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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Jornalista dá volta a Portugal (a pé!) e passa por Moncorvo


PORTUGAL A PÉ (PORTUGAL ON FOOT)


O jornalista Nuno Ferreira (ex-"Expresso", ex-"Público"), iniciou em final de Fevereiro, em Sagres, uma travessia de Portugal a pé. Entretanto iniciou um blogue que inclui alguns vídeos e crónicas desta viagem (ainda em curso), bem como várias crónicas que escreveu e foram publicadas na revista "Única". O seu "diário de viagem" pode ver-se no seguinte endereço:


http://networkedblogs.com/p26542669


Daí retirámos este apontamento sobre o Sr. António Poço, comerciante e artesão nas horas vagas, autor de belos trabalhos em madeira expostos na sua loja, sita na rua Manuel Seixas:

«Quando o comerciante, ex-lavrador, ex-operário fabril e artesão António "Farinhas", aliás António Poço, 75 anos, chegou a Torre de Moncorvo vindo de Vale da Madre, Mogadouro, na vila existiam muitos pobres e meia dúzia de proprietários rurais. "Vim em 1961 para trabalhar no depósito de farinhas das Moagens de Bragança. Em relação a Mogadouro, Moncorvo era uma cidade autêntica. Havia meia dúzia de ricos, donos das quintas. Os pobres emigraram. Os pobres enriqueceram, compraram prédios, os ricos ficaram na mesma. Agora, até os que emigraram estão mais pobres porque querem vender os prédios e não conseguem".
António, que vende artesanato juntamente com frutas e legumes junto da Igreja, nunca emigrou mas viu muitos "compadres" partirem para a França. "Agora andam cá e lá, têm lá os filhos, vão e vêm nessas carrinhas que os levam até lá. As estradas são boas".
As mãos de António, essas, nunca pararam. Primeiro no campo, em Mogadouro, depois na moagem, mais tarde no artesanato, até hoje. "Esses carros com os bois que faço em madeira são a cópia dos carros com que trabalhava em Mogadouro. A careja e o feno eram levados em molhes nesses aí. Nos carros dos cestos ía já o pão..."» - PUBLICADA POR NUNO FERREIRA EM 7:00H, QUARTA-FEIRA, 3.02.2010

Neste mesmo blogue pode ainda encontrar outros aspectos interessantes sobre a nossa terra (fotos e notas escritas), sobre a nossa terra.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ainda sobre Violante Gomes, a Pelicana - algumas achegas

Em primeiro lugar queremos saudar a inicativa da Drª. Júlia de Barros G. Ribeiro em trazer à luz, aqui no blogue, a problemática de Violante Gomes, a "Pelicana", no que toca à sua relação com a nossa vila. Este é, também, um assunto que há muito nos interessa, sem que, todavia, o tenhamos conseguido dilucidar e com dúvidas sobre se, algum dia, se possa esclarecer em absoluto. Na verdade, o único argumento com alguma base de sustentação para se relacionar a Pelicana com Moncorvo é a tradição popular. E, neste particular, há dois grandes argumentos:

1º. – a passagem do Pe. António Carvalho da Costa, in “Corografia Portugueza”, vol. I, Livro II, Tratado I, Lisboa, 1706 (páginas 424 e 425), em que se diz claramente: “He tradiçam bem fundada, que foy natural desta Villa a mãy do Senhor D. Antonio, Infante, que seis mezes se vio coroado Rei de Portugal; ainda de presente se apontão as casas em que nasceo, e se conhecem pessoas, que lhe são conjuntas em sangue”. Carvalho da Costa, homem ilustrado, astrónomo, com preocupação de certo rigor científico, é tido como um autor probo, que não inventa histórias. Assim, recolheu a informação (certamente por inquéritos enviados aos párocos das localidades, ou junto dos senados dos concelhos) e publicou-a tal como lha enviaram. Tendo este autor nascido em 1650 e falecido em 1715, a maior parte das informações para a “Corografia” devem ter sido obtidas ainda no séc. XVII, possivelmente nos finais desse século. Ora o séc. XVII não estava ainda muito distante da verdade dos factos (as vidas de Violante Gomes e D. António percorrem o séc. XVI, tendo este falecido em 1595) sendo difícil de aceitar que alguém, localmente, inventasse a “estória” para prestigiar a terra, invocando ainda parentes de sangue da Pelicana (e por consequência de D. António) se não houvesse nada que o justificasse. A menos que haja fantasistas em todos os tempos, e se tenha dado com a Pelicana algo semelhante com o que se passa com a ascendência (também moncorvense) do escritor argentino Jorge Luís Borges. Mas, a ser assim, Carvalho da Costa, se tivesse como segura outra localidade alternativa mais credível para o berço da Pelicana, decerto que o diria, ou descartaria esta informação;

2º. Ainda com base em Carvalho da Costa, diz-se que “ainda de presente apontam as casas em que nasceu” [Violante Gomes]. Ora as tradições populares em sociedades em grande medida àgrafas tende a perdurar no tempo. As casas que então apontavam (nos finais do século XVII) só podiam ser as mesmas (passaria a ser uma só, mas decerto ligando duas casas contíguas) que se apontavam no início do século XX, ou seja, em 1908, quando na revista “Illustração trasmontana” (depois compilada num volume, mas em artigo correspondente a 1908) se dá uma foto com a legenda: “Moncorvo – casa onde viveu a Plicana[sic], mãe de D. António Prior do Crato”). Daqui se prova que a tradição não assentava no vazio: tinha/tem um suporte físico, material.

Mais uma achega: quando dei aulas em Moncorvo, há já um bom par de anos, lembro-me de ter um aluno de apelido “Pelicano”. Posteriormente conheci uma moça do mesmo apelido (é a mesma pessoa que consta na lista telefónica de Torre de Moncorvo). Perguntei-lhe se tinha alguma coisa a ver com a famosa Pelicana e ter-me-á dito que sim, mas não é credível que memórias familiares (sem pergaminhos a comprová-lo) tenham perdurado tanto no tempo. No entanto, avento uma outra hipótese: “Pelicano” não teria nada a ver com a ave, que aqui não há, nem tão-pouco em Évora ou Covilhã, ou mesmo em Portugal (a não ser no Zoo), mas teria a ver com uma outra coisa, ou seja, pode derivar de “peles” ou “pelicas”. Assim, “pelicano” seria alcunha dada àqueles que trabalhavam com peles, a quem também chamavam “Peliqueiros”. Ora isto de peles, é actividade caracteristicamente judaica. E onde fica a actual rua do Prior do Crato (antiga rua de Trás)? – à boca da rua dos… Sapateiros!!! Aqui está outra actividade ligada a judeus (basta lembrar o famoso Bandarra de Trancoso).

É nossa convicção (desde há muitos anos) que a “judiaria” de Torre de Moncorvo andaria extra-muros, no arrabalde, nas imediações da praça F. Meireles. Com a conversão forçada, os cristãos-novos aí continuariam e, ao alargar-se o casario em redor (e no encosto da muralha medieval da vila, ao longo do séc. XVI-XVII), o “locus” preferencial desses “cristãos-novos” esticar-se-ia ao longo da rua dos Sapateiros (facto que as transcrições que recentemente se têm feito de fontes inquisitoriais tem vindo a comprovar). Assim sendo, é preciso muita pontaria para alguém se lembrar de “inventar” uma casa para a Pelicana, em Torre de Moncorvo, num local onde seria de esperar, na convicção de que a senhora seria, de facto, de origens judaicas, o que terá pesado não pouco nas pretensões de D. António, sobretudo num quadro de Contra-Reforma, tridentino, inquisitorial, face a uma Espanha católica (Filipe era designado por "S. Majestade Católica") e anti-judaica.

É, assim, uma hipótese sedutora e cheia de romantismo essa da Pelicana ser uma cristã-nova natural (ou com ligações a) de Torre de Moncorvo. Isso não exclui ligações a Évora ou à Covilhã já que a gente da nação circulava muitíssimo (eram andarilhos por natureza, pelos seus negócios, e também por razões óbvias) – diríamos que tomavam o eixo do actual “IP-2”, num tempo em que a fronteira tinha uma grande vitalidade económica (rede de castelos), fortemente segurada pela “gente da nação” (lembremos Belmonte, Trancoso, Guarda…).

Estamos em crer que nunca se encontrarão documentos que esclareçam de vez o problema, pois a terem existido, teria sido de todo o interesse, por parte de muitos (até a nível local), a sua destruição/apagamento, nesses conturbados tempos que precederam o reinado filipino e mesmo depois. Ou então desapareceram mesmo na voragem do tempo. Ficou a Lenda, como sempre acontece nestes casos. No entanto, esta é uma lenda/tradição que nos interessa a nós, moncorvenses, acalentar. Até porque nos liga remotamente a um Resistente, a um homem que teve a ousadia de defrontar o soberano mais poderoso do mundo do seu tempo: uma formiga contra um elefante!

E a melhor forma de acalentarmos esta poética tradição é conservando a casa que, na ancestral versão popular, se diz ter sido de Violante Gomes e sua família. A nosso ver dever-se-ia picar-lhe o reboco, restituindo-lhe o aspecto que tinha no início do séc. XX. Ou então, substituindo o reboco de cimento e tinta azul por uma massa pobre caiada.E,inevitavelmente dever-se-ia colocar uma placa informativa na fachada, aludindo à tradição da Pelicana. Mais: a dita casa deveria ser classificada como Imóvel de Interesse Municipal ou Concelhio. E, já agora, a travessa da Farmácia Martins, em vez de travessa Prior do Crato, poderia ser travessa de Violante Gomes, a Pelicana. Mãe e filho assim associados e associados a Moncorvo, fosse a dita senhora nossa conterrânea ou não (mas nós queremos que seja)! - Tal como sete cidades gregas disputaram a naturalidade de Homero e outras tantas disputam ainda, em Portugal, a de Camões.

por: N.Campos

Fotos (de cima para baixo):

1 - frontespício da obra do Padre A. Carvalho da Costa, Corografia Portugueza (1708-1712)

2 - foto retirada de Ilustração transmontana, 1908.

3 - rua Prior do Crato, em Torre de Moncorvo (foto de N. Campos)

4 - casa que a tradição assinala como tendo pertencido à Pelicana (foto N.Campos)

5 - placa toponímica da R. Prior do Crato (foto N.Campos)

6 - idem, da travessa Prior do Crato, que poderia ser de Violante Gomes, a Pelicana (foto N.Campos)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Violante Gomes, a "Pelicana" - V (conclusão)

[Continuação do post de 12.01.2010]

Para tentar atar todas estas pontas ou, pelo menos, algumas delas, haverá que responder a algumas perguntas:

Quem foi a mãe de Violante Gomes? Não há mais do que um leve indício, ainda que os intervenientes em Geneall–Forum, insistam neste ponto: Marta de Évora, filha de D. Diogo, Duque de Viseu, seria a mãe de Violante Gomes. Todavia, ao lado de opiniões equilibradas, ponderando documentos, indícios, sinais, acontecimentos históricos, penso que surgem neste debate ideias peregrinas que, por vezes, quase atingem as raias do delírio.

Onde nasceu? Três terras se reclamam de ser seu berço:

> Torre de Moncorvo, hipótese sustentada por Vilhena Barbosa e por Pinho Leal, citados pelo Abade de Baçal, e pela tradição da vila, onde é voz corrente que aqui nasceu a “bela Pelicana” e nos é apontada a casa em que terá nascido. Também na ficha biográfica de Violante Gomes que se encontra em Geneall (Web), aparece Torre de Moncorvo como o lugar do seu nascimento.

A breve nota sobre Violante que Pinho Leal nos apresenta no seu “Portugal Antigo e Moderno” é demasiado vaga para poder ser considerada como prova histórica. Mas, se à luz da História está longe de poder ser aceite como prova, vem, no entanto, corroborar a tradição.

O PARM (Património Arqueológico da Região de Moncorvo) e o site sobre Moncorvo fazem-se eco destes informes.

Há, também, uma interessante versão romanceada num artigo do jornal "Terra Quente", que segue a tradição e acompanha o artigo uma fotografia da casa onde terá nascido a Pelicana.
Quanto às minhas pesquisas, lamento dizer que apenas encontrei uma Violante Gomes ligada a Moncorvo pelo casamento de uma filha com Francisco de Arosa Pinto, desta vila. Outros Arosas Pinto de Moncorvo surgem nessas páginas. Nada têm a ver com Violante Gomes, a Pelicana. A obra em causa intitula-se “Pedatura Lusitana”.
Todavia, a História diz-nos que D. Manuel I, apaixonado pela viúva do Príncipe D.Afonso, D. Isabel, filha dos Reis Católicos, decidiu casar com ela. Para comprazer os sogros, mandou expulsar os judeus e confiscar-lhes os bens, investigar , prender e torturar cristãos-novos que, às escondidas , continuariam a praticar os seus ritos religiosas, e queimar os relapsos. Por isso, julgo que não poderá excluir-se a hipótese, bem plausível, de que precisamente devido a essa vasga de perseguições, Marta de Évora e seu marido Pedro Gomes, tenham procurado refúgio junto de parentes ou amigos, no norte do país, e por que não, em Moncorvo? Aqui terá nascido Violante Gomes.

> Évora, é a terra onde vive seu pai, Pedro ou Pero Gomes, e onde, sua suposta mãe, Marta de Évora, terá sido criada por D. Briolanja Henriques, filha de D. Fernando Henriques, 2º senhor das Alcóçovas e de Branca de Melo, senhora de Barbacena, casada com Aires de Miranda, alcaide-mor de Vila Viçosa. O Infante D. Luis era Duque de Beja e muito se alongava pelo Alentejo, até porque a corte também pousava com frequência por terras de Montemor, Évora, Beja...
Por outro lado, parece que toda a família de Violante era de Évora e/ou vivia em Évora. (Violante Gomes teria uma irmã, Clara Gomes, e sobrinhos, entre os quais Frei Diogo Carlos, teólogo e orador, que acompanhou o primo D. António no exílio e, em Paris, lhe redigiu o testamento).
Esta hipótese, historicamente, até pode ser convincente. Mas, obviamente, não é a única.

> Covilhã, ao que tudo indica, fundamenta a sua pretensão no facto de D. Luís ser senhor da Covilhã, como era senhor de Moura, Serpa , Seia e Marvão. Não parece, pois, ser essa base suficientemente forte para apoiar a sua pretensão.

Seria Violante Gomes judia, cristã-nova, cristã-velha, cristã? É tão difícil responder com certezas a esta pergunta como às anteriores. Não podemos perder de vista que todos os documentos referentes a D. Luiz, incluindo o original do próprio testamento, desaparecido da Torre do Tombo, (V. Veríssimo Serrão, op. cit. p.LIV), bem como os respeitantes ao filho D. António e, naturalmente, os que mencionassem Violante Gomes, desde que o seu teor fosse contrário aos interesses de Filipe de Espanha, foram todos bem rebuscados e destruidos, como nos diz este historiador. Transcreve cartas e partes delas entre Cristóvão de Moura e Filipe de Espanha que provam a busca (até o roubo) e a destruição sistemática dos documentos que não favoreciam o rei espanhol. De igual maneira procedeu o cardeal-rei reduzindo a cinzas tudo o que favorecesse o sobrinho António, a quem votava um ódio de morte. Este ponto: espionagem, roubo e destruição de documentos é, não só de grande importância para a História, como também para a ficção, pelo mistério envolvente e de que o leitor sente fortemente o apelo.
Teria Violante Gomes casado, de facto e canonicamente, com o Infante D. Luís, ou isso não terá passado de uma tentativa de logro por parte do Prior do Crato para fazer valer a sua candidatura ao trono como filho legítimo, como admitem alguns historiadores e estudiosos da nossa História, incluindo o probo Alexandre Herculano?
Ou o casamento, a ter existido um casamento, tal acto não passou de uma farsa, como quer Camilo? Sofreu a ludibriada Violante realmente a terrível humilhação de saber que o seu “marido”, falso como Judas, a enredara numa mentira medonha durante dez anos?
Ou a bela Pelicana foi, por sua vontade, a apaixonada amante do seu Príncipe?
O que levou Violante Gomes a separar-se de D. Luis e, antes dos 30 anos, enterrar-se num convento?
Também aqui, pela falta de documentos, é impossível dar respostas definitivas, sejam elas afirmativas ou negativas, embora cada um de nós tenha já, porventura, posto de lado algumas conjecturas e guardado outras no bolso, porque pendendo para um lado ou para outro, todos formamos os nossos juízos. E tudo leva a crer que a personagem, Violante Gomes, será capaz de atrair sentimentos profundos.
Então o que nos resta sobre a bela Pelicana?
Penso que, para a História, a não aparecerem documentos que comprovem estas ou aquelas hipóteses, resta pouquíssimo. Tudo o que sabemos com certeza, caberá em um ou dois curtos parágrafos.
E o que resta para a Literatura?
Aqui o caso muda de figura. Um escritor, romancista, homem de teatro, poeta, pegando na situação, que é riquíssima, com a sua liberdade de ficcionar episódios e criar diálogos em volta de alguns núcleos de accção reais e verdadeiramente dramáticos, terá certamente abundante material para nos dar uma visão não muito distante nem muito desfocada do que terá sido a vida da “fermosa Pelicana”, no enlevo do seu grande amor, nos seus sonhos, alegrias e ilusões e depois, jovem mulher mirrando na solidão de uma cela, atada no nó da sua amargura, procurando abafar o grito rouco da desilusão.

BIBLIOGRAFIA

A - HISTÓRIA:

Alves, Francisco Manuel, Abade de Baçal , “Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança – Os Notáveis “ , Tomo VII, pp. 208-212, Edição da Câmara Municipal de Bragança/ Instituto Português dos Museus - Museu do Abade de Baçal - Bragança, 2000.

António de Portugal Faria (Visconde de Faria, “D. António, Prieur de Crato, XVIII Roi de Portugal et sa descendence”, 1917, pp.5-7.

Carlos Jokubauskas , As jornadas de um bastardo: guerras antoninas pela coroa portuguesa (1580-1589), in Anais do XVIII Encontro regional de História – O historiador e o seu tempo, Univ. de S. Paulo/Assis, 24 a 28 de Julho de 2006 , cd-rom.

Garcia de Resende, Vida e Feitos de El-Rey Dom João II, Texto da edição crítica por Evelina Verdelho, CELGA, Fac.Letras, Univ. de Coimbra, 2007.

Marques, João Francisco, “Frei Miguel dos Santos e a luta contra a União Dinástica” - “O Contexto do Falso D. Sebastião de Madrigal”, in Revista da Fac. de Letras do Porto, ed. online, s/d, http://ler,letras,up,pt,/ficheiros/2084, pdf., pp.331-384, notas 102 e 106.

Moraes, Cristóvão Alão de , “Pedatura Lusitana”, in Nobiliário de Famílias de Portugal, Tomo V, Vol.IIl , Livraria Fernando Machado, Porto, s/d , ed. online, pp. 31-32.

Leal, Pinho, “Portugal Antigo e Moderno”, in Portugal Antigo e Moderno, vol. V, Manuel Amaral (coord.), ed. online, 2000-2009, 1875, pp. 381-390.

Serrão, Joaquim Veríssimo, O Reinado de D. António, Prior do Crato (Tese de Doutoramento), Coimbra, 1956, pp. XV-LXVII.

Serrão, Joaquim Veríssimo, “O Século de Ouro (1495-1580)”, in História de Portugal, vol. III, Verbo, Lisboa, 1978.

Sites de: Covilhã, Évora e Moncorvo

PARM: “Torre de Moncorvo – a Tradição e a Casa da Pelicana”, 20 de Março de 2008

WEB: GENEALL (Famílias e Costados)

GENEALL-FORUM (Debate sobre a legitimidade de D. António, Prior do Crato )


B - LITERATURA:

As obras registadas no corpo do texto e:

Cândido, António, Noções de Análise histórico-literária, Associação Literária Humanista, São Paulo, 2005.

Cardoso, Patrícia, “Um Rei não morre – Poder e justiça em duas tragédias portuguesas”, in Revista Letras, Curitiba, nº 68, Jan/Abr, 2006, pp. 101-114.

Menegaz, Ronaldo, “O Indesejado”, de Jorge de Sena: “O rei que foi apenas um homem” in, Revista Semear, nº 6, Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses, Rio de Janeiro, Março, 2006

Entrevista a Urbano Tavares Rodrigues, feita por Ricardo Paulouro e António Melo, in A.23 online,
n º 4, 01.06.2009, Associação Cultural da Guarda, Guarda, pp. 32-33.

Por: DRª. JÚLIA DE BARROS GUARDA RIBEIRO

Fim.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Violante Gomes, a "Pelicana" - IV

[Continuação do post de 12.01.2010]

Abordaremos, agora, o romance histórico Lago Azul de Fernando Campos. Gostaria de dizer uma palavra a propósito do título. Poderá haver quem pense tratar-se de uma novela leve, um romance cor-de-rosa. Nada mais longe da verdade. A referência é ao Lago Lehman, junto do qual viveram D. Manuel de Portugal, filho de D. António, Prior do Crato, e sua mulher Emília de Nassau e Orange, filha de Guilherme de Orange.
Casamento de amor que, depois de 10 anos e oito filhos, acabou em turbulenta separação.
Dentre as obras que seleccionámos é a que mais longamente se refere à Pelicana e que dela nos dá um retrato atraente, cheio de graça.
O narrador omnisciente é o vento que nos fala da morte, omnipresente e omnipotente:
“Tão formoso! Loiro, bom parecer, prazenteiro com todos, até com o sapateiro Simões Gomes que gosta de deitar as sinas dos futuros, galante com as damas e no vestir... Tanto projecto matrimonial falhado! Mas consta que se casou a furto com a formosa e jovem Violante Gomes. Paixão ardente. Ela, porém, honesta, só consentiu amores após o casamento.
- Sois mancebo viçoso e florescente, meu senhor – passeavam os dois namorados à tardinha, pelo recolher das aves ao gasalhado da folhagem. -
- Fico muito honrada com a vossa afeição, mas...
- Mas! – interrompia, desolado o infante D. Luis a sua amada
- ...mas esperam-vos, eu sei, toda a gente fala, casamentos com princesas, com infantas. Quem sou eu para me entremeter nos assuntos da vontade de el-rei nosso senhor?
- Minha princesa sois vós, Violante. Outra não quero... […] Sois de tal jeito insensível? Deixais-me para aqui como as ondas a bater em penedo na Serra da Arrábida? […]
- Donzela virtuosa e honesta minha mãe me ensina não dever dar ouvidos a galanteios de príncipes. Insensível não sou e com ternura meu coração recebe as vossas mostras de afecto, justas galantes, músicas, motes e cantigas em meu louvor, que não mereço...
-Mereceis isso e muito mais.
- ... porém, virtude e honestidade me obrigam. Cumpre-me obedecer- lhes.
- ... discrição e graça que mais vos eleva a meus olhos. [...] Casaríeis comigo?
- Oh! Meu senhor!
- Casaríeis?
- El-rei não consentiria.
- Casaríeis?
- E a princesa Maria de Inglaterra?..... E a princesa Cristina da Dinamarca?
E a princesa Edviges da Polónia?
- Não, não! – balbuciava o jovem infante.
- [...] Grandes e importantes são os negócios de matrimónios entre as famílias reais da Europa...
- A todas rejeito – segurava-lhe Luis as mãos, decidido, caloroso. – Casaremos a furto.
- Não sei. Tenho medo...
- El-rei, meu irmão, de nada saberá. [...]
- [...] Que dirão as pessoas? Vão maldizer-me, amaldiçoar-me... Já me chamam Pelicana...
- ...porque sois formosa...Não temais. Estareis sob a minha protecção.
Nove anos viveram casados Luis e Violante. [Mas ela] compreendeu que o príncipe pertencia mais à república que a ela e nem sequer era senhora do filho, [...] entregue a colégios de frades. Tomou então a resolução de se sacrificar para os não prejudicar...e recolheu-se a sepultar a virtude no convento de Vairão (pp.21-22)

Após esta longa citação, creio que o leitor terá construído um retrato, talvez aproximado do real, talvez beneficiado, de Violante Gomes. Por isso, poupo-me a quaisquer considerações.


Resta-nos a novela de Urbano Tavares Rodrigues: Os Cadernos Secretos do Prior do Crato.
Numa entrevista dada pelo escritor a Ricardo Paulouro e António Melo, em 1.06.2009, Urbano Tavares Rodrigues diz que esta sua obra é um livro da procura da serenidade, através da angústia e através do remorso, da perplexidade e da luta. Considera ainda que “ O Prior do Crato é um herói de causas perdidas. (Revista A23 online, Associação Cultural, Guarda).
E que nos traz, de novo, de Violante Gomes, mãe do Prior do Crato? De novo, propriamente, nada. Coloca na boca de D. António cerca de duas dúzias de palavras de conveniência: “Correm calúnias sobre minha mãe, Violante Gomes, senhora da pequena nobreza, com quem meu pai fez um casamento secreto. Dizem-na agora cristã-nova, de origem judaica. Nada tenho contra os judeus, mas é redondamente mentira”. (p.35)
Teremos em conta que, nesta altura, o escritor nos apresenta D. António exilado em Paris, velho, doente, cansado e pobre. Daí, os seus pensamentos de homem exausto e rei vencido, aquela saudade característica dos velhos e quiçá alguns remorsos:
“(...) minha mãe, a quem chamavam na mocidade "a bela pelicana´. Lembro-me vivamente dela, mas deixámos muito cedo de conviver quando, com o consentimento de meu pai, ela recolheu ao mosteiro de Almoster. Os recados que algumas vezes me mandou eram sempre descoroçoantes, a aconselhar-me reserva, moderação, abandono da luta. Não obstante, sinto ainda correr por mim um fio de amor quando alguém ma lembra ou ela vem ter comigo em sonhos.” (p.71)
É a primeira vez que Violante Gomes nos é apresentada no seu papel de mãe, aconselhando o seu filho único que, bem cedo, havia sido afastado dela.

por: JÚLIA DE BARROS GUARDA RIBEIRO

(Continua)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Violante Gomes, a "Pelicana" - III

[Continuação do post de 11.01.2010]

Vejamos agora a obra Príncipes de Portugal, Suas Grandezas e Misérias, de Aquilino Ribeiro.
(Na sua nota de advertência ao leitor, os editores informam que o critério de Aquilino Ribeiro foi o do romancista: interessou-lhe tudo o que não é comum).
Revisitado o seu ensaio : António I, Rei Efémero, verifica-se de imediato que Mestre Aquilino não foi nada meigo para com os progenitores do Prior do Crato. Logo de entrada e sem mais delongas, mimoseia D. Luís com os epítetos de:
“(…) medíocre de entendimento, sagaz no viver, piedoso mas com boa dose de hipocrisia, acrescentando:
“(...) ele é o perfeito filho segundo de monarcas, tipo acabado de parasita nacional”.
É com fina ironia que remata , dizendo o que dele ficou para a História :
“(...) era pessoa de muito saber, amador de música (...)” e pouco mais.
Sobre Violante Gomes não é muito mais brando. No entanto, na voz de Aquilino perpassa um certo tom de pesar pelo que o destino reservou à bela e infeliz Pelicana: “(...) uma Violante Gomes, judia bonita e salerosa, alcunhada no bairro de Pelicana e ainda de Pandeireta, que [D.Luis] fez claustrar no Convento de Santa Maria de Almoster, quando se saciou dela e para atalhar ao engulho dos reais parentes que não podiam levar à paciência ter-se metido com uma criatura tão baixa e para mais rescendendo todos os ranços da Sinagoga”.

Quanto à tragédia, O Indesejado (António, Rei) de Jorge de Sena, obra grande no cenário da Literatura Portuguesa, buscaremos as palavras que o autor escreveu no Pós-Fácio: Esta peça é uma tragédia, uma tragédia histórica. Uma tragédia em verso. (…) Sendo a tragédia a representação simbólica de uma crise dialética … (p.153)
Qual a crise dialética nesta tragédia? Os gregos chamavam hamartia à culpa que o herói carregava sobre si, mas que herdara dos antepassados. D. António é o filho bastardo, o filho de D. Luis, sim, mas também o filho da Pelicana, da Pandeireta. Ele é, pois, o bode expiatório do pecado dos pais. É o próprio Jorge de Sena quem nos diz:
O Prior do Crato sofre as consequências de seu nascimento, da legitimidade duvidosa de sua pretensão. (p.154)
A explicação surge logo no 1.º Acto, em diálogo entre D. António e o Bispo da Guarda, seu fiel seguidor:
D. António: (...) E eu sou um homem. Que sou mais que um homem?
Que uma ambição lutando contra tudo (…).
Bispo : (...) Se tivéssemos
Com que comprar todas as memórias,
todos se lembrariam de nós.
Perdão, senhor, de vós, do vosso nome.
D. António: Qual? O que minha mãe não me concede?
E tantos me contestam?
Bispo: Esse ou outro.
Ninguém, senão a Igreja nos baptiza.
O resto: alcunhas, quando não são títulos.
D. António: Alcunhas (... ) “Pelicana” ( ...) ” Pandeireta” (...)
Bispo : Nomes de vossa mãe (... )Deixai que falem!
Judeu, bastardo – tudo vos chamaram. (pp.23-24)
D. António, o bastardo, o não legitimado, sente que tem de salvar o seu povo. É essa a sua missão. Mas é, ao mesmo tempo, um homem indeciso, inseguro.
D. António: (...) E sou tão frágil eu, nesta aventura.
Que só por ambição ainda flutuo ... (p.24)

Olhando para o Homem que carrega, qual cruz, a culpa legada por seus pais e que se move entre a ambição e a fragilidade, sentimos que é aí que reside o trágico. Portanto, o fado, a moira terá de cumprir-se: derrotado, não será rei.
Muito, muito mais há a dizer sobre esta obra imensa, mas que não cabe no objectivo nem no âmbito deste pequeno escrito.

Temos agora na nossa frente a peça de teatro de Jaime Gralheiro, A Longa Marcha para o Esquecimento.
À minha pergunta se classificaria a Longa Marcha como farsa ou como tragi-comédia, o autor respondeu-me sem hesitar: tragi-farsa.
E porque introduzi esta tragi-farsa, justamente a seguir à tragédia de Sena?
A obra foi escrita a propósito de grandes homens que deixaram obra notável e hoje estão totalmente esquecidos. Para concretizar este objectivo, o autor lançou mão da crise dinástica de 1580, com os seus traidores, os vira-casacas do tempo, o seu herói, D. António, e a sua ascendência, particularmente sua mãe.
O autor considera que a nobreza atribuiu tão pouca importância à mãe do Prior do Crato que produz o seguinte diálogo entre um nobre – que nem sabe ao certo o nome da mãe de D. António - um mercador e um clérigo, ou seja, os representantes das três classes sociais. As franjas, isto é, a plebe também está em cena, mas não dialoga. Escuta e dá vivas:
Real! Real! Por D. António, rei de Portugal! (p.4)
Nobre: Bom! D. António, Prior do Crato, é filho do Infante D. Luis, irmão do sr. Rei D. João III, que Deus guarde, e de uma tal Guiomar...
Clérigo: Filho do pecado!...
Mercador: Eu diria... filho do amor...
Nobre: Não! Não! Filho do pecado... Diz bem o Sr. Padre Francisco: filho do pecado.
Mercador: Pronto! Fica filho do pecado. E depois?...
Nobre: Como filho ilegítimo que é, está impedido de ser rei de Portugal...
Mercador: Ah! Quer dizer: os filhos da puta não têm lugar neste país . (pp.5-6)
Depois de o Nobre e o Clérigo se terem escandalizado com tal linguagem, ao que o mercador responde: “É a linguagem da gente da minha terra” (p.6) continua perguntando aquilo que realmente lhe interessa: se o Prior do Crato tem dinheiro para aguentar o comércio das Indias, para a guerra contra Filipe II, para a crise em que o país está ... Todos se calam, mesmo os que aclamavam D. António como rei. Chega então Cristóvão de Moura que distribui moedas de ouro às mancheias a toda a gente e logo o grito de todos passa a ser:
Real! Real! Por D. Filipe, rei de Portugal! (p.20)

Talvez o leitor se pergunte se esta peça tem lugar neste trabalho, ou se terá sido trazida aqui para chocar pela linguagem. Primeiro, esta linguagem hoje não choca ninguém. Segundo, que querem dizer sábios historiadores e doutos investigadores ao apodarem Violante Gomes de “concubina, amante, mulher ignóbil, criatura baixa, mulher de vida incerta”? Nem mais nem menos do que aquilo que Jaime Gralheiro pôs na boca do mercador.
Por outro lado, Gralheiro escreveu a Longa Marcha mantendo um pé na crise de 1580 e o outro na crise (ou na sequência de crises) que o país vem atravessando. Relembremos ainda que na crise de 1383-85, D. João I, apesar de filho ilegítimo de D. Pedro I, fora eleito rei de Portugal. A questão da legitimidade nunca então foi posta, nem houve aproveitamento da origem social da mãe para a cobrir de insultos e, por essa via, denegrir o futuro rei. Contudo, se o caso era rigorosamente paralelo, em termos pessoais, ao de D. António, era muito diferente em termos conjunturais.

Por: JÚLIA DE BARROS GUARDA RIBEIRO
[continua]

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Violante Gomes, a "Pelicana" - II

[continuação do post de 2010.01.09]

> Retrato de D. António, prior do Crato, filho de Violante Gomes, numa gravura posterior que o apresenta como D. António I, rei de Portugal e dos Algarves.



Quanto ao Quadro Histórico (1601-1660) que nos é apresentado por Camilo ( já D. António havia morrido em 1595, no exílio em Paris, na mais triste pobreza ), ainda está bem vivo o ódio do Escritor não só pelo derrotado Prior do Crato, mas por toda a sua descendência e ainda pelo Infante D. Luís, seu pai, a quem apoda de vil, infame e pérfido, ao contrário dos historiadores que consultei e que tecem rasgados elogios a este príncipe.

Porém, é Camilo quem, numa longa nota de rodapé (pp.112-119) nos dá uma assaz convincente opinião sobre a Pelicana e o seu casamento com D. Luís. Ouçamos, pois, o escritor: “Violante Gomes (...) Digo suposta judia, porque apesar da quase unanimidade dos historiadores, creio que Violante Gomes era christã velha. O pae de Violante era Pêro Gomes que residia em Évora em junho de 1554. (...). Os que dizem que Violante professou em Almoster e ao mesmo tempo a reputam judia, não reparam na incompatibilidade da profissão com o sangue inquinado. É certo, porém, que Violante nunca professou.
Esteve alguns anos em Vairão, e d’ahi passou para Almoster, onde morreu [em 1568], sobrevivendo quatorze anos ao infante.
Para muita gente está ainda indeciso se D. Luiz casou ou não casou com a mãe de D. António. Os documentos officiaes convencem de que não houve um casamento canonicamente válido; mas eu pendo a crer que houve um casamento simulado, uma fraude pouco menos de infame, uma perfídia para remover as dificuldades que Violante punha a deixar-se possuir. As minhas suspeitas esteiam-se em um documento coevo em que Pedro ou Pêro Gomes, pai de Violante, é nomeado sogro do Infante D. Luiz. No livro dos baptizados de uma freguezia de Évora lê-se o seguinte assento:
"Em 15 de julho de 1544, baptizou o bacharel della (da parochia, o Padre Diogo VidaL, a Luiz filho de uma escrava de Pêro Gomes sogro do infante D. Luiz, foram padrinhos (…), e por verdade assigneij. Diogo Vidal Cura (…)" [1].
Se aqui não há falsificação contemporânea a fim de fortalecer as pretensões de D. António à legitimidade em 1580, este documento tem grande valor para justificar a desmoralização do infante e a resistente virtude de Violante, enganada vilmente pelo aparato de um casamento em que também foi enganado o pai da atraiçoada e o cura que baptizou o filho da escrava. (…). Estes casamentos com falsos padres clandestinamente não eram extraordinários na sua sociedade”.
(Fim da citação da longa Nota de Camilo).


O mesmo assento de baptismo é transcrito de Camilo pelo Abade de Baçal que na sua obra “Memórias Arqueológico-Históricas do distrito de Bragança - Os Notáveis”, (Tomo VII, p.212), dele faz leitura bem diversa: “Este documento constituirá uma prova esmagadora a favor da legitimidade de D. António se realmente não foi forjado para reforçar as pretensões de D. António ao trono português”.
É esta também a opinião de Veríssimo Serrão e de vários investigadores. Aliás, este historiador, a começar pela a sua tese de doutoramento, tem procurado, com o seu labor, pesquisa e estudo aturado de documentos da época em Portugal e no estrangeiro, muitos deles inéditos, dar continuidade àquilo que o Visconde de Faria começara e a que podemos chamar a reabilitação da figura de D. António, muito denegrida durante a dinastia filipina, pois poucos historiadores se tinham interessado verdadeiramente por trazer luz a esta figura que tanto tempo permaneceu obscura, desgarrada e de tal modo esquecida que os seus ossos ainda repousam fora da Pátria.
Todavia, esta questão foi aqui trazida, não para confirmar ou infirmar historicamente da legitimidade do Prior do Crato, mas porque, do ponto de vista literário, é sempre essencial aclarar ideias sobre o carácter e o modo de ser das personagens. Neste caso, os heróis, infelizes e trágicos, seriam D. António e sua mãe, Violante Gomes.

Passemos a Júlio Dinis e ao seu Escrito Incompleto. Trata-se apenas de um esquema, nada mais que 16 páginas, orientadas talvez para novela, talvez para teatro. Júlio Dinis, nesta mancheia de páginas, é o único escritor a mencionar o nome de Marta de Évora, de quem há remotas suspeitas que possa ter sido a mãe de Violante Gomes. Historicamente nada se sabe da mãe da Pelicana e na Geneall está representada por um N, o que significa "Não Conhecida, Incógnita".

A ter Júlio Dinis concluído a obra em mente, qual teria sido a acção principal? Quais as acções secundárias? Como se teria desenvolvido o enredo? É que, para além da existência de Marta de Évora (supostamente filha bastarda de D. Diogo, duque de Viseu, irmão da rainha D. Leonor e de D. Manuel, assassinado por D. João II), criada como filha por Briolanja Henriques - personagem esta que é referida por Garcia de Resende na sua Crónica “Vida e Feitos de El-Rei D. João II”, e que poderá ser extremamente importante em todo o enredo e talvez mesmo na vida de Violante Gomes - o autor sugere que Marta estaria destinada pelo rei a casar com Antão de Figueiredo, seu camareiro, mas que, por oposição da Rainha a tal casamento, acabaria a donzela por casar com Pedro ou Pero Gomes, que foi pai de Violante Gomes.
Porém, para além desta história, há ainda outro mistério a desvendar: o rapto de uma judia de nome Ester pelo Infante D. Afonso, filho de D. João II e herdeiro da coroa, o qual veio a morrer da queda de um cavalo junto da Ribeira de Santarém. O que teria acontecido a Ester, raptada e violada pelo príncipe herdeiro e, ao que tudo indica, logo oferecida a Antão de Figueiredo?
E não são os únicos estes dois núcleos de acção. Outros parecem delinear-se, como o destino de D. Jorge, filho bastardo de D. João II, criado por sua tia, a Infanta D. Joana de Aveiro. Por morte desta, seu pai, o rei, não sem oposição da rainha D. Leonor, decidiu trazê-lo para a corte.
Bem como o destino de D. Afonso, outro filho bastardo do mesmo D. Diogo, Duque de Viseu, portanto irmão de Marta de Évora, e criado em Pinhel às escondidas do rei.
Ou o destino de uma outra criança, D. Beatriz, filha do Duque de Bragança, decapitado em Évora, e que a rainha D. Leonor protegia.
Todos estes fios e estas vidas parecem entrelaçar-se, só não sabemos como Júlio Dinis o teria feito.
Mas que têm estas dramáticas intrigas a ver com Violante Gomes? Apenas o seguinte: se todas as personagens e factos descritos e sugeridos por Júlio Dinis são verdadeiros ou têm a sua base histórica, porque o não seria Marta de Évora?
Assim, pelo menos a Literatura poderia ter um nome para atribuir à mãe de Violante, e um nome de linhagem real, além de uma alcunha.[2]
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[1] Peço desculpa por colocar esta nota num post do Blog. Mas penso que aqui impõe-se o esclarecimento seguinte:

Este assento de baptismo, de que muito se tem falado ultimamente, como tendo sido descoberto por Luís de Mello Vaz de São Payo e apresentado em um estudo recente (?): D. António, Prior do Crato e Outros Cavaleiros da Ordem de S. João, 1997, e que seria importantíssimo para provar a legitimidade do Prior do Crato, não parece ser uma descoberta assim tão recente. Deste estudo não achei rasto. Mas o mais curioso é que Veríssimo Serrão nos diz que o documento em causa foi descoberto por António Francisco Barata que dele falou a Camilo, tendo sido divulgado em primeira leitura por este escritor. Afirma que nele não consta (…) Pero Gomes sogro do Iffante dom Luís (…), mas sim (…) Pero Gomes sobrinho do Iffante dom Luis (…). Francisco Barata sustenta que no séc. XVI viveram muitas famílias de apelido Gomes na cidade de Évora e poderá tratar-se de um sobrinho de Violante Gomes, o qual seria também sobrinho por afinidade de D. Luís. Veríssimo Serrão não crê que o documento tenha sido forjado, mas admira-se que, escondendo D. Luís o seu casamento com a Pelicana para não ferir D.João III, o Piedoso, como permitiu que o seu nome figurasse naquele papel? Remata dizendo: A menos que D. Luis não se encontrasse presente na cerimónia do baptismo. Cf. Veríssimo Serrão em: O reinado de D. António, Prior do Crato, Coimbra, 1956, pp. LXIII-LXIV. Este assento não só está no livro competente, mas também se encontra copiado na Biblioteca de Évora no Códice CIII /1-17, fl. 56.

[2] Desculpem mais outra Nota. Prometo que não haverá mais:

Inúmeras vozes vêm sugerindo que D. Briolanja Henriques, que terá criado Marta de Évora, a terá ensinado a tocar pandeiro tendo, por isso, a menina recebido a alcunha de “Pandeireta” e terá passado essa alcunha a sua filha Violante. ( Ver: «Marta de Évora - Debate sobre a “Legitimidade de D. António, Prior do Crato”», in Geneall-Forum - Geneall.pt/Geneall.net/ Fórum/ Guarda-Mor/Livraria).

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Por: JÚLIA DE BARROS GUARDA RIBEIRO
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[CONTINUA]

sábado, 9 de janeiro de 2010

Quem foi Violante Gomes, a Pelicana? - I

Durante anos e anos ouvimos a tradição segundo a qual uma moncorvense de rara beleza, de seu nome Violante Gomes, de alcunha "A Pelicana", chamara a atenção do infante D. Luís, que por ela se perdera de amores, mal a vira, ao passar pela nossa vila, num belo dia de feira, das famosas e grandiosas feiras que então se faziam em Torre de Moncorvo, pelos idos do séc. XVI. O príncipe levou-a para a corte, para ser aia de sua mãe, a rainha, e, desses amores nasceu um filho, que viria a ser D. António, Prior do Crato, candidato a rei na conjuntura que sucedeu à morte (ou desaparecimento) de D. Sebastião, defrontando o todo-poderoso Filipe II de Espanha. O povo até indica a casa onde nasceu e viveu a dita Pelicana (talvez filha de cristãos-novos). E, por esse facto, um dia, a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, já no séc. XX, resolveu renomear a antiga Rua de Trás, designando-a por Rua de D. António Prior do Crato, que assim se mantém, tal como a dita casa (apesar de já rebocada com cimento, desde há muitos anos), onde se impunha uma placa evocativa. - O que há de verdade nesta tradição? Era mesmo daqui a dita Violante Gomes? Terá Moncorvo a glória de ser o berço da mãe de um rei (já que D. António chegou a ser aclamado como tal, em Santarém, e até cunhou moeda, tendo resistido nos Açores, depois de perder a batalha de Alcântara)? Para nos responder a estas questões, aqui damos início a um conjunto de "post's", de autoria da Drª. Júlia de Barros Guarda Ribeiro, ilustre colaboradora deste Blogue, revelando o que até agora conseguiu apurar sobre esta matéria:
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Comecei a pensar em escrever sobre Violante Gomes, a Pelicana, há certamente mais de 10 anos, em resposta ao desafio do Sr. Engenheiro Aires Ferreira, Presidente da Camara Municipal de Moncorvo, pois reza a tradição que ela terá nascido nesta vila transmontana. Para além da tradição, há ainda alguns indícios que tendem a apontar no sentido de algo mais do que a simples tradição.

Pinho Leal (mais tarde citado pelo Abade de Baçal) escreve na sua obra “Portugal Antigo e Moderno” – “Moncorvo ou Torre de Moncorvo- Vol. V, p388, 1875, o seguinte:
“Consta que era natural de Moncorvo, a célebre Violante Gomes (a Pelicana) amante (alguns dizem mulher) do Infante D. Luis, filho do rei D. Manuel, e mãe do infeliz e mal aconselhado D. António I, o prior do Crato”.
E em “GENEALL-Famílias e Costados”, Violante Gomes é dada como natural de Moncorvo:

Geneall.pt Geneall.net Índice Fórum Guarda-Mor Livraria

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Violante Gomes, a "Pelicana"

* Torre de Moncorvo, Torre de Moncorvo c. 1510 + Almoster 16.07.1568

Pais

Pai: Pedro Gomes
Mãe:
N

Casamentos

Évora?
D. Luis, infante de Portugal, 5º duque de Beja * 03.03.1506

Filhos

D. António, prior do Crato * 1531

Notas Biográficas

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Seria interessante para Moncorvo conseguir provar-se que a bela Pelicana aqui nasceu e, mais interessante ainda, conseguir desenrolar-se o fio de tão enredada meada e ir puxando uma ponta até termos na mão, se não todos, pelo menos, alguns dos factos que marcaram a sua vida e que pudessem levar-nos à sua biografia.

Porém, a expressão de Pinho Leal: “consta que”, não é prova válida e quanto à “Nota Biográfica” in “GENEALL.pt” impõe-se uma pesquisa muito aturada.

Entretanto, venho lendo estudos, capítulos e páginas de historiadores, investigadores e estudiosos e descubro que, nas suas obras e escritos vários, apresentam apenas uma ou duas linhas sobre Violante Gomes e ainda o fazem sempre indirectamente, uma vez que a figura estudada é seu filho, D. António, Prior do Crato e, menos frequentemente, o Infante D. Luis, pai do mesmo D. António. O denominador comum entre todos esses historiadores e estudiosos é o complexo processo da legitimidade ou ilegitimidade do Prior do Crato. Daí dependeria a razão de ser da sua candidatura ao trono de Portugal, deixado vago após Alcácer-Quibir e, pouco depois, a morte do Cardeal D. Henrique. Só a este propósito se lêem algumas palavras, às vezes, uma breve anotação sobre a bela Pelicana.

Ora, a curiosidade aguça-se justamente porque Violante Gomes é por uns ignorada, por outros apelidada de judia, cristã-nova, cristã-velha, por aqueloutros de mulher de vida incerta, plebeia, concubina, e até prostituta. (Deparei com este insulto em alemão, escrito por um soldado mercenário bávaro, Franz Hunnerisch, que lutava com as tropas do rei Filipe, contra D. António: “Don Athoni.../Kham von khoniglichen stamen her/ Von einer Judiam in uneher/ Aus hurnerey kham er auff (…)“. Em português : “D. António/ vem de tronco real/ de uma judia amancebada/de prostituição ele vem (...)”. - “Über die Eroberung Portugals durch Philipp II, im Jahre 1580” [“Acerca da conquista de Portugal por Filipe II no ano de 1580”], in Revista da Universidade de Coimbra, vol. XII, p. 927. Se os soldados de Filipe II até cantavam esta toada, é porque o insulto corria livremente).

Outros lhe chamaram dama da pequena nobreza, cristã, esposa, Pelicana, Pandeireta...

Perante este cenário, decidi escrever um pequeno artigo para a revista do nosso velhinho Colégio, focando o olhar não nos escassíssimos e contraditórios dados históricos sobre a “fermosa Pelicana”, mas sim no que sobre ela pudesse encontrar na Literatura.

Para além do facto de, na História de Portugal, Violante Gomes não passar da obscuridade nas margens dessa mesma História, há outra razão pela qual dei outro enfoque a esse escrito. Razão simples mas muito forte: não tendo eu formação específica em História, em vez de meter a foice em seara alheia, voltei-me para uma seara que me é mais familiar: a Literatura.

Porém, após leitura e/ou releitura das obras que, em seguida, vou registar, observei que também no campo literário, Violante Gomes surge figura nebulosa e, em muitos aspectos, contraditória. Há obras em que nem como figurante ela nos aparece. Sobre seu filho D. António há volumes e volumes em português, francês, italiano, espanhol. Sobre a Pelicana, como figura central, rigorosamente nada.

São estes os títulos das obras que li/reli e sobre as quais procurarei tecer algumas considerações (no final, se for caso disso, tentarei inferir algumas ilações):

- Virginia de Castro e Almeida , A História Mais Triste de Tôdashistória infanto-juvenil, n.º 35 da Coleccção Pátria, editada pelo S.P.N., ( Secretariado Nacional de Propaganda),1943.

- Camilo Castelo Branco, D. Luis de Portugal, neto do Prior do Crato, Quadro Histórico (1601 -1660), Livraria Chardron, Lello & Irmão, 2.ª ed., Porto, 1896.

- Júlio Dinis, Inéditos e Esparsos, Secção: “ Escritos Incompletos”, Porto, 1910, pp. 580-596

- Aquilino Ribeiro, “António I, o Rei Efémero”, in Príncipes de Portugal – Suas Grandezas e Misérias, Lisboa, Livros do Brasil, 1952, pp. 195-217.

- Jorge de Sena, O Indesejado (António, Rei), tragédia, Edições 70, 3ª ed., Lisboa, 1986. (escrita entre Dez. de 1944 e Nov. de 1945, publicada em 1951; representada em Portugal em 1986).

- Jaime Gralheiro, A Longa Marcha para o Esquecimento, tragi-farsa, publicada e representada em 1988/89 pelo Círculo Experimental de Teatro de Aveiro.

- Fernando Campos, O Lago Azul, romance histórico, DIFEL, Lisboa, 2007.

- Urbano Tavares Rodrigues, Os Cadernos Secretos do Prior do Crato, novela, Lisboa, Ed. D. Quixote, 2007.

Julgo que a amostra apresentada, ainda que reduzida, comporta uma razoável variedade de géneros literários e abarca um período de mais de 100 anos, o que me parece tempo suficiente para se terem apaziguado paixões, diluído ódios e amores e aclarado ideias.

Comecemos pela pequena história infanto-juvenil que li pelos meus 9 anos. Chamava-se A história mais triste de todas e falava-nos das lutas do Prior do Crato pelo trono de Portugal contra Filipe II de Espanha, depois Filipe I de Portugal, e da sua derrota frente ao poderoso exército comandado pelo Duque d’Alba.

(Estes livrinhos, que enalteciam determinadas figuras históricas, eram enviados às Escolas Primárias e distribuídos gratuitamente pelos alunos da 4ª. classe. A história mais triste de todas”, tinha o n.º 35, da Colecção Pátria, ed. S. P.N. [Secretariado de Propaganda Nacional] 1943).

Da autoria de Virgínia de Castro e Almeida, o nome de Violante Gomes é aqui simplesmente omitido. D. António é o herói, o rei que a Pátria desejava e que o povo aclamava. Mas havia questões legais a ultrapassar. Ora, tendo a escritora assumido que esse herói não era filho de um legítimo matrimónio, o nome da mãe é escondido. Assim, a autora, não vê outra saída airosa senão escrever que D. António era filho natural do grande, mui culto e generoso Infante D. Luís. O nome do pai, porque príncipe, estava ali, engrandecido. Nem outra coisa seria de esperar, pois estava-se em pleno Estado Novo e a nova trindade era Deus, Pátria e Família. Família legítima, entenda-se. Portanto, de Violante Gomes, nem uma palavra.

(Para mim, como para qualquer outra criança de 9/10 anos, era absolutamente claro que o filho de D. Luís fosse natural. Simplesmente desconhecíamos o sentido tão camuflado da palavra. E não é para admirar: no Grande Dicionário de Morais, só à 20ª entrada do adj. “natural” é que vem o sentido de “filho ilegítimo”; no Houaiss nem aparece esse sentido e, buscando num dicionário corrente, o Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5ª Edição, s/d, tal sentido também não aparece. As crianças não compreendiam por que razão o Prior do Crato não podia ser rei).

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Por: Júlia de Barros Guarda Ribeiro

[CONTINUA]

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