era natural da Cardanha e esteve na Noite Sangrenta em que foram mortos António Granjo, primeiro-ministro, natural de Chaves, Machado dos Santos, o herói da Rotunda, e Carlos da Maia. O Dente d'Ouro seria o matador, encomendado e pago pelo padre Lima, também da Cardanha como mais tarde terá confessado a Berta Maia, viúva de Carlos da Maia que, com frequência, visitava na cadeia o assassino do seu marido, numa investigação quase heróica. O livro de Berta da Maia só saiu em 1926, exactamente na altura de "revolução do 28 de Maio", o que deu a que tenha ficado na penumbra durante todos estes anos. Espero que o centenário da República seja a data ideal para uma reedição digna.
Continuando: segundo as profecias de Campos Monteiro teria sido também libertado, Júlio Costa, o assassino de Sidónio Pais. Não deixa de ser curioso que o regicida Alfredo Costa seja da mesma terra, Garvão (Alentejo) que o assassino de Sidónio Pais, ainda que, com o mesmo nome, não fossem nada um ao outro.
Mas é o ministério de Procópiode Freitas que é alvo da grande sátira (é obrigatório reconhecê-lo), ainda que de um reaccionarismo incomodativo, no mínimo. Salienta que o nacionalismo lusitano onde navegavam os monárquicos sob a tutela ideológica do integralista António Sardinha sonhavam com o fascismo de Mussolini.
Não resisto a transcrever a demissão de três ministros de Procópio de Freitas. Textual:"... O País estava descontente com o ministério; e não só o país: o próprio partido,-sem reparar em que , se o governo nada fizera, fora porque o partido o não deixara. Nesta condições, o gabinete punha nas mãos do chefe do Estado a solução da crise, oferecendo-lhe desde já a sua demissão.Bernardino Machado continuava anediando a pêra e cofiando o bigode. Os seus olhos, agora, cravavam-se no ministro das Finanças.
- Suponho não ser preciso tanto - disse depois de uma pausa. - São três apenas os ministros que desgostaram a opinião pública: o das Finanças e Trabalho, o da Instrução e o da Guerra. E não será necessário apelar para a sua dedicação ao regime quando se reconhecer a impossibilidade...
Aragão e Brito, Camilo de Oliveira e Veiga Simões ergueram-se, depondo as suas pastas sobre a secretária presidencial.
- Muito bem! - disse Bernardino Machado, com o mais amável dos seus sorrisos. - Nem outra coisa seria de esperar da isenção e inteireza de carácter que sempre me aprouve reconhecer em vossas excelências.
E chamando o seu secretário, antes que os três se arrependessem ou algum dos presentes alvitrasse qualquer outra solução:
- Meu caro Ângelo! Faça aí a nota oficiosa de que os ministros das Finanças, Instrução e Guerra solicitaram a sua exoneração, e mande-a já para a Imprensa.
Ângelo Vaz ia retirar-se, ajeitando as lunetas, quando Bernardino Machado tornou:
- Ouça. Não se esqueça de pôr que Sua Excelência o Presidente insistiu com os ilustres estadistas para que retirassem o seu pedido, sem conseguir demovê-los da resolução tomada.
E voltando-se para Procópio de Freitas:
--O senhor presidente do ministério terá a bondade de mandar lavrar imediatamente os decretos, sem esquecer as palavras sacramentais, que desta vez são de absoluta justiça: "serviram com zelo, comprovada dedicação e acendrado patriotismo".
Os três ministros demissionários iam a retirar-se quando se abriram de par em par as batentes de uma porta e por ela entraram dois criados com bandejas de prata na mão. E o presidente cordialíssimo:
- Então já se retiram? Não tomam uma chávena de chá? Um cálice de vinho?
Como os outros recusassem, agradecendo, e marchassem para a saída, o chefe de Estado terminou, de chávena na mão e roendo uma torrada:
- Que pena terem tanta pressa! Mal imaginam como estão deliciosas estas torradas, com manteiga da minha fábrica de Coura...
***
A notícia da demissão dos três ministros acalmou o país. Ninguém lamentou a sua queda, salvo eles próprios, que deram um cavaco medonho com a história. Aragão e Brito, então, estava furioso. Aquela piada presidencial da manteiga provava-lhe que fora especialmente o monopólio desse produto, altamente prejudicial para a a indústria dos lacticínios do norte, quem o deitara a terra. E comentava para os companheiros de desgraça, no automóvel que os reconduzia ao centro da cidade:
- Todos os ministros caem escorregando numa casca de laranja. Nós escorregamos num pacote de manteiga.
- Escorregássemos fosse no que fosse, a questão é que caímos - respondeu o tenente-coronel Camilo de Oliveira.
- Mas não ficaremos assim!Eu pelo menos! - disse Veiga Simões. - Amanhã corro a filiar-me no partido sindicalista.
- E dois! - fez Aragão e Brito.
- E três - concluiu o ex-ministro da Guerra.
Assim foi, de facto. Dois dias depois os jornais noticiavam a adesão dos três estadistas ao anarquismo."

Poderá parecer excessivamente longo este excerto narrativo de Campos Monteiro. Mas exemplifica bem o estilo de Campos Monteiro, a sua capacidade de "inventar" situações e recriar diálogos, não fosse ele um homem que escrevia muitas obras para o teatro e operetas. E depois tem o registo do que ele chama as trouvailles. Ainda o francês era a língua nobre.
Recorda, salivando de satisfação, os dias turbulentos do Parlamento, em que havia pancadaria a sério, deputados ferrabrás, para quem estes Eduardo Martins e Afonso Candal não passavam de meninos de coro. Não deixa de brincar com os nomes dos ministeriáveis. E não faz por menos quando sabe que o ministro de Guerra é o Manuel Maria Coelho e o do Interior, Alfredo Gusado. Escreve ele que a má língua lisboeta chamou logo a este ministério o "ministério do coelho guisado".
Diverte-se com a questão do amor livre, em que cada deputado poderia votar "segundo a sua consciência ou o seu temperamento"
Noticia que Trindade Coelho aderiu ao partido monárquico.
Mas a sua sanha vai para Lopes Cardoso, conterrâneo seu, cuja casa, segundo me dizem, seria aquela da Rua do Cano, actualmente na posse do meu amigo Chico Sendas. Seria interessante saber as causas desta aversão a Lopes Cardoso.
Afirma Campos Monteiro que o acordo dos radicais e conservadores para uma lista não agrada a Lopes Cardoso " com o fundamento de que sendo o bolchevismo uma criação da grande judiaria europeia, e pertencendo ele à raça judaica, não lhe ficava bem combater os sindicalistas".
Esta ideia de bolchevismo ligado à judiaria do grande capital, alastrou e chegou mesmo à Alemanha de Hitler com uns apócrifos "Protocolos de Sião", escritos no princípio do século XX, justificativos de alguns pogroms e que teriam chegado a Paris pela mão de uma duvidosa condessa russa.
Ter-se-á então desenvolvido um grande movimento grevista, enquanto a fome alastrava pelo país. Campos Monteiro dramatiza ao máximo a situação. Seria interessante ( e é pena que agora não tenha oportunidade e sobretudo tempo) cotejar a verdade histórica com a "invenção" de Campos Monteiro.
Assim, o proletariado, os camponeses, numa remake da ocupação do Palácio de Inverno e mais tarde, já em 1975, do cerco e momentânea ocupação da Assembleia Constituinte pela Cintura Industrial de Lisboa, Campos Monteiro imagina o Parlamento nas mãos dos populares com um deputado, Moura Pinto, ainda a reagir, exclamando: " Estamos aqui por mandato do povo e só sairemos desta sala na ponta das baionetas.
- Vocês saem mas é na ponta dos nossos sapatos, respondeu um popular juntando o gesto à palavra".
Bernardino Machado foge de Belém e refugia-se no quartel do Carmo. Procópio de Freitas desfralda o pavilhão da república social no topo do navio. A marinha revolta-se. São criados os comissários do povo e o Alto Conselho dos Sovietes. Os jornais deixam de existir. Os estrangeiros fogem do país. A marinha mercante abandona os nossos portos. São cortadas relações diplomáticas e comerciais. Portugal fica entregue a si mesmo. o Governo russo reconhece a "república sovietista (sic) portuguesa". O Diário da República começa a chamar-se "Monitor da República dos Sovietes". É adoptado como hino a Internacional. É proibido qualquer culto religioso. São extintos todos os bancos. É decretada a pena de morte. O país é dividido em seis províncias. A província de Trás-os-Montes começou a chamar-se Kropotkine, o príncipe russo anarquista que pouco ou nada teve a ver com o leninismo, diga-se de passagem, o que parece Campos Monteiro não saber, não entender ou não querer entender.
Segundo o Vidente de que Campos Monteiro é secretário, no Verão de 1925 "havia fome em todo o país". E de novo vem Lopes Cardoso à baila. " O delegado adstrito ao corpo militar enviado a pacificar Trás-os-Montes foi Lopes Cardoso, antigo monárquico, ministro democrático, reconstituinte, nacionalista e radical, enfim tornado bolchevista. Era sua e da sua gente a província que pisava agora, à frente de uma coluna do Exército Vermelho (...) Era bem o homem que tendo sido católico ao ponto de não faltar a uma procissão em Bragança e realista ao ponto de conspirar contra Paiva Couceiro, desatar a desterrar padres e a transferir juízes apenas se viu ministro da Justiça".
Muito mais haveria ainda a dizer sobre este ficcionado regime bolchevique por Campos Monteiro. As marquesas e condessas montaram um restaurante, Alfredo da Silva, o homem mais tarde da CUF, era empregado de mesa, o Teatro Nacional foi transformado em Teatro Lenine e Júlio Dantas começou a escrever peças de "realismo socialista".
Paiva Couceiro revolta-se, mas não tem apoios e regressa á Galiza. Até que o povo do Minho e de Trás-os-Montes começando em Alijó bate o Exército Vermelho e proclama em S. Pedro do Sul a monarquia. E Campos Monteiro, pelos vistos, fica feliz com uma ilusão que nem em 1993 (como se fora um serôdio Orwell) a monarquia vingou. É um livro divertido, para não ser levado a sério mas que de qualquer modo se aprecia pelo talento satírico, pelo reconstruir de situações em que Campos Monteiro é exímio.
Peço desculpa por esta escrita tão apressada, sem jeito nenhum. Quis apenas deixar o registo de um livro que, hoje é tão pouco conhecido.

sábado, 7 de março de 2009

Ainda “O Roboredo” de Campos Monteiro…

Completam-se hoje 133 anos sobre o nascimento de Campos Monteiro.


O nosso escritor nasceu em 7.03.1876 e faleceu em 4.12.1933. Como forma de assinalar o seu 133º. aniversário, aqui deixamos os restantes versos do capítulo “O Roborêdo” das Cartas da Minha Terra (in “Versos Fora de Moda”). Aqui faz uma evocação do trabalho dos jornaleiros que trabalhavam nas encostas da serra, dos pastores (“pegureiros”) com os seus gados, da paisagem serrana de onde emerge a Fraga do Facho e de cujas vertentes escorriam as águas que iam dar de beber à vila...
Torre de Moncorvo, o trabalho e os dias, nos inícios do século XX:

(…)
“E vejo agora na cortinha em frente
uma brigada de trabalhadores.
Cavam a terra estéril… lançam-lhe a semente…
Crispam-se o húmus, dolorosamente…
Ninguém pode ser mãe sem sofrer as dores!

Nos pedregosos, húmidos carreiros,
passam rebanhos chocalhando. Atrás,
precedidos dos cães, os pobres pegureiros
chamam por eles, para que os rafeiros
deixem as aves e os reptis [sic] em paz.

Pende-lhe’a negra taleiguita ao lado,
por uma fita de bezerro presa:
um pão centeio petrificado,
um pedaço de porco mal curado,
quatro medronhos para a sobremesa…

Se a fome aperta, ou sentem o perigo
dos escorpiões e víboras subtis,
o mesmo naco de toucinho antigo
lhes serve de alimento e de presigo
e sara as mordeduras dos reptis.

Horas de almoço… O chefe da brigada,
fazendo um gesto à gente que moureja,
- “Louvado seja Jesus Cristo!” – brada.
E num momento, abandonando a enxada,
todos respondem – que bendito seja!

Levanto os olhos mais. Vejo a Fraga do Facho,
talhada a pique, como uma parede,
com o seu manto de musgo e heras e escalracho.
Dela dimana e corre serra abaixo
a àgua pura que nos mata a sede.

Emergindo da rocha, a todo o custo e receiosa,
deita a fugir da vila em direcção.
E na carreira louca e temerosa
traz sobre o dorso pétalas de rosa,
raminhos de alecrim e de serpão.

Pelas caleiras de granito é vê-la
cantarolar, correr, cheia de pressa!
E os castanheiros curvam-se sobre ela,
fazem-lhe sombra com a sua umbela
para que o sol do estio a não aqueça.

E as ovelhinhas bebem à vontade…
Voando, as pombas vêm matar a frágoa…

- Minha terra natal! Como há-de
ser cheia de pureza e bondade
a gente que depois bebe esta água!...”~

(continua)

quarta-feira, 4 de março de 2009

“O Roboredo” de Campos Monteiro (continuação)

O poeta evoca aqui, bucolicamente, as paisagens que se divisam da serra do Roboredo, a partir de uma casa onde afirma que passou a sua infância (será que viveu mesmo aí, ou seria uma casa de campo onde a família ia amiúde? - era interessante determinar qual). Decerto não seria muito longe da capela de N. Srª da Conceição, a outra “casa” (que se imagina próxima) onde diz que mora “a Virgem Mãe de Deus”.
Fala ainda de um surto de febre-amarela, ocorrido nos meados do séc. XIX, que vitimou muita gente (sendo muitos enterrados junto da dita capela). Prolongando as pestes medievas, estas epidemias, tais como pneumónicas, tuberculoses, carbúnculos, tifos, febres palúdicas (ou sezões), etc., eram frequentes, de tempos a tempos, provocando grandes mortandades, tendo chegado ainda aos inícios do século XX – só a generalização das vacinas a partir dos anos 40-50 foi debelando esse problema.

"Ouvia-se na vila o toque das trindades..." - ao fundo as "ribas do Sabor" (foto N.Campos)

Mas passemos a palavra ao Dr. Campos Monteiro, então um jovem médico de férias na terra natal:
(…)
São léguas de terreno. E em tal distância,
só duas casas sob o azul dos céus!
- Duas casas banais, pobres, sem importância…
N’uma delas passei a minha infância.
Na outra mora a Virgem Mãe de Deus.

Velha Casa da Serra! Que saudades!
Do teu balcão, que lindo era o sol-pôr!
Ouvia-se na vila o toque das trindades,
e o fumo que subia das herdades
envolvia num véu as ribas do Sabor!

Nas montanhas da Lousa o sol caía,
'inda toucando de oiro o Cabeço da Mua…
A Vilariça, exangue, adormecia…
Vinha o crepusc’lo… terminava o dia…
- silêncio enorme!... e despontava a lua…

Lá vejo ao lado a mancha verde luzidia
Das figueiras do cimo-do-pomar,
às quais, quando criança, impávido subia,
enquanto em baixo meu avô fingia
que dormitava, pr’a não me ralhar.

Dentro do souto vejo ainda o bardo
Para o rebanho à noite se acolher.
D’aquele sítio que lembranças guardo!
Foi ali mesmo que meu tio Eduardo,
Quási brincando, me ensinou a ler!

Da Conceição, ao fundo, eis a capela,
com ar de mágoa e de desolação.
Há meio séc’lo já que houve a febre amarela.
Enterravam-se os mortos junto dela,
e ficou assim triste desde então…

Quando eu passava no caminho em frente,
a minha mãe mandava-me ajoelhar,
- e de mãos postas, fervorosamente,
rezava ainda pela pobre gente
que a epidemia veio ali matar!

O sol já vai em meio da subida,
e o meu olhar, ansioso, não descansa.
A saudade é uma dúlcida bebida!
Recordar é viver de novo a vida,
e eu sinto-me hoje inda uma vez criança!

(continua)

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Roboredo e a paisagem circundante, pelos olhos de Campos Monteiro

Deixámos, há dias, o escritor Campos Monteiro, sem apetite, à hora do jantar, depois da sua chegada a casa, na Rua da Misericórdia, segundo nos relata na primeira das suas cartas em verso (ver post de 25.02.2009). Estes poemas em forma de carta foram escritos em Torre de Moncorvo, pelos inícios do século XX (não se sabe a data com rigor, pois o próprio autor, na edição original, escreveu em rodapé: “Moncorvo, primavera de 19…”).



Vista da serra do Roborêdo, a partir do "Castelo".


As referidas poesias, sob o título “Cartas da Minha Terra” (dedicadas a Heitor de Figueiredo), estão incluídas na colectânea Versos Fora de Moda, obra datada de 1915. Portanto, dado o esquecimento da data precisa por parte do autor, é natural que se tivesse passado um bom par de anos entre a sua escrita e a compilação no dito livro.
A primeira carta-poema aqui transcrita, tinha por título, como vimos, “Em viagem”, relatando o trajecto entre a estação do Pocinho e a sua morada, no bairro do Castelo.
A segunda, parece relatar o dia seguinte à sua chegada, e intitula-se: “II – O Roboredo”. É uma saudação à serra que o viu nascer e à paisagem envolvente. Dada a sua extensão, tal como fizemos anteriormente, vamos apresentar apenas partes do poema, para não maçar os nossos visitantes.

Aqui fica:

II – O Roboredo.

Levantei-me da cama muito cedo
E, sentindo a alegria de viver,
Fui abrir as janelas em segredo,
Para cumprimentar o Roboredo,
Um velho amigo, que me viu nascer.

Da varanda que dá para a montanha,
Com um gesto amigável, saudei-o.
Que linda serra, de beleza estranha!
Que pena que ela seja assim tamanha
E t’a não possa eu mandar pelo correio!...

Não sei de mais formoso anfiteatro
Nem de mais calmo, doce e cândido vergel.
É o panorama que eu mais idolatro.
Lembra o pano de fundo d’um teatro
No terceiro acto do “Guilherme Tell”.

Calcula: Ao fundo, as vinhas verdejantes,
Vetustos olivais e amendoeiras esguias.
Depois, florestas de árvores gigantes,
E, de onde em onde, as manchas rutilantes
De estevas, urzes, arreçãs, peonias…

Tudo isto tão polícromo e tão vivo,
N’uma tão justa orquestração de côr,
Que a mim mesmo pergunto, Heitor(1), porque motivo
Na linda vila de onde sou nativo
Nunca nasceu um único pintor!

(continua)

Nota 1 – o destinatário desta carta é o seu amigo Heitor de Figueiredo, também poeta, a quem dedica este capítulo das cartas.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Em Viagem II - continuação do poema de Campos Monteiro

Foto da entrada da vila de Torre de Moncorvo (às Aveleiras), no tempo de Campos Monteiro (in Ilustração Trasmontana, 1908-1910)
Olha agora à direita, e vê: parece um cromo.
No sopé da montanha uma sé colossal,
e em volta cinco ou seis centos de casas, como
Ao redor de um castelo um burgo medieval.
É Moncorvo! Está perto o termo do caminho ...
Lá vejo a casa em que eu à luz do mundo vim;
paira-lhe sobre o tecto um fumo cor de arminho,
tão branco, que parece um lenço de alvo linho
Posto ali a acenar, para chamar para mim !
Às Aveleiras, desço e sigo a pé. É perto...

Trajecto que o escritor seguiu, desde a Rua do Cabo, até à sua casa, na rua da Misericórdia -foto de N.Campos (clicar sobre a foto para a ampliar)
Estavam d’antes aqui a esperar-me - era certo!
- meu pai e minha irmã, ambos a par.
Mas a morte passou, e levou-os consigo.
Vê-se d’aqui, porém, o seu jazigo,
e é p’ra eles que mando o meu primeiro olhar,
agora, preparar! Vamos calcar a argila
da rua que conduz mesmo ao centro da vila,
e há caras conhecidas nas janelas
e às portas, a tomar o fresco. E em todas elas,
mal eu desponto, surge um clarão de alegria.
Tenho de saudar, dizer se passo bem,
e perguntar depois como eles vão, também.
E n’esta via-sacra atroz da Cortesia,
vou seguindo e parando ... Até findar o dia.
Aqui tens, logo à entrada, as senhoras Botelhos,
o Daniel e a mulher ... Coitados! Estão velhos,
mas sempre amigos: Dáfnis e Cloé.
Depois, no Lageado, a gente que passeia
n’este cair-de-tarde idílico de aldeia.
Caio em pleno triunfo! É a hora do café,
e o botequin do Ernesto está au grand complet!
E na Rua das Flores, e na Praça
toda a gente que está me saúda e me abraça.
N’um banco do Castelo, o ti’Zirra, ceguinho,
- santo velho! Cegou de tanto trabalhar!
- levanta-se, a sorrir: - «Deus o traga, vizinho!»
E a sua mão tremente de velhinho
Procura a minha mão, a tactear!
Meus bons patrícios, cheios de virtudes!
Honesta, digna, hospitaleira gente!
Como eu me sinto bem entre os seus braços rudes,
E como folgo em vê-los novamente!

Casa onde nasceu Campos Monteiro, em lamentável estado de degradação - foto de João Pinto V. Costa

Ao penetrar na minha rua, todos
Saem de casa para me abraçar.
Recebo beijos... Efusões a rodos...
E a Lídia, à porta, grita com maus modos:
- «Deixem-n’o em paz, que há de querer jantar!»-
Porém, sentado à mesa, tão contentes
Sinto os olhos, a alma o coração,
Que nem toco nos pratos excelentes
Cozinhados por minha devoção.
E a minha mãe - coitada! - a sorrir e a dizer:
- «Come, meu filho! Vais adoecer
Se começas assim a jejuar!» -

Como há de ter vontade de comer
A boca que só tem desejos de beijar!
Campos Monteiro, in “Versos Fora de Moda” (1915)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

“Em viagem”, um poema de Campos Monteiro

Em tempo de amendoeiras em flor, é oportuno recordar um belo poema do nosso escritor Campos Monteiro (1876-1933), julgamos que escrito na sua juventude, em forma de carta, para uma amada (que só poderá ser a mulher de sua vida, Olívia, a quem dedicou também um dos seus primeiros escritos, intitulado “Violia”, anagrama de seu nome).

O poema-carta, publicado em Versos Fora de Moda (1915), tem várias partes, começando pelo desembarque do autor na estação do Pocinho; a seguir, este atravessou o Douro, talvez ainda na velha barca de passagem, uma vez que afirma que a diligência estava à espera do outro lado do rio; logicamente não estava construída a linha do Sabor, pois o percurso para Moncorvo é feito na diligência (também chamada mala-posta); segue-se a ascensão pela vertente da Quinta do Campo até à linha de cumeadas por onde corria o velho caminho, em direcção à Ventosa. Julgamos que seria este o trajecto, devido à descrição que o autor faz da paisagem que dele se avista (talvez ainda não estivesse construída a Estrada Real que coincide com a E.N. 220 (agora algo abandonada, depois da construção da recente ligação de Torre de Moncorvo ao I.P.-2).

Para não alongar muito o “post”, dividimos este primeiro poema em duas partes. Esta é dedicada ao trecho da viagem, antes de chegar à vila de Torre de Moncorvo. Colocaremos depois o trecho referente à sua entrada na vila e o percurso que faz até a casa de seus pais, na Rua da Misericórdia.

Nota 1 – actualizámos a ortografia, pois na edição original (que nos foi disponibilizada para consulta pela Biblioteca Municipal), dos anos 20, ainda se escreve “schisto” em vez de xisto; “scintilações” em vez de “cintilações”, etc.

Nota 2 – Sobre Campos Monteiro, ver os “posts” de Rogério Rodrigues, neste blog, datados de 14 e 16 de Maio de 2008 (para melhor facilidade de procura, clicar sobre a etiqueta Campos Monteiro, na coluna do lado direito).

Nota 3 – As fotografias que ilustram este “post” são de autoria de João Pinto Vieira Costa, a quem agradecemos a sua cedência (agradecemos também que sejam respeitados os seus direitos autorais).



I. - EM VIAGEM

Parto p’ra a terra. Sinto-me doente,
e é tal o amor que tenho ao meu cantinho,
que eu creio que melhoro de repente
ao avistar as veigas do Pocinho.
Salto às duas da tarde na estação,
e meto encosta abaixo em direcção ao rio.
O ar é tépido e brando: uma consolação.
Vê tu: no Porto faz ainda frio,
na minha terra já parece v’rão.
Do outro lado do rio a diligência espera
- e começa a ascensão. Nem sequer imaginas
quão pitorescas são estas ravinas
agora, ao começar da primavera!
Como um cortejo, mal organizado,
de donzelas coquettes e palreiras,
todas de branco, as amendoeiras,
descendo em grupos as ladeiras,
dão-nos a sugestão de irem p’ra um noivado.
E cada encosta é um tapete apenas de lírios,
arreçãs, malmequeres, verbenas ...
sulcada de carreiros e de trilhos,
casa-se ao verde intenso dos tremoços
o amarelo vibrante dos pampilhos.
Passam cachoeiras rindo: esse riso impudente
dos rapazes que veem a sair d’uma escola;
e em volta os lótus de húmida corola
tomam seu banho, consoladamente.
Aos raios de oiro pelo sol vibrados,
os xistos e os granitos dos montados
lançam cintilações de lantejoulas.
Corre um filete d’água lá no fundo.
E os trigos riem para o céu profundo
pelos lábios vermelhos das papoulas...
A quatrocentos metros de altitude
o Amâncio pára o carro, a descansar o gado.
E agora o quadro é outro e muito mais variado.
Dize-me se não dá mesmo saúde
olhar este horizonte dilatado!
O que temos subido ! Olha o Monte-Meão,
há pouco inda tão alto, e agora n’um fundão!
Por de sôbre ele vê-se uma faixa amarela
de montanhas, ao longe: é a Serra da Estrêla.
Da Burga, ao norte, a massa informe.
Serras ao poente. A Leste o Roboredo infindo.
E este caixilho sumptuoso, enorme,
que lindo quadro ele emoldura! ... Lindo! ...
Pela vertente das encostas,
co’a rigidez d’uma muralha,
as oliveiras, em cordões dispostas,
lembram soldados, de mochila às costas,
ordenados em linha de batalha.
E há vinhedos sem fim ... Imensos laranjais ...
E na toalha verde-escura
dos azevéns e cereais
põe uma intensa nota de frescura
as pinceladas brancas dos pombais.
Da Vilariça, em baixo, a multicor alfombra,
tão fértil que sustenta três concelhos.
A parte ocidental mergulha já na sombra,
mas nos casais de Leste há reflexos vermelhos.
Corre a meio o Sabor, todo apressado,
porque sabe que o Douro o está a esperar;
E ao chegar junto d’ele, fatigado,
fundem-se n’um abraço demorado,
descansam, dão a volta - e largam para o mar!
Dependurados pela serrania,
lugarejos, torreões, flechas de igreja.
Nos altos picos, d’um verniz de oleografia,
ainda a neve à luz do sol alveja.
Que variedade, d’uma e de outra banda!
Como isto é grandioso, e ao mesmo tempo ameno!
São a Suíça, a Itália, e a própria Holanda
em dez léguas quadradas de terreno!

(continua)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Campos Monteiro

Desculpem a insistência no Campos Monteiro, mas com este pequeno texto, de aditamento, relativo à homenagem que lhe foi prestada em Moncorvo, parece-me que dou mais alguns elementos pouco conhecidos para quem um dia queira fazer algum trabalho sobre este escritor transmontano.
Rogério Rodrigues


Notícia do Primeiro de Janeiro

Moncorvo homenageia Campos Monteiro

Dez anos após a sua morte, em 1943, Carlos de Passos, amigo de Campos Monteiro prepara e edita uma “Homenagem a Campos Monteiro. Miscelânea de estudos em honra do escritor e do cidadão--1876-1933”. O livro com uma tiragem apenas de 500 exemplares é editado pela Livraria Tavares Martins, Porto, 1943.
Além de vários depoimentos, constantes do livro, na generalidade de escritores e jornalistas de direita e extrema-direita, homens do Estado Novo e monárquicos, o in memoriam trás a notícia do Primeiro de Janeiro dando conta da homenagem que lhe foi prestada em Moncorvo, a 21 de Janeiro de 1934, um mês e meio, sensivelmente, após a sua morte em S. Mamede de Infesta.
Pelo seu interesse, aqui a publicamos na íntegra, com a devida actualização ortográfica:

“MONCORVO, 22 - Na sala de Leitura do Dr. Campos Monteiro, do Club Recreativo Moncorvense, efectuou-se ontem uma sessão solene de homenagem à memória daquele grande escritor, sendo nesse acto descerrada a fotografia daquele conterrâneo ilustre. Assistência numerosa, onde se encontravam as individualidades de maior categoria social desta vila.
Presidiu à sessão o sr. Dr. José de Abreu, digno notário desta comarca e presidente da assembleia geral, secretariado pelos srs. Julião Serra e Alfredo de Sousa, membros da direcção do mesmo Club.
O sr. Presidente abriu a sessão e no seu discurso, que foi cheio de frases eloquentes, focou com brilho admirável a grande figura que foi Campos Monteiro.
Falou em seguida o representante da Direcção Sr. Julião Serra que em palavras singelas pôs em relevo algumas da obras do grande mestre.
Fala depois um novo que promete --o Sr. Telmo da Fonseca --, que num discurso brilhante, cheio de beleza e frases arrebatadoras, enaltece o grande valor moral e intelectual de Campos Monteiro, pedindo no final um minuto de silêncio como homenagem à memória daquela figura que tanto enriqueceu as letras pátrias.
Fala a seguir o Snr. Alcino Alves, digno Inspector da Companhia de Ferro, que num esplêndido discurso pôs em relevo o poeta ilustre que foi Campos Monteiro, além de prosador incomparável e médico distinto.
O retrato, obra admirável da Fotografia Medina, dessa cidade, estava coberto com a bandeira da Municipalidade de Moncorvo, sendo descoberto pela interessante filhinha do membro da Direcção, Sr. Adriano Fernandes e sobrinha do homenageado, Maria Adelaide da Silva Fernandes.
Na biblioteca, em princípio, há 400 volumes, encontrando-se ali representados os maiores escritores, tanto nacionais como estrangeiros, a qual vai ser enriquecida brevemente, com a obra do saudoso morto.
Campos Monteiro que tanto amava a terra em que nasceu, merece uma homenagem mais alta e grandiosa. O nome numa rua, é pouco. Uma lápide na casa onde soltou os primeiros vagidos ainda não é o bastante.
Campos Monteiro, essa distinta figura da literatura portuguesa, merece uma homenagem maior, muito maior, e que mostre às gerações vindouras esse grande vulto que enriqueceu as letras pátrias, foi o orgulho da terra que lhe serviu de berço.
Nota -- Essa homenagem maior está em vias de realização, pois brevemente na sua terra natal se inaugurará o justo monumento comemorativo da nobre figura intelectual que foi o Dr. Campos Monteiro. A iniciativa e a realização do mesmo devem-se a uma comissão de bairristas, formada pelos Exmos Srs: Engenheiro Guilherme de Castro Leandro, Dr. António Joaquim Marrana, Alferes António Augusto Serra, Amadeu Ferreira d’Andrade, Claudino d’Oliveira Pereira e António José Martins”.

Era esta a notícia do “Primeiro de Janeiro”, provavelmente de um correspondente local. Em 1939, da autoria de Sousa Caldas, foi erguida a escultura de Campos Monteiro frente à Câmara Municipal.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Moncorvo no início do século XX

Nomes, lugares e expressões

O livro de Campos Monteiro (“Ares da Minha Serra”), não sendo de grande qualidade literária, respeitando embora os cânones da época, tem, no entanto uma virtude única: dá-nos a conhecer não só o linguajar, bem como a topografia e os costumes de Moncorvo no princípio do século passado.
A descrição da amêndoa coberta, a partição da amêndoa, a pisa das uvas, a descrição da Corredoura são textos que deviam ser estudados pelos alunos de Português da Escola Secundária de Moncorvo, Dr. Ramiro Salgado. Seria benvindo professor que houvesse capaz de reflectir no porquê das alterações da arquitectura da vila, sobretudo a partir da descrição da Corredoura, e também nas especificidades linguísticas de um meio rural que se transformou num meio de serviços.

Nomes

Alguns dos nomes presentes no livro, sobretudo na primeira novela, ainda têm ressonâncias familiares no Moncorvo de hoje.
Uma das personagens mais conseguidas de Campos Monteiro é sem dúvida o Canafrecha.
Campos Monteiro dominava o diálogo com a mestria de quem muito teatro já escrevera.
Diga-se que os “Ares da minha Serra” com o “Raio Verde”, livro de poemas, são os últimos livros de Campos Monteiro, publicados em 1933, ano da sua morte.
A definição de Canafrecha: “Olá, Canafrecha! Vens p’ra o rebusco?”
O Canafrecha era “zorro”, filho de pai incógnito. Dormia “nos bancos do Castelo sob a umbela das acácias”. (Já não há acácias no Castelo).
“Era o único ratoneiro da vila--uma povoação de três mil almas que desconheciam o roubo e cujas portas se patenteiam sempre abertas, de par em par”.
Ainda a propósito do Canafrecha, Campos Monteiro lembra “ a mata do sr. Baltazar onde havia medronhos de trás da orelha” (no Roboredo).
Diz o João Caramês, o herói da novela, p’ra o Canafrecha: “Olha que podes emborrachar-te”
“--Melhor! Alguma vez hei-de fingir de rico”.
Já tinha ido à consulta do Hospital. “Disse-me o doutor Ramiro que era do coração e pôs-me a leites” . Pelo menos em 1933 havia Hospital em Moncorvo.
Ainda o saboroso linguajar do Canafrecha: dizem que “fiz o ranfa de um corte de saragoça à senhora Filomena Granzina. Mas são inzonices das más línguas (...)Surripiei na loja do Marrana uma folha de papel e um vidrinho de tinta e fui-me lá p’ra a serra, p’ra do dr. Bernardo, a escrever tudo o que tinha visto”.
Há ainda o personagem da desgraça, o Tomazinho Montenegro que encomendou duas músicas para a festa da Nossa Senhora da Esperança: “a do Peredo e a do Mogadouro”. Existe também uma D. Clemência Montenegro, de Felgueiras. E uma tal D. Clotilde Paredes, em cuja casa se partia a amêndoa e que “possuía vasto amendoais, lá para as arribas do Felgar e nas pedregosas encostas que, da Cornalheira e da Ventosa, descem a buscar o Douro”.
E encontra-se, como vinhateiro, em Moncorvo, um tal William Copperfield, cuja mulher “fora certa menina do Peredo, magríssima e quase sem sangue”. Ainda os barcos chegavam à Foz. A descrição: “Todos os dias chegavam barcos-rabelos ao Rego da Barca, com os mais diversos artigos, fabricados no Porto e no estrangeiro. Em troca, partiam as pipas de vinho generoso, os cascos de azeite, os fardos de lã, os sacos de amêndoa e de milho”.
Também outra das personagens mais vincadas da novela de Campos Monteiro, é Armoges, o usurário que foi morto por Tomazinho Montenegro e que levou à prisão de João Caramês. A descrição da personagem denota da parte do autor de Moncorvo, a leitura dos chamados naturalistas do último quartel do século XIX. Armoges “que só escogita em apedoirar dinheiro, esse birbante (...) se já não está a espernear na forca, é porque enterraram o pelourinho que havia ali na Praça (...) Avaro trampolineiro (...) o cochino(...) o somítico (...) Esse fome-laricas que passava muitas vezes sem janta, só para amealhar mais 10 tostões (...) Armoges (Hermógenes) habitava um casebre no fundo da rua dos Sapateiros”. Tinha um estabelecimento “mixto de prego e casa bancária” na Praça Municipal.
Para quem conhece Moncorvo, passados quase 70 anos sobre a publicação do livro há situações familiares, usos e linguajares que nos vêm á memória e nomes que perduraram até hoje embora em condições sociais distintas. Por exemplo, o Tomé Cantés, “pobre carpinteiro”. Escreve Campos Monteiro: “Iam levar o Tomé para o hospital e que o sr. Abílio Pires oferecera o palheiro da rua das Amoreiras para eles morarem”.
Na novela aparecem ainda outros nomes a merecerem, bem como outros de tempos sequentes, uma biografia social de uma vila que foi importante, como Moncorvo. Algumas referências:” O lagar de vinho do Júlio Gonçalves à rua da Misericórdia(...) Ao torcerem para o Prado, avistaram à porta da taberna do Cachiço”.
O Roberto Caiador, Moncorvo já na altura tinha dois polícias, o 25 e o 18, havia o António Enxamblador, o Joaquim Loureiro, o Chico de Ligares, oficial de diligências, o dr. Areosa. “A rapariga (Madalena Caixeiro) saía acompanhada pela Silvina do Ferrador”.

Ruas e bairros

Moncorvo era então uma vila essencialmente rural e administrativa. Campos Monteiro, muito embora oriundo de Moncorvo, desde a infância que se dividia entre Douro e Minho, tendo na cidade do Porto os seus interesses sociais e culturais. Alguém o classifica como o “grande escritor do burgo portuense”. De qualquer modo, no crepúsculo da vida, Campos Monteiro espalha um olhar entre o distante e o nostálgico, num disfarce de ternura, sobre as suas origens. E, além das pessoas, recorda os sítios.
A Corredoura é vista por João Caramês dos calabouços da cadeia (traseiras do tribunal ou rua do Cabo?). Pelo olhar de Caramês:” “Ali em baixo, por detrás da capela de S. Sebastião, devia ser do Manuel Tenreiro. A outra, mais para a direita, do Miguel Mesquita e a que se divisava lá ao fundo, no extremo oeste da vila, se não fosse a da ermida de S. Paulo, era concerteza a do António Cabrela”.
Também a rua do Poço merece uma descrição pormenorizada de Campos Monteiro, interessante de comparar com o seu estado actual. “A rua do Poço era uma congosta estreita e soturna, com o pavimento sempre recoberto de palha e terra solta, onde o sol penetrava pouco porque não havia casas de andar. O pardieiro da rapariga tinha a vantagem de ser o último; e do pequeno terreiro que lhe servia de quintal descortinavam-se as ladeiras da Costinha, a exígua várzea do Vale das Latas, o maciço granítico, onde raras leiras verdejavam, da serra de além-Sabor”.
Aparecem ainda mencionados a rua do Quebra-Costas, o Val da Perdiz, a curva da Barbatona, o canavial, na esquina da casa do Arco o nicho da Nossa Senhora Mãe dos Homens, o Vale do Marmeleiro, a Fraga do Facho, os cerros do Larinho, a montanha dos Estevais, a serra de Sambade.

Expressões e regionalismos

Moncorvo sempre foi muito fértil em colocar alcunhas às pessoas e a sua veia crítica, por vezes sarcástica, e um linguajar muito próprio, a par de alguma prosápia domingueira, transformam aquela vila num microcosmos social e cultural que quase apetece estudar.
Dou aqui aos leitores algumas das expressões e termos mais comuns do linguajar de Moncorvo ainda não há muitos anos, quando não se temia a massificação e a uniformização linguística, por baixo, através da televisão e da mensagem audiovisual, cada vez mais simplificada, em nome da eficácia, mas alheada de referências.
Dizem os seus contemporâneos que Campos Monteiro tinha uma memória prodigiosa. Pode-se acrescentar que não sendo o linguajar das classes mais sacrificadas da vila a sua herança cultural, social e mesmo económica, Campos Monteiro soube captar no entanto toda a riqueza que se armazenava na linguagem e na sabedoria populares. Sem pretendermos ser exaustivos, alguns exemplos dos “Ares da minha Serra”: a taleiga da merenda; meu enxalmo, molanqueiro, bardino, benairo da esfrega, meu alma de cântaro; andar na gandaia; cortelho de recos; este meco (não em sentido pejorativo, como hoje); cada mocho p’ra o seu souto; terrincando os dentes; quando se via aganada; e regressava sem um gaipo; era capaz de as empontar; um fraca-chicha, um salamurdo que mal a gente lhe aparece acrucha logo o casaco; toda arreguichada; podes ir preparando a vèdalha ( a propósito do casamento); catixa! que chambego de café; lábia tem ele, o fistor; não faz minga, sr. João; p’ra espertar o apetite; tenho andado bem assafiado por via disso; acobardei-me, com um bocado de fajeco; não me salvo se a não gomito; com estes dois que a terra há-de gualdir; acogulou a burra; deitou aparvado pela rua fora; é hoje que despejo o canastro. E vim aqui num esfregante; qualquer dia, trape: lá vai um pobre diabo p’ra o Maneta; e nem farfalha, caladinho que nem um murganho; as ruas acoguladas de neve; o aloquete; até te podia dar um pleuriz; um tanto avelhentada; estomagado a pesar seu; na gorja; soprava um larinhato frígido; que me deitaram os gadanhos; introduziram a yale na fechadura.
E mais expressões e termos poderíamos ainda buscar em Campos Monteiro. Seria muito interessante um estudo linguístico, acompanhado de um estudo sobre a realidade social de Moncorvo e de alguns valores básicos que hoje se vão perdendo, como o valor de honra que enformam as novelas de Campos Monteiro, esta espécie de hino crepuscular à vila onde nasceu, que são as novelas dos “Ares da minha Serra”.

Rogério Rodrigues

Apontamentos bio-bibliográficos

Nascido a sete de Março de 1876, Abílio Adriano Campos Monteiro faleceu aos 57 anos de idade, a 4 de Dezembro de 1933, em S. Mamede de Infesta, nos arredores do Porto, onde casou e viveu a maior parte da sua vida.
A sua infância e adolescência foram passadas em Viana do Castelo, Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez.
A propósito deste período da vida de Campos Monteiro, recomenda-se a brochura de António Pimenta de Castro, limiano de origem, residente no Mogadouro e professor em Moncorvo, “A Fase Limiana de Campos Monteiro” (Torre de Moncorvo 2001).
Começa a escrever aos 15 anos no “Moncorvense”, mais tarde no “Jornal de Viana”, no “Pontos e Vírgulas” do Porto, no trissemanário vianense “A Vida Nova” e no “Aurora do Lima”, onde escreveu também Camilo Castelo Branco, de que Campos Monteiro era um discípulo.
Médico em 1902, antes da implantação da República foi administrador do concelho da Maia.
Católico e monárquico, “alto e magro, de feições rudes e vincadas” (Carlos de Passos), Campos Monteiro foi deputado em 1918, na câmara sidonista, “ no hemisfério da extrema-direita”, como recorda outro deputado da altura, Adelino Mendes.
Serviu como capitão-médico miliciano na reserva territorial, função de que seria demitido, por motivos políticos, já graduado em major, em 1919.
Escreveu 30 livros originais, 100 prefácios e colaborou em muitos diários e revistas.
Recolheu algum êxito editorial na altura. Os seus livros tiveram bastantes reedições e sabe-se que pelo menos três operetas suas, ainda que representadas, nunca chegaram a ser editadas: “O Segredo da Morgada”, representada no Teatro Carlos Alberto, no Porto, também em Lisboa, no Rio de Janeiro e em S. Paulo; “A Rainha da Lacónia”, representada no Teatro Sá da Bandeira no Porto (1910) e no Rio de Janeiro em 1912; “O Ramo de Perpétuas”, representado no Brasil.
Dirigiu ainda as revistas “Civilização” e “Argus”, ambas do Porto e foi um dos promotores da publicação “Maria Rita”, um semanário humorístico.
Polígrafo fecundo, cultivou com maior sucesso a crónica. Colaborou na “Época”, no “Primeiro de Janeiro” e no “Jornal de Notícias”, cujas crónicas editadas em livro, “A oito dias de visita”, tiveram na altura um assinável êxito de vendas.
O livro contudo que o tornou conhecido do grande público, num período conturbado da vida política portuguesa, foi “Saúde e Fraternidade” (1923), violenta sátira política às personalidades e governos republicanos. Em seis meses, tiraram-se sete edições. Em 1925, teve a décima, atingindo qualquer coisa como 30 mil exemplares vendidos. Em 1978, sob a chancela das Edições do Templo, com caricaturas de Amarelhe, acaba por sair outra edição baseada na sétima e décima edições.
Sobre este fenómeno escreveu Aquilino Ribeiro: “ Saúde e Fraternidade de Campos Monteiro foi, com as “Cartas de D. Carlos”, o livro que em Portugal alcançou maior êxito de livraria no primeiro quartel do século (...) Quando se fizer um estudo da literatura política destes tempos revoltosos encontrar-se-á este nome saudoso”.
Outras das suas obras tiveram algum sucesso na época, mantendo-se hoje praticamente ignoradas do público e da própria terra que o viu nascer. Sem a pretensão de sermos exaustivos, apenas a enumeração de alguns títulos mais conhecidos: “O crime de uma mulher honesta” (1913), “Versos fora de Moda” (1915), “Miss Esfinge” (1921), obra emblemática do autor, “Camilo Alcoforado” (1925), “As duas paixões de Sabino Arruda” (1929), “Ares da minha Serra” (1933) e, finalmente, o seu testamento poético, “Raio Verde, últimos versos” (1933).
Escreveu Campos Monteiro, como seu epitáfio político: “Sou monárquico e morrerei impenitente, se erro na preferência do regime (...) Com homens sérios é indiferente para o povo o governo monárquico ou o governo republicano”.
Como epitáfio poético, este dorido poema do “Raio Verde”:

Não mais, lira, não mais! Emudecida
vais imergir no plácido letargo
do perpétuo abandono;
não porque tenha “a voz enrouquecida”,
mas porque sinto perto o rio largo
“do negro esquecimento e eterno sono”.


Dorme. Descansa. Terminou a lide.
Tal como o alfanje de Harun-Al-Raschid,
ganhaste jus a repousar também.
Se era débil a mão que te tangia,
foi sempre nobre o impulso que a movia:
“serviste mal, mas só serviste o Bem”!

P. S. Parte dos elementos aqui coligidos, foram estudados e recolhidos no livro “Homenagem a Campos Monteiro”, editado em 1943 pela Livraria Tavares Martins do Porto. O seu a seu dono.

Rogério Rodrigues.

Ares da Minha Serra

A última edição (1995) de Ares da Minha Serra, porventura a obra mais conhecida de Campos Monteiro, é da responsabilidade da Câmara Municipal de Moncorvo, com uma tiragem de mil exemplares.
O livro consta de duas histórias e um apontamento, quase jornalístico, de uma viagem de barco rabelo, do Rego da Barca até ao Tua, onde se apanhava o comboio para o Porto.
A primeira história, “A tragédia de um coração simples”, bem ao ritmo camiliano, em escrita eivada de regionalismos, Campos Monteiro conta a história de um jovem moncorvense, João Caramês, cortador de lenha na serra do Roboredo e que se perdeu de amores – e pelos amores se deixou perder—por Madalena Caixeiro, sua vizinha. Tinham sido criados praticamente juntos, como irmãos.
Mas a Madalena caiu nas graças do fidalgote Tomazinho Montenegro que a seduziu.
O Bento Armoges, “um unhas de fome”, como escreve o autor, é o usurário da vila. Tem uma pequena zanga com João Caramês, durante a pisa da uva.
Nessa noite, o Bento Armoges aparece morto. São deitadas as culpas a João Caramês que é preso. Mas Canafrecha ( uma das personagens mais conseguidas da novela), um pobre diabo, sem eira nem beira, sabe quem matou o Bento Armoges. Fora o Tomazinho Montenegro.
Madalena Caixeiro diz ao João Caramês que está grávida de Tomazinho Montenegro.
João Caramês foge da cadeia por uma escassas horas, vai ter com Tomazinho Montenegro e conta-lhe que sabe quem matou o usurário. Tomazinho confessa e garante que se vai entregar no dia seguinte. João Caramês, porém, diz-lhe que se confessará culpado do homicídio, com uma condição: que case com Madalena Caixeiro. E antes do julgamento. E assim é feito.
O advogado acha que não há provas contra o João Caramês. A própria população acredita na sua inocência. Mas João Caramês não falta à palavra, considera-se culpado e é degredado para as Áfricas.

Amores alentejanos
A segunda história, “A Rebofa” ( as cheias da Vilariça), é ainda mais trágica. Trata-se de uma história de ódios velhos que não cansam entre dois abastados lavradores que, desde pequenos, tinham vivido como irmãos, até que, um pouco à aventura mais do que por necessidade, partiram para as ceifas do Alentejo. Aí, ambos se apaixonaram pela mesma mulher, também ela abastada, mas que só um amava. O ciúme destruiu os dois. E destruia-a a ela que, escorraçada pelo pai, começou a andar de terra em terra, em trabalhos do campo.
Eles regressaram a Moncorvo e puseram muros entre as casas contíguas, para que nunca se vissem um ao outro. Tornaram-se mesmo rivais na política. E nasceram-lhe um filho e uma filha que acabaram por se apaixonar, e casar com a sua maldição e viver na miséria até que, desesperados, se suicidaram na “rebofa”, deixando uma criança aos cuidados da caseira da Quinta do Chibos.
Quando souberam da tragédia, os dois velhos inimigos encontraram-se, pela primeira vez, diante do berço do neto. E abraçaram-se, com a caseira na penumbra vertida em lágrimas.
Diga-se que a caseira, que não fora reconhecida, era o antigo amor alentejano dos dois velhos.

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