(continuação do post anterior e conclusão)
Então, vejamos: de acordo com as listagens, o pior que pode chamar-se a um homem é: “chavelhudo, cornampas, galheiro, panacho”, ou seja, “cornudo”.
Ora, se tal acontece, a culpa é da mulher. E se o homem está amantizado , dir-se-á que é “aputado”, sendo ainda a mulher a ter de carregar com esta culpa… vocabular.
De resto, (exceptuando o termo “azeiteiro”, há uns 50 ou 60 anos o pior insulto que se podia lançar a um homem), epítetos como: “mandongueiro, mantilheiro, mentrasteiro, saioleiro” isto é, “mulherengo”, eram tidos quase como elogios, ainda que , por vezes, um tanto velados.
Vemos pela presente listagem que o homem é essencialmente “labrego, vadio, aldrabão, preguiçoso, lorpa…” . (almanicha, cerdo, chambas, lafrau, zorrão… etc. etc.) .
Mas, se bem repararmos, não há homem “de má nota” nem “de mau porte”. Isso é reservado à mulher: em 57 ocorrências negativas, a mulher é mais de uma dúzia de vezes apodada de “Mulher de má nota” e “de mau porte” (azagal, bornal, calandrina, calhau, coldre, etc. etc. ). Se a estes mimos acrescentarmos o ferrete de “rameira, meretriz, concubina, prostituta, putéfia, vagabunda, desprezível, muito reles, desavergonhada…” ( calatrão, castelã, cóia, estardalho, franjosca, ganirra, juco, etc. etc. ) então chegamos às três dúzias dos piores insultos. Com “alcoviteira, mentirosa, preguiçosa…” (belbroteira, merondeira, zopeira… etc. ) teremos a lista completa.
Daí, poder inferir-se que, apesar de menor número de características morais negativas atribuídas à mulher, a sua carga pejorativa é muito mais pesada.
Mas, nem tudo é mau: quanto ao aspecto físico, a nota, altamente positiva, pertence às mulheres: contra 1 “mancebo forte” (azagal) – repare-se que ainda nem é homem feito - , há 8 “mulheres elegantes, atraentes, bem feitas, jeitosas” (adengada, janguista, repolhaça, seitoira …) .
No respeitante a características físicas negativas, não há diferenças muito acentuadas entre homens e mulheres: elas são “altas e magrizelas, lingrinhas, féias , desajeitadas…”
(estauta, canoa, galdrapa, lusmeia…) ; eles são: “atarracados, gordos, balofos, grosseiros…” (alforgeiro, bazulaque, charrasco, porcho…) .
Gostaria de terminar com umas palavras que, um dia, Mark Twain escreveu : “Nunca procurei, em caso algum, tornar cultas as classes cultas. Não estava equipado para o fazer. Faltavam-me os dotes naturais e a preparação”.
Tal como Twain, também não pretendi escrevinhar “coisas cultas”. Tive em vista, sobretudo, as pessoas comuns que, como eu, gostam de rever algo que faz parte do seu imaginário e da sua herança cultural.[1]
[1] Mark Twain, 1889, em carta a Andrew Lang. Cit. por Italo Calvino, in “Porquê Ler os Clássicos?”, Ed. Teorema, Lisboa, 1994, p. 159.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Caracterização de Homem e Mulher à luz do "Dicionário de Transmontanismos” de Adamir Dias e Manuela Tender* II - por Júlia de Barros G. Ribeiro
Caracterização de Homem e Mulher à luz do "Dicionário de Transmontanismos” de Adamir Dias e Manuela Tender* I - por Júlia de Barros G. Ribeiro
*Adamir Dias e Manuela Tender ( Coord.), Dicionário de Transmontanismos
USAF – Universidade Senior e do Autodidacta Flaviense, Chaves,
Ed. da Associação Rotary Club de Chaves, 2005
Como transmontana, li o Dicionário referido em epígrafe quase de um fôlego e, devo acrescentar, foi uma leitura de real comprazimento. Estão de parabéns os autores e seus colaboradores, pois se trata de uma obra de interesse não só regional mas de alargado âmbito, bem como de um trabalho sério e de aturada investigação.
Após a leitura fiquei com a ideia de que há neste dicionário
1. mais vocábulos referentes a mulheres do que a homens;
2. que todos esses termos comportam uma carga mais negativa do que positiva;
3. e os que designam e qualificam “mulheres” são marcadamente mais pejorativos do que os que designam ou qualificam “homens”.
Procedi a uma segunda, e muito atenta, leitura e fui marcando os vocábulos de acordo com a ideia colhida. Fiz várias listagens com que não vos vou maçar aqui e terminei com 4 listas assim distribuídas e subdivididas: Características Físicas Positivas e Características Físicas Negativas (uma para homens e outra para mulheres) e, seguindo a mesma linha, Características Morais Positivas e Características Morais Negativas. Previamente, havia eliminado todos os substantivos e adjectivos comuns aos dois géneros.
O próprio dicionário era muitas vezes explícito quanto ao uso dos vocábulos - por exemplo:
Abechucho, s.m. - Homem encorpado e desajeitado
Calharós , s.f. – Mulher alta e desengonçada.
Azagal , s.m. - Mancebo forte.
Azagal , s.f. - Mulher de má nota.
Bacamarte , s.m. - Pessoa grande e desajeitada.
Bacamarte, s.m. - Mulher dissoluta e desregrada.
Basculho, s.m. - Pessoa grande e mal amanhada.
Basculho, s.m. - Mulher badalhoca e feia.
Posto isto, vejamos:
a) Quanto ao 1º. pressuposto: “Há mais vocábulos referentes a Mulheres do que a Homens”, das listas elaboradas, resultou o quadro seguinte:
HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Positivas: H: 1 / M: 8
Características Físicas Negativas: H: 21 / M: 20
Características Morais Positivas: H: 1 / M: 1
Características Morais Negativas: H: 65 / M: 57
Total: H: 88 / M: 86
- verifica-se que este pressuposto não se confirma.
b) Já no que diz respeito ao 2º pressuposto: “Todos esses termos comportam uma carga mais negativa do que positiva”, confirmou-se plenamente, uma vez que a acepção negativa ocorre para os homens 86 vezes e para as mulheres 77 vezes (perfazendo um total 163 ocorrências negativas),
HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Negativas: H: 21 / M: 20
Características Morais Negativas H: 65 / M: 57
Total: H: 86 / M: 77
contra 2 acepções positivas para os homens e 9 para as mulheres (perfazendo um total de 11 ocorrências positivas).
HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Positivas: H: 1 / M: 8
Características Morais Positivas H: 1 / M: 1
Total: H: 2 / M: 9
Parece poder inferir-se que os aspectos negativos do carácter e do comportamento, quer do homem quer da mulher, marcam mais o nosso imaginário e a nossa vida e perduram mais na nossa memória do que os aspectos positivos.
c) Finalmente, quanto ao 3º. pressuposto: "Os vocábulos que designam e qualificam Mulheres são marcadamente mais pejorativos do que os que designam e qualificam Homens”, parece não haver dúvidas que a mulher - em 57 vocábulos contra 65 referentes ao homem – é, moralmente, muito mais mal tratada que o seu parceiro.
Por: Júlia de Barros G. Ribeiro (Biló)
(Continua)