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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sábado cultural, na Biblioteca Municipal

Momento da inauguração da exposição de Pintura/desenho.
Foi inaugurada no passado sábado (dia 20 de Fevereiro) no Centro de Memória (extensão da Biblioteca Municipal) de Torre de Moncorvo, uma exposição de pintura e desenho de autoria de Gomes da Rocha, sob o título: "Sem escola nem escala". Num total de 26 obras, sobre a arte de Gomes da Rocha, escreveu Antero Afonso no Catálogo da mostra: "...revela-se como uma criança; perde-se nos traços; confunde-se nas tintas; debate-se nas formas. Nessa infantilidade reafirmada aos sessenta, como já o fizera aos treze, podemos encontrar a síntese do seu percurso:- pinta para se espantar, ainda que os olhos lhe sorriam, sobretudo quanto surpreende os outros".
Obsessiva, nesta mostra, é a figura feminina, apenas esboçada ou sugerida, pondo-se a tónica nos seios, como anota o seu crítico: "as mamas são pretas, azuis, policromáticas", talvez reflexo da passagem do pintor por terras africanas, onde fez a tropa (Guiné).
Nascido no Porto (1950), Gomes da Rocha é advogado, foi jornalista e considera-se um pintor auto-didacta, pintando "por ociosidade". Conta com algumas exposições no seu currículo, nomeadamente no Ateneu comercial do Porto e na Casa do Douro (Régua). Tem participado também em exposições colectivas.
A Exposição está patente até ao dia 21 de Março, no Centro de Memória de Torre de Moncorvo
Aspecto parcial da Exposição
__________
Na mesma tarde de Sábado, como anunciámos, foi também apresentado, no auditório da Biblioteca, o livro de António Sá Gué (o mais recente colaborador aqui do blogue). A obra, intitulada "Na intuição do tempo", foi apresentada pelo nosso também colega de blogue Rogério Rodrigues, que evidenciou os principais aspectos do livro, aproveitando para fazer uma profunda reflexão sobre o Tempo, considerado numa dimensão que extravasou o histórico e entrou no filosófico. Uma leitura/abordagem digna de figurar em prefácio, numa futura reedição.
 Mesa de honra (da esquerda para a direita: Rogério Rodrigues, o apresentador do livro, Chefe de Divisão de Cultura e Turismo, Presidente da Câmara, Presidente da Assembleia Municipal e o autor, António Sá Gué)
A obra, que o próprio autor considera não ser propriamente um romance, mas um ensaio ficcionado, ou uma metáfora, é um vislumbre sobre o nosso tempo, ou antes, o tempo que abarca a memória das pessoas que hoje estão na "meia idade", para usar a expressão do Engº. Aires Ferreira, que abriu e encerrou a sessão, na qualidade de Presidente do Município. Ou seja, aqui se aborda o tempo final da Guerra Fria, das ideologias e dos idealismos, como o movimento hippie, Maio de 68, etc., até à queda do famoso Muro de Berlim, a que se sucedeu uma espécie de tempo de euforia, com o novo-riquismo, o consumismo, e o seu reverso, com os problemas/preocupações ecológicas e o depauperamento (não só económico) de um homo pouco sapiens. Tudo isto perpassa num diálogo que dura uma viagem de combóio - o combóio existencial, acrescentamos nós.
Aspecto da plateia, com um auditório repleto de público.

(Fotos de N.Campos)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Apresentação do livro "Na intuição do Tempo", de A. Sá Gué, em Torre de Moncorvo


Na contracapa, que fecha o livro, deixa-se a questão: "Será possível fazer a síntese de um determinado tempo e percepcionar o Futuro? Que movimentos, que ideias nos influenciaram e nos fizeram seguir em determinada direcção? Este é o propósito deste livro, que procura condensar alguns dos movimentos sociais do séc. XX, materializados em personagens que interagem entre elas dentro do comboio do tempo, um tubo de ensaio onde as personagens, ora exteriorizam os seus pensamentos, ora os verbalizam, ora comentam a paisagem que vai surgindo através da vidraça do imperecível combóio, permanentemente fustigado pela força das intempéries da tecnologia e que o engenheiro Norberto acredita dominar. / Nada acontece por acaso".

O autor, António Sá Gué (nome literário do tenente-coronel António L.), nasceu na freguesia de Carviçais, concelho de Torre de Moncorvo em 1959, tendo frequentado o ensino secundário nesta vila. Estreou-se na escrita em 2007 com a publicação do romance "As duas faces da moeda", a que se seguiu, logo no mesmo ano, o belo livro "Contos dos Montes Ermos" (que tem por cenário a nossa região), numa edição da ArtEscrita. Em 2008, com a chancela da Papiro Editora, publica "Fantasmas de Uma Revolução", onde ficciona o PREC.
No presente livro, "Na intuição do Tempo", o autor analisa os grandes movimentos do séc. XX - o movimento hippie, o marxismo, o capitalismo... - e procura projectar o futuro pela interacção de vários "personagens-tipo" que viajam num comboio, animado de um movimento perpétuo. - Acrescentaremos nós que a esta metáfora ferroviária não estarão alheias as centenas de viagens de um magala pelas linhas do Sabor e do Douro (além da linha da Vida...).

A apresentação em Torre de Moncorvo é daqui a pouco, às 16;00h, na Biblioteca Municipal - não falte!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Apresentação de livro de Joaquim Sarmento, em Torre de Moncorvo

É amanhã, na Biblioteca Municipal:


quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"O trigo dos pardais" - novo livro de Isabel Fidalgo Mateus

Saiu recentemente do prelo e em breve chegará às livrarias, o novo livro da nossa colega de Blogue, Doutora Isabel Maria Fidalgo Mateus, professora da Universidade de Liverpool.
Aqui ficam as imagens da capa e da contracapa, e respectivas badanas, onde se poderá saber mais sobre a autora e a sua obra (clicar sobre as imagens para as ampliar):



Quanto ao conteúdo deste livro, para nos aguçar o apetite, aqui fica uma sinopse:
"O livro O Trigo dos Pardais, de Isabel Maria Fidalgo Mateus, pretende mostrar, através dos seus 22 contos, geralmente curtos, como era o mundo da brincadeira de um punhado de crianças e jovens num ambiente de ruralidade (transmontana) afastado da influência directa dos grandes centros urbanos. Aqui, as brincadeiras surgiam ao sabor das estações, em plena natureza, os brinquedos construíam-se com o que a flora oferecia, também ao ritmo de cada época do ano, e os garotos brincavam em interacção com o reino mineral, animal e vegetal. Muitas vezes, o entretenimento advinha em simultâneo com o dever laboral que desde cedo era imputado à criança. As cinco mecas, jogo de forte tradição e muito popular entre meninas e meninos, tanto podia ser jogado no adro da escola durante o recreio, como no alto da serra a guardar o rebanho.
Porém, com alguns dos contos levanta-se o véu e despertam-se consciências para a evolução dos tempos e do aparecimento de outros brinquedos e formas diversas de morar. Os netos já não se divertem com os mesmos jogos dos avós ou, pelo menos, têm acesso a brinquedos confeccionados com outros materiais e de produção em série, como o testemunha o conto “O Baptizado da Judite” com as bonecas que vêm de França. Esta situação é-nos apresentada pela boneca-narradora Judite, originária do referido país e sentindo-se profundamente injustiçada pela marca do seu próprio nome.
Mas é na conciliação do modernidade com o tradicional que se soluciona o problema de Judite e dos outros brinquedos sofisticados, quando sua mãe, uma menina, a põe a ela e à sua irmã a dormir ao lado da mona de trapo, no seu leito, e a caixa dos brinquedos retoma o seu lugar debaixo da sua cama. Os contos “As Malvas “ e “A Coca” não são mais do que o apelo do regresso à elaboração do objecto de brincadeira pela própria criança. No epílogo do livro, intitulado “Sem Tempo”, recomeça-se, afinal, o ciclo que se tinha perdido, na memória do tempo e do senhor Toninho, após ter aparecido na Cidade o fazedor de brinquedos - o senhor Silveiro.
A temática deste livro de contos surge com o propósito de alertar os mais jovens para o dever de conservação do planeta Terra numa atitude pro-ecológica de respeito pelo meio ambiente, pela preservação do património natural da região e do país e, porque não, de recordar, aos menos jovens, os seus tempos de brincadeira. Pegando nestas duas gerações, avós e netos, a aprendizagem passa ainda pelo humano e pelo sócioeconómico. Cuidar do velho planeta implica fazer uso da matéria-prima que este oferece ao homem, sem que nenhum elemento se desperdice e onde tudo se transforme e recicle".
A não perder!!!
Nota: considerando a temática do livro "O trigo dos pardais", antes da sua leitura convirá dar uma olhada no seguinte blogue: http://florabrin.blogspot.com/

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sessão de Apresentação do livro "A parábola dos três anéis", de Júlia Guarda Ribeiro

Momento da apresentação do livro, no auditório da Biblioteca Municipal (foto gentilmente cedida pela Biblioteca)


Conforme foi anunciado aqui no blogue, realizou-se no passado sábado, dia 5 de Dezembro, a cerimónia de apresentação do mais recente livro da nossa conterrânea e colaboradora, Drª. Júlia Barros Ribeiro, intitulado "A parábola dos três anéis". Ilustrado com preciosas aguarelas de Guilherme Correia e um excelente acabamento gráfico da Folheto Edições & Design, este livrinho, pequeno no tamanho, é grande na mensagem que incorpora.
Depois da intervenção do Dr. Adélio Amaro, responsável pela edição, coube a apresentação ao nosso também colaborador Rogério Rodrigues, que salientou a actualidade da temática versada na obra, apesar de se basear numa peça do séc. XVIII, de autoria do iluminista alemão Gotthold Ephraim Lessing, que, por sua vez, a recuperou de um trecho anterior do "Deccameron" de Boccacio, censurada pela Inquisição. Os três anéis, são, afinal, os três pilares religiosos fundados no Médio Oriente - o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo - cujo diálogo tem sido particularmente difícil ao longo dos séculos, e, particularmente, nos nossos dias, nessa mesma região, como se sabe e se vê diariamente nos telejornais. Daí a actualidade da mensagem, que é um apelo à tolerância, concluíu Rogério Rodrigues.
Abertura da sessão, com o Sr. Editor no uso da palavra. À direita: Drª. Helena Pontes, Chefe de Divisão de Cultura e Turismo, Drª. Júlia Ribeiro e Dr. Rogério Rodrigues

Seguidamente foi lido um trecho do livro apresentado, pela voz da Drª Conceição Barros, irmã da autora. A narrativa começa com uma avó que conta às netas (Catarina e Inês), uma história (ficcionada) que se teria passado em Jerusalém, no tempo das Cruzadas, tendo por intevenientes um judeu, o Sábio Nathan, um sultão muçulmano (Saladino), um guerreiro cristão que salva a filha de Nathan, e sobre o qual se descobre, no final da história, que era seu irmão, afinal sobrinhos de Saladino. De onde se conclui que eram todos de uma mesma família, como na verdade são as três grandes religiões monoteístas, com o seu tronco comum.
Na sua intervenção, Júlia Ribeiro explicou que esta bela história, na versão de Lessing, é um grande obra escrita para teatro, em 5 actos, sob o título: "Nathan, Der Wiesel" (Nathan, o Sábio). Foi uma obra censurada ao longo dos tempos pela cultura cristã dominante na Europa, tendo sido expurgada durante o nazismo, na Alemanha. Em Portugal só teve uma edição em Português, em 1915, e nunca mais foi reeditada. Já em Espanha, entre 2006 e 2009, fizeram-se três reedições, por ser tema muito actual. Disse ainda Júlia Ribeiro que, na Alemanha, Natahn, der Wiesel, foi a segunda peça mais vista nos últimos anos, logo a seguir ao Fausto (de Goethe).
A autora durante a sessão de autógrafos
O encerramento da sessão coube ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, Engº Aires Ferreira, que felicitou a autora por mais este livro, destacando que a mensagem de tolerância remete para uma verdade que, disse, é a única verdade que conhece: "Não há uma só verdade". Daqui extrapolou para um outro tema que lhe é muito caro, e que assumirá um particular relevo no ano que se aproxima, no contexto do centenário da implantação da República. Assim, lançou um repto aos investigadores do concelho, no sentido de fazerem pesquisas sobre este período (final do séc. XIX e inícios do séc. XX), não só sobre eventuais acontecimentos em torno da República na vila de Torre de Moncorvo, mas também relativamente ao resto do concelho. Contou, a propósito, um episódio ocorrido no Felgar, durante a Monarquia do Norte, envolvendo seus familiares directos. Espera-se, assim, que no próximo ano se possam apoiar outras edições, no âmbito da história do período republicano.
Depois da habitual sessão de autógrafos, foi oferecido um beberete, noutra sala da Biblioteca Municipal, onde o numeroso público presente pôde confraternizar e trocar impressões com a autora.
Fica o convite a lerem esta bela síntese (só aparentemente para crianças) da grande obra de Lessing, numa versão própria e original, a qual é excelente presente natalício. Por todas as razões.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Matança do porco

Matança do porco, em Mós (foto Artimagem, autor: António Basaloco, 2004?)
«... enxotou o porco para fora e os homens pegaram-no, estenderam-no de lado sobre o banco, apertaram as cordas de carro em volta do corpo e do focinho, para que grunhe menos.
O Zé ajoelha-se a meter a faca e o sangue espicha, aparam-no num alguidar até às últimas golfadas. Tiram as cordas. Com molhos de palha começam a chamuscar-lhe os pêlos, a pele estala aqui e ali, acastanhada, e de repente, com um urro formidável, o porco abala rua abaixo, cego, esbarrando contra as paredes».

Rentes de Carvalho, O Rebate, ed. Círculo de Leitores, 1973

sábado, 28 de novembro de 2009

É lançado hoje novo livro de Vítor da Rocha - "Nina, mina de ouro"

Os escritores moncorvenses estão muito activos!
Como que a prová-lo, além dos lançamentos recentes (ou ainda a realizar, como o de Júlia Guarda Ribeiro no próximo Sábado), é apresentado HOJE um novo livro do nosso conterrâneo (de Carviçais) Vítor da Rocha, no salão nobre do Clube dos Fenianos do Porto (ao lado da Câmara Municipal). Trata-se do romance "Nina mina de ouro", editado pela Mosaico de Palavras, cuja apresentação estará a cargo do Dr. Àlvaro Santos.
É agora, às 17;00h, despache-se!

Aqui fica um resumo do conteúdo do livro:
Em Nina Mina de Ouro seguimos a vida da suburbana Nina, que, graças à mais-valia dos seus dotes físicos, consegue alcançar o éden moderno – carro topo de gama e conta bancária robusta. Ainda que pelo caminho se vá despindo de tudo – ideais, marido, filha, mãe, amigos, simples objectos sem valor que só atrapalham a subida. É todo um modo de vida, ritmado pelos humores das coisas, das terras e das casas e pelas vozes dos vizinhos, que vai ficando para trás das costas da personagem, na sua impávida cavalgada para um objectivado além dourado.
Na verdade, sempre houve destes crentes (in)felizes e afortunados no percurso da Humanidade. Mas eram apenas minúsculos grãos de areia no meio do enorme e amorfo oceano composto de honesta e desventurada arraia-miúda. Hoje, são mais que as mães, a ponto de se terem constituído em ideologia ou religião (não) oficial dos povos – satisfazer o umbigo, ainda que sobre o cadáver do outro. Ou o seu próprio…
Uma violenta condenação da modernidade urbana, onde a condição de ter suplantou irremediavelmente a de ser.

Sobre Vítor da Rocha, já referido neste blogue a propósito de outras obras suas, aqui deixamos este apontamento biográfico:

Professor e escritor, natural da freguesia de Carviçais, no concelho de Torre de Moncorvo, em Trás-os-Montes, e residente na área do Grande Porto. Estreou-se na escrita em 1997, com a publicação da obra Na Andadura do Tempo (contos) (1997, 2ª edição em 2007), pela Editora Campo das Letras, obra que foi seleccionada para apoio pelo IPLB – Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, do Ministério da Cultura, a que se seguiu o romance Postigo Cerrado (2002), pelo Círculo de Leitores. Entretanto, em 2004, faz a primeira incursão no domínio da literatura infanto-juvenil, ao lançar a obra Contos com Bicho (Gailivro), obra actualmente incluída no Plano Nacional de Leitura do Ministério da Educação. Em 2006, é co-autor da obra Cinco Enterros do João (colectânea de cinco contos escritos por cinco autores naturais ou residentes em Rio Tinto, Gondomar), pela Arca das Letras.
Publicou ainda AIMMAP – 50 anos de história (monografia, 2007), João Moura – do Barroso ao Porto (biografia, 2007), pela Artescrita Editora, Jorge Casais – da vontade se fez obra (biografia do Eng. Jorge Casais, vice-presidente da AIMMAP, 2007) e A Arte pela Escrita Dois (co-autor) (colectânea de poesia e prosa, 2009), pela Mosaico de Palavras Editora.
Em 2009, dá à estampa o seu último título, Nina mina de ouro (romance, 2009), pela Mosaico de Palavras Editora. Tem ainda desenvolvido actividades de revisor de imprensa, tradutor e redactor em vários jornais e editoras no Porto.

Nota: Agradecemos a colaboração de Rui Carvalho (do Forum de Carviçais), que nos enviou a informação supra.

Novo livro de Júlia Guarda Ribeiro, no próximo Sábado, dia 5 de Dezembro

Desde já (e atempadamente) aqui fica o convite para o lançamento de mais um livro (só aparentemente para os mais novos), de autoria da nossa colaboradora e Amiga Drª. Júlia Guarda Ribeiro:

(Clicar sobre o convite para o ampliar)

Uma boa prenda de Natal - por isso não falte!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Trás-os-Montes - por Rentes de Carvalho

Vale da Ribeira das Arcas, entre os Estevais e Carviçais. Estevas (cistus ladanifer) em primeiro plano (foto de Marisa Carloto, 2009)

«Trás-os-Montes. Perto da raia. Terras de pedra, de pão, calcinadas, oliveiras que os anos retorceram, pinheiros sombrios, fios de água que correm nos vales e não acodem à seca.
Abutres circulando no ar, vindos ao cheiro da ovelha morta que a aragem espalhou, vagarosos, à espera que o rebanho se afaste, chocalhos fúnebres, montes sem alegria, o fumo pairando sobre a aldeia, sete da tarde, sol bárbaro, o carro de bois chia na ladeira, lamento que se espalha, canção triste.
A torre quadrangular e escura da igreja, a casa do Capitão - com sentina - alvejando, a nossa derreada na encosta, pintada de amarelo.

Cumeada sobranceira à ribª. do Medal (foto de Marisa Carloto, 2009)

Ninguém sabe que voltei e enquanto aqui estou escondido entre os pinhos, animal do monte, é o passado que desliza, sardinhas que a minha avó fritou na tarde em que o tio Serafim subiu à figueira e eu atravessei o riacho a vau, gritando, certo que morria no meio metro de fundo e que a correnteza me levaria até ao Sabor, perdido, nu, repelente como o afogado que tinha visto no Douro, uma corda passada ao pescoço, preso à barca, azulado.

À esquerda o cemitério, os sobreiros em volta, caminho da Figueireda, andanças de menino. Meu pai plantou pessegueiros e laranjeiras que não dão, culpa das pedras. Mais longe o Cabeço. O nosso tio António morreu lá com uma ferida ruim. Ameaçava de navalha quando lhe chamavam ti Maricas.
Cheiro a estevas queimadas no forno, pão centeio ainda quente, bolas de azeite, mulheres enfarinhadas, cargas de lenha.
Domingo. Burras à espera do ferrador. O macho do Peleiro é enorme, aliviam-no da carga, dão-lhe sopas de vinho num alguidar e as galinhas, sem medo, depenicam também.
À porta da taberna Zé Cigano, o Zé do senhor João e o Fidalguinho tocam guitarra, maravilha, música que nunca mais hei-de ouvir, pasmo de criança».

RENTES DE CARVALHO, "Anotações", in O rebate. Edição Círculo de Leitores, 1973.

Rentes de Carvalho, conversando em Vila Real

Rentes de Carvalho (foto de João Pinto V. Costa)
Rentes de Carvalho foi o mais recente convidado do ciclo Conversas no Museu da Vila Velha, em Vila Real, que se realizou no passado dia 21 de Novembro. Este encontro com o escritor foi promovido pelo Museu da Vila Velha em coordenação com a Direcção Regional do Norte do Ministério da Cultura.
Professor Rentes de Carvalho, entre a Drª. Helena Gil e Dr. João Luís, da D.R. Cultura do Norte (foto de João Pinto V. Costa)

Rentes de Carvalho, embora nascido em Vila Nova de Gaia tem raízes trasmontanas em Estevais de Mogadouro, sendo um "cliente assíduo" de Torre de Moncorvo. Aliás, os seus avoengos mais remotos seriam oriundos de Mós e das Quintas do Cabeço, entre os concelhos de Moncorvo e Mogadouro. Sua mãe, a Srª. Ernestina, faleceu há poucos anos no Lar de Carviçais, tendo sido uma das personagens centrais do seu célebre romance "Ernestina".
Ainda nos anos 40, José Rentes de Carvalho saíu de Portugal por motivos políticos e, depois de passar pelo Brasil, Nova Iorque e Paris, acabaria por se fixar na Holanda, em 1956, onde trabalhou inicialmente no departamento comercial da embaixada brasileira. No Brasil deixou colaboração diversa em jornais como o Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, O Globo e revista O Cruzeiro. Já na Holanda licenciou-se na Universidade de Amsterdão, com uma tese sobre "O povo na obra de Raúl Brandão". Ingressou posteriormente como professor na mesma Universidade (1964) aí ficando a leccionar Literatura Portuguesa até 1988.
No âmbito da sua actividade universitária e como escritor, na Holanda, deu a conhecer vários autores clássicos da literatura portuguesa (p. ex. Eça de Queiroz e Raúl Brandão), e aí escreveu obras que foram "best-sellers", tais como os livros Com os Holandeses (1ª. ed. de 1972, com sucessivas reedições até hoje) e Ernestina (1ª. ed. holandesa de 1988 e várias reedições), para já não falar em Portugal: um guia para amigos (Portugal, een gids voor vrieden, ed. De Arbeiderspers, 1ª. ed. 1989), livro que obteve múltiplas edições em Holandês, mas que nunca teve versão portuguesa. Não raro aparecem na nossa região alguns turistas holandeses com este guia na mão.
Depois de ter passado por ser um "ilustre desconhecido" em Portugal (apesar de ser um escritor "best-seller" na Holanda), parece que finalmente o nosso conterrâneo Rentes de Carvalho começa a ser (re)conhecido pela imprensa de referência intelectual das urbes tugas: em 6.02.2009 o suplemento do Público "Ípsilon" recenseou a primeira edição portuguesa de Com os holandeses, sob a chancela da Quetzal (havia uma impressão em português, mas feita na Holanda); depois, em 18 de Abril do corrente ano o suplemento "Actual" do Expresso dedicou-lhe duas páginas, sob o título: "Um meridional nos Países Baixos - história de um best-seller português na Holanda que Portugal até hoje desconheceu"; ainda em Abril, "descobriu-o" a revista Ler dedicando-lhe também quatro páginas. Todavia, já antes, outra imprensa mais marginal o houvera "descoberto", como o Primeiro de Janeiro (Porto), sobretudo pela mão de Gonçalves Guimarães, um dos obreiros da Confraria Queirosiana (sedeada no Solar dos Condes de Resende, V.N. de Gaia) de que Rentes também faz parte.

Aspecto do auditório durante a sessão (foto de João Pinto V. Costa)

De uma ironia cortante, tanto em alguns dos seus escritos como na oralidade, em que um sentido de humor cáustico cativa e provoca o público, assim foi Rentes de Carvalho no passado sábado em Vila Real. Depois da apresentação efectuada pela Directora Regional da Cultura do Norte, Drª. Helena Gil, e respondendo a uma pergunta do Dr. João Luís Rodrigues sobre a sua vivência entre dois pólos (Holanda e Portugal), Rentes de Carvalho disse que não havia pólos, pois que se definia como um turista, aqui como lá, pois este jornadear fazia parte da sua vida como faz da de todos nós: "sou um turista que veio a esta vida para andar por aqui". Definiu-se depois como um observador: "olho, vejo, observo... e escrevo".
Uma das afirmações (ou provocações) mais polémicas que fez foi a de que gostaria de nascer holandês numa hipotética reencarnação. Isto tudo depois dos defeitos que apontou aos holandeses: hipócritas, sem sentido de humor e com grandes preocupações relativamente ao "politicamente correcto". Um sentimento ambivalente, pois admitiu a sua trasmontaneidade ao afirmar que nunca se conseguiu libertar das suas origens, ou antes, talvez não se tivesse querido libertar. Mais: se se tivesse "libertado", não teria havido um ganho, mas sim uma perda.
Poliglota, começou por dizer que desde criança, ainda em V. N. de Gaia, sendo vizinho da famosa família Cockburn (ligada ao Vinho do Porto), desde cedo aprendeu Inglês; depois teve a fase do Francês, até chegar ao Holandês. Por um certo receio de "perder a língua materna", mais tarde procurou regressar ao Português, língua em que habitualmente escreve: "Eu só funciono bem na escrita em Português", disse.
Referindo-se ao futuro negro das nossas aldeias trasmontanas, disse ironicamente que nem tudo é mau: ficarão como espaços de lazer e de recreio "de uns quantos ricaços que aqui viriam para passear, ou para escrever sobre isto, em passeios de fim de semana".
Sobre a actividade da escrita, e respondendo a mais uma das várias questões que lhe foram postas, considerou que "escrever é um trabalho árduo" e que se sente uma outra pessoa quando escreve, como se o acto de escrita fosse algo exterior a si, admirando-se até, posteriormente, de certas frases escritas, de que não se lembrava de as ter escrito. Dissertou, a propósito, sobre o problema da sinceridade/invenção do autor sobre aquilo que escreve.
Muitas outras questões foram abordadas, num convívio franco e aberto com um dos maiores escritores portugueses da actualidade, que oscila entre o mundo cosmopolita da Europa mais vanguardista (que o enche de perplexidade) e as suas raízes trasmontanas profundas em que procura ser mais um resistente num mundo em extinção. Por isso, num movimento pendular, qual ave de arribação, vai oscilando entre cá e lá, consoante as épocas do ano. Por cá fixa-se na sua tebaida dos Estevais, sendo frequente encontrá-lo, com sua esposa ou amigos holandeses, a almoçar no restaurante Lagar (Torre de Moncorvo), Artur (Carviçais), ou Lareira (Mogadouro).
Ou seja, em terras algo distantes das élites cultas das Lísbias ou dos Portos...
Sobre esta notícia, ver também: http://www.mensageironoticias.pt/noticia/2346

Blog de Rentes de Carvalho: http://tempocontado.blogspot.com/

por: N.Campos e Vasdoal

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

"Na intuição do Tempo" - novo livro de António Sá Gué

Um novo livro de autoria do nosso conterrâneo António Sá Gué é apresentado hoje no Porto e amanhã em Valongo, onde reside o autor.
Aqui fica uma sinopse do romance, que gira em torno de uma conversa entre várias personagens, passageiros numa viagem de combóio (certamente pela linha do Douro), cada qual com a sua experiência de vida:
Será possível fazer a síntese de um determinado tempo e percepcionar o futuro? Que movimentos, que ideias nos influenciaram e nos fizeram seguir em determinada direcção? Este é o propósito deste livro, que procura condensar alguns dos movimentos sociais do século XX, materializados em personagens-tipo que interagem dentro do comboio do tempo, um tubo de ensaio onde as personagens exteriorizam os seus pensamentos, ora os verbalizando, ora comentando a paisagem que vai surgindo através da vidraça do imperecível comboio, permanentemente fustigado pela força das intempéries da tecnologia e que o engenheiro Norberto acredita dominar.
Nada acontece por acaso.
Que influência teve nas gerações seguintes a revolução geracional dos anos 60, representada pelo Horácio, um estudante influenciado pelo movimento hippie? Que peso teve a queda do muro de Berlim e a Guerra Fria que o mundo viveu, e que morreu com o Gonzaga, um comunista idealista que ainda acredita na luta do proletariado? Aonde nos conduz o homo pouco sapiens que, embalado pelo chouto do comboio da globalização e do consumismo desenfreado, ainda acredita ser o maquinista e dominar a máquina, travar e acelerar sempre que o desejar, mas, em boa verdade, já não tem os freios para poder orientar essa possante besta que a todos arrasta?
- António Sá Gué

António Sá Gué nasceu em Carviçais (1959), completou o ensino secundário em Torre de Moncorvo e, com 20 anos, alistou-se como voluntário no Exército português. Fez a carreira das armas, acabando por se formar no Instituto Superior Militar, o que o faz ascender ao oficialato. Estreou-se na escrita em 2007 com a publicação do romance As Duas Faces da Moeda (edit. por Papiro Editora), logo seguido de Mimos e contos de Natal (em co-autoria) e Contos dos Montes Ermos (editado por ArtEscrita). Já este ano, por ocasião das comemorações do 25 de Abril, foi apresentado outro livro de sua autoria - Fantasmas de uma revolução - que, de certo modo, prolonga os dramas de As duas faces da moeda.

Na intuição do Tempo são as angústias existenciais do nosso tempo, vivenciadas pelo cidadão comum, e, naturalmente, também pelo autor.

Para saber mais sobre A. Sá Gué, ver: http://antoniosague.blogspot.com/

E amanhã não se esqueça: a apresentação pública do novo livro, a cargo do nosso colega de Blogue Rogério Rodrigues, é na Biblioteca Municipal de Valongo, pelas 21,30h.

Desde já as nossas felicitações ao António Sá Gué e desejo do maior sucesso!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Chacim - um poema de Campos Monteiro

E para fecharmos o assunto, algo funéreo, do "post" anterior, não resistimos a deixar aqui um belo poema que é um misto de evocação, veneração e saudade do nosso poeta Campos Monteiro, em relação a um velho amigo de Moncorvo, que entretanto falecera:

O CHACIM

Entre os velhos que esconde a sepultura,
um me recorda agora. Era o Chacim,
alma cheia de paz e ternura,
que tinha imensa adoração por mim.

Domingos de manhã, no Lageado(1),
era certo, passeando, satisfeito.
E ao ver-me aparecer -alvoroçado
vinha apertar-me contra o largo peito.

- "Então por cá!?... Um pouco macilento...
É de escrever... Comédias p'ra o teatro...
versos... artigos... o diabo a quatro!" -
E aos outros, baixo: - "Aquilo é que é talento!" -

-"Cá tenho visto nos jornais. Pois não!
Eu leio tudo quanto o amigo escreve!"
E a sua longa barba côr de neve
tremia de entusiasmo e de emoção.

- "Isto dá glória à terra! É uma vergonha
que a vila em que nasceu não retribua!
Hei-de propôr à Câmara que ponha
o seu nome na esquina de uma rua!" -

Eu protestava. Mas o sino à missa
chamava os crentes... E estendendo a mão:
- "Não se faça modesto, que é justiça!
Deve-lhe a vila esta consagração!" -

Passaram anos. Muito tempo estive
sem vir aos montes que eu adoro tanto.
Chego, e indago: - O Chacim? ainda vive? -
- "Mudou de casa, para o Campo Santo!" -

Parti de novo. E o tempo, decorrendo,
- como a neve às pegadas de um pastor -
foi na minha memória dissolvendo
a imagem do meu velho admirador.

Enfim, um livro publiquei. Só este...
Primeiro e derradeiro, é bem de ver.

- Meu pobre amigo! para que morreste?
Quanta alegria, se o pudesses ler!

Campos Monteiro, Versos fora de Moda (capº. Cartas da Minha Terra), 1ª. ed. - 1915.

(1) O "Lageado" era no adro da igreja matriz [nota do postador]

domingo, 18 de outubro de 2009

Poesia - "Janela Indiscreta", de Paula Salema

Em tempo de Outono, a Poesia apetece, ganha outro sentido. E, como apelo aos sentidos, recomendamos vivamente um livro recentemente editado, de autoria de uma jovem moncorvense, que consideramos uma revelação no campo da Poesia:

Capa de autoria de Emanuel Bessa Monteiro
A autora, Paula Cristina Reis Salema é licenciada em Românicas, variante Português e Francês, com pós-graduação em Cultura Portuguesa, pela UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro). Depois de uma breve passagem pela Sorbonne (Univ. de Paris), onde desenvolveu competências ao nível da língua francesa, leccionou na Escola Secundária de Mirandela, acabando por vir a integrar (desde 2001) um projecto da UTAD em parceria com autarquias da região de Trás-os-Montes, com vista à implementação de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (Internet) nas zonas rurais, trabalhando presentemente no município de Torre de Moncorvo. Alia a sua actividade profissional ao gosto pela literatura, pelas línguas e pela escrita.
Janela Indiscreta é o seu primeiro livro de poesia, o que não desmerece - bem pelo contrário! - a sua alta qualidade. Alguns poemas revelam já uma maturidade de poeta consumada. Dela escreveu a sua amiga Drª. Lourdes Girão (médica e também poeta), no Prefácio do livro: "Mulher/menina, Menina/mulher? Qual delas nos dá a conhecer a sua riqueza interior? / No seu dualismo sensitivo utiliza o saltitar de palavras cadenciadas no seu ritmo para se libertar de grilhetas sociais que lhe encarceram os sentidos. / E é, na liberdade de expressão que os sentimentos aparecem, quer aflorando o onírico quer embriagando-se e aturdindo-se nas nebulosas dos destroços da menina que já cresceu".
Ou ainda, como a autora adverte em nota introdutória, Janela Indiscreta/livro de poesia, pretende ser um apontamento de Olhares e de viagens, que se explanam numa sucessão de binómios: confronto/confissão, intimidade/evasão, realidade/fantasia, equilíbrio/desequilíbrio, Amor/Vida, reflectindo "a intensidade transportada por todos os momentos vividos na primeira pessoa (...), sempre com a sensação de que se é aprendizagem, e sobretudo, cada vez mais, necessidade de escutar a voz dos outros e do mundo num estado de luta e doação permanente".
Compõem o livro 58 poemas em português (apesar de alguns levarem título em inglês), dois em francês e um em língua castelhana, num total de 74 páginas.
Dá título à obra - "Janela indiscreta" - um longo poema dividido em três partes, belíssimo e inquietante, de ressonâncias simbolistas, de que apenas transcrevemos a primeira parte:
"Noites garças de relógios partidos
Folhas espaços de palavras desabrigadas
E assim corre o sangue nas veias escangalhadas.
Paredes, espelhos em momentos
Íntimos, fechados como aortas.
Reflexos dos mundos que faltam desenhar.
Lá fora, cães vadios a chorar a
Solidão dos desorientados.
Um olhar lunar
Uma pedra rubra no chão
Um gato no telhado
- Alvíssaras aos descrentes -
Um fruto colhido pela metade na chuva.
Dois namorados a escrever o tempo
O sussurro da terra aos bêbados solitários
O desespero dos sonhadores em terras de capitães
A dor enterrada de doentes nas casas brancas
As janelas do teu quarto sempre
E só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
As almofadas que acolhem segredos
Medos partidos, enrufados no licor dos sonhos.
As palavras párias ao desejo embargado, envenenado.
As casas que recebem a força da história
Os dons adormecidos pelo torpor das estações
As silvas enroladas nos meus pensamentos
A tristeza montanha que se quer em vão superar
A velhice amarga, escondida no sono das horas
O tédio que pegou em reticências...
E, ainda as ruas cansadas, purpúreas
Passos volvidos em desânimo
Passos agarrados aos vazios estridentes,
à soberba de destinos ignorados.
As janelas do teu quarto sempre
e só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
A tua existência alheia ao meu cansaço.
Uma voz amante que chora o fim do amor.
A lava da tua imagem a queimar a noite
é pistola, munição, trompetes verdes
A matar toda e qualquer ideia de Morte.
(...)
Fenomenal ainda o belo poema em prosa da pág. 24 - "Ao fundo dos Homens" - que assim principia: "Ao fundo do teu nome vejo a solidão em reflexo dos teus sonhos escondidos. Há uma qualquer realidade púrpura que ameaça subir ao lugar onde depositas a tua tranquilidade, onde habita, como águia-real, uma paz fictícia que vive para além da tua imagem, desprega-se das tuas palavras; ela parece mobilizar-te, paralisar-te. A missão última do indivíduo tornou-se a sua evolução interna, recriação e renovação de si mesmo para não sucumbir ao outro lado da vida (...)".
Ou ainda a certeira advertência do poema "Vice-versa": "Um louco pisa os teus pés / Não te mexas /Não te voltes /Não o olhes /Poderias cair na sua loucura. / Curiosamente / Acontece aos dois".
Obrigado, Paula. Parabéns e continua!
Em tempo: depois da apresentação deste livro, há meses, no Clube Literário do Porto, aguardamos a sua apresentação também em Torre de Moncorvo. Vale?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reflexão sobre a Viagem de Armando Martins Janeira na obra "Peregrino"

No belíssimo prefácio ao livro Peregrino, de Armando Martins Janeira (1914-1988), Paula Mateus, entre outras coisas, esclarece que Peregrino é muito mais do que na sua “base” aparenta:
“a inspiração em Peregrino vai além da personalidade de Wenceslau de Morais (…) Assim, em Peregrino, encontramos ainda a silhueta de Morais, mas essa silhueta serve a Armando Martins Janeira de ponte para outras páginas, cheias de delicadeza e sensibilidade” (pp.11-12).
Uma “ponte” que me leva a estabelecer a comparação entre Martins Janeira e Miguel Torga (1907-1995) pelo que estes peregrinos têm em comum: a peregrinação, a viagem como móbil e o seu método de viajar. Pouco distantes no respeitante à data de nascimento e ao solo geográfico que os viu nascer, estão, indubitavelmente, muito mais próximos naquilo que legaram à sua região, ao seu Portugal e ao Mundo, pela sua escrita.
Foi do muito pouco que conheço da obra literária de Armando Janeira, e aqui peço desculpa por tal, que me surgiu de imediato esse paralelismo justificado. Não apenas pelos contos Esta Dor de Ser Homem (1948), que assina sob o pseudónimo de Mar Talegre, nem apenas por Linda Inês ou O Grande Desvairo (1957), mas, sobretudo, pela obra em questão, Peregrino. Como estudiosa de Torga, verifiquei que em ambos se manifesta o mesmo desejo “da busca do homem universal”, expressão que deu título à exposição sobre o Embaixador e Autor, no passado mês de Agosto, no Centro de Memória de Torre de Moncorvo.
Na primeira leitura que fiz de Peregrino tirei algumas notas e gostaria de aqui partilhar algumas convosco. Apresento-vo-las, porém, segundo uma ordem que nada tem de aleatória. Apercebi-me, de imediato, que com Armando Janeira estávamos perante um peregrino, cuja deslocação física da viagem se deveu a motivos profissionais, à carreira de diplomata que abraçou até ao seu regresso definitivo à Pátria, mas que não se confinou a isso. Isto, porque ao longo da leitura de Peregrino fui-me deparando com uma escrita de primeira pessoa, que nos dá testemunho da realidade do Outro sem recorrer à atitude imperialista, de superioridade racial e cultural, tão em voga na mente do Governo do Estado Novo de António Oliveira Salazar. Ainda que ao serviço do Ditador, viu o mundo e as suas gentes de modo diverso: encontrou-se na alteridade do Outro, utilizando o método de prospecção.[1] Ou seja, o Mesmo (Janeira/o eu) perscrutou a realidade do Outro (a cultura nipónica e o seu habitante) para se conhecer e, consequentemente, se encontrar a si próprio, formando a sua identidade.
Dos vários extractos da obra que aqui poderia citar, apresento-vos o que, em minha opinião, me parece o mais elucidativo sobre o que tenho pretendido demonstrar:

“Wenceslau foi para longe do seu país, deixou os seus familiares, o seu ambiente e todas aquelas coisas em que se enraíza, com o seu afecto, o sentimento de pertencermos a um mundo, a um género de felicidade. (…) De propósito, procurou o mais estranho dos ambientes e, aí, as situações mais estranhas; serve-se de si próprio como de um instrumento para, na conjuntura com o mundo, conhecer-se. Ir à descoberta de homens, de costumes, de nações é aprofundar o conhecimento do homem” (pp. 67-68).

A “ponte” de que se fala no prefácio e à qual me referi no início deste texto, torna-se agora notória. As reflexões de Armando Janeira compreendem também a sua postura perante este novo país que respeita e admira. Mas não sucedeu o mesmo com Torga, emigrante no Brasil, com apenas 13 anos de idade, e do qual nos dá disso testemunho quando embarca para o Brasil, em 1954, no Diário VII (1956) e, bem mais tarde, em A Criação do Mundo – O Sexto Dia (1981)? O amor pelo telúrico e pelo povo, onde reside a essência, o conhecimento profundo do Japão, do Brasil, de Portugal une certamente estes três vultos. E, mais uma vez, a máxima que o Autor de Peregrino retira da homenagem que os japoneses e ele próprio, único representante de Portugal, fazem a Wenceslau, reúne Armando Janeira e Miguel Torga. Dizer no livro Peregrino “Não há “Oriente” nem “Ocidente”, há um homem e um mundo (p. 64)” significa o mesmo que “O universal é o local sem paredes. É o autêntico que pode ser visto de todos os lados, e em todos os lados está certo, como a verdade” (Traço de União, p. 69).
Podemos concluir que estamos perante dois escritores (e, se estivermos atentos, constatamos que, afinal, Wenceslau de Morais lhes abriu o caminho) que têm uma perspectiva Pós-Modernista para o significado de Peregrino. Ou melhor, para o escritor-viajante que concebe o seu semelhante e a sua cultura como um igual, onde o Outro já não é visto à luz do relativismo cultural resultante da atitude imperialista a vigorar na Metrópole desde o tempo das Descobertas.
Agora, tudo isto nos pode parecer simples, mas num regime de Ditadura estes nossos dois ilustres conterrâneos não passavam já de Iluminados e de visionários do Futuro!

Por: Isabel Mateus


[1] Mateus, Isabel Maria Fidalgo Mateus, A Viagem de Miguel Torga. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2007, p. 28. A Autora considera fundamental o método de prospecção para demonstrar que Miguel Torga é um escritor de Viagens do Pós-Modernismo.

domingo, 20 de setembro de 2009

Um livro, dois filmes e uma festa

Como foi agendado e anunciado, dia 19 de Setembro foi dia de acontecimentos culturais.
Talvez porque Setembro é tempo de vindima e de colheitas.
Logo pela manhã, cerca das 11horas, teve lugar a apresentação do livro Torre de Moncorvo, Março de 1974 a 2009, de autoria de Fernando Assis Pacheco, Leonel Brito e Rogério Rodrigues, numa edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo.

Capa do livro Torre de Moncorvo, Março de 74 a 2009

Este livro, com prefácio de Rogério Rodrigues, inclui as reportagens sob o título “Moncorvo –zona quente em terra fria”, saídas no jornal “República" em Março de 1974 (com assinatura de F. Assis Pacheco e fotos de Leonel Brito), assim como “Terras de Moncorvo – o futuro não tem pressa” (de autoria de Rogério Rodrigues, agora com fotografias de Leonel Brito) e a reportagem mais recente de Rogério Rodrigues, intitulada “Moncorvo: o Presente, ao menos. 25 anos depois”. Este texto foi escrito para a exposição “Moncorvo de Março a Junho - de 1974 a 2009”, inaugurada no Centro de Memória no passado dia 20 de Junho, como aqui se noticiou (ver: http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/06/20-de-junho-sabado-jornada-cultural-no.html)

O Sr. Governador Civil do distrito, Dr. Victor Alves, no uso da palavra

O livro condensa todo o material patente na referida exposição, sendo agora enriquecido com alguns textos, tais como uma evocação de Afonso Praça (jornalista natural do Felgar e colega dos autores), que, por sua vez, havia escrito uma outra reportagem marcante sobre Torre de Moncorvo, em 1972, publicada no “Notícias de Trás-os-Montes” (nº 20, 9.09.1972), com o título “Moncorvo: a vila que parou”. Inclui-se também o texto do discurso de Rogério Rodrigues no dia da inauguração da exposição atrás referida, poemas e textos de Assis Pacheco dedicados a Afonso Praça e ao Rogério, o poema “Biografia” de Tiago Rodrigues, mais duas notas biográficas dos co-autores Rogério Rodrigues e Leonel Brito, insignes colaboradores deste blogue.

Os autores durante a sessão de autógrafos
Depois das palavras de circunstância, na abertura da sessão, pelo Sr. Presidente da Câmara de Torre de Moncorvo, Engº Aires Ferreira, e pelo Sr. Governador Civil do distrito de Bragança, o historiador Victor Alves, coube a apresentação da obra ao Dr. José Albergaria, amigo e colega de Rogério Rodrigues em vários jornais (conheceram-se no exílio, em Paris, em 1968), que enalteceu as qualidades dos autores e a importância desta obra como uma importante síntese da história contemporânea de Torre de Moncorvo. O apresentador não quis deixar de se referir ainda ao conhecimento que tem haurido sobre a nossa terra através deste blogue, de que é visitante assíduo.

Momento da projecção de Gente do Norte, no Cine-teatro de Torre de Moncorvo
Da parte da tarde, já no Cine-teatro, seguiu-se a apresentação dos filmes “Gente do Norte” (de 1977), o documentário há muito por nós esperado, bem como “Encomendação das Almas” (1979), ambos realizados por Leonel Brito, com textos de Rogério Rodrigues.
Num cine-teatro quase repleto, com presença de muitas das pessoas que figuraram nos filmes e seus descendentes, este foi um momento pleno de emoção pela imagem que nos deu da vila e de um concelho de Torre de Moncorvo bastante diferentes, de há mais de 30 anos.
“Gente do Norte” abre com uma imagem impressiva da Vilariça, com um plano do vale dominado pelas ruínas da Vila Velha, fazendo-se, a partir daí, a transição para a actual vila, numa viagem ao Presente de 1977, hoje já História. A par de uma forte crítica social relativamente aos senhores da terra, o documentário mostra o pulsar da vida quotidiana, desde as actividades rurais aos primórdios da escolaridade obrigatória, os ritmos da vila com as célebres passeatas na praça, a religiosidade, com suas procissões e ritos de passagem (casamentos e baptizados), a arquitectura tradicional em transformação pela construção emigrante, o problema dos “retornados”, as festas tradicionais já com ritmos de "merengue", as feiras já com megafones, ainda bastantes animais de carga e gados além de (poucos) carros, carrinhas e tractores, as minas de ferro paralizadas em maré de expectativas, etc., etc.. Todo o filme é um caleidoscópio onde perpassam imagens de um mundo em mutação que desembocou no que conhecemos hoje. Salientamos ainda, da banda sonora, a canção "Moncorvo, terra e gente", de José Mário Branco.
Como escreveu o Rogério no folheto de apresentação: “Ao escrever estas palavras passam-se já 32 anos que não vejo o filme. Mas sinto-o na pele. O Leonel e eu quisemos identificar e memorizar uma ruptura social e económica como a que então se deu em Moncorvo. Muitas das imagens que vão ver fazem parte do passado, mas a sua sombra já espreita o presente. Ou seja, não era mais possível o passado. Mesmo com mitos desfeitos, esperanças abandonadas, a Moncorvo só lhe restava o futuro. Gente do Norte é a carta que terá chegado ao destinatário”.

Momento de convívio no jardim da Biblioteca, com a nossa colaboradora Júlia Biló em conversa com o Sr. Carlos Evangelista (o "Pobre Rico") e seu filho Sr. João Carlos.

Quanto à “Encomendação das Almas”, documentário também recentemente resgatado aos arquivos da RTP, a sua projecção em écran de cinema deu-lhe uma outra amplitude relativamente à apresentação feita na Quaresma, no pequeno auditório do Museu do Ferro (ver: http://parm-moncorvo.blogspot.com/2009/04/apresentacao-do-filme-encomendacao-das.html). Trata-se de outro documento extraordinário, de grande interesse antropológico e etnográfico, pelo que o realizador o quis dedicar à memória do Padre Joaquim Manuel Rebelo, investigador que foi o consultor científico, além de participante, deste filme.
Momento de actuação da Tuna Popular da Lousa
A jornada cultural terminou com um concerto ao ar livre e uma merenda nos jardins da Biblioteca Municipal e Centro de Memória, onde se distribuíram várias cópias dos filmes apresentados, com forte presença dos idosos dos Lares do concelho.
Fotos: N.Campos

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Apresentação de Outros Contos da Montanha, por Isabel Mateus

Ainda no passado dia 29 de Agosto, depois de inaugurada a Exposição sobre o felgueirense Armando Martins Janeira, teve a palavra uma outra felgueirense: Isabel Maria Fidalgo Mateus, natural das Quintas do Corisco, presentemente professora de Português na Universidade de Liverpool, após a conclusão do seu doutoramento pela University of Birmingham (Reino Unido).

Após a apresentação deste mesmo livro – Outros contos da Montanha – ocorrida há meses na Biblioteca da Escola Secundária de Torre de Moncorvo e no Grémio Literário de Vila Real (onde teve o patrocínio do escritor A.M. Pires Cabral e da presidente do Círculo Miguel Torga, Doutora Assunção Anes), chegou a vez de também a Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo dar a conhecer a obra desta nossa conterrânea.
Após as palavras do Sr. Presidente da Câmara, a apresentação da autora esteve a cargo de uma sua antiga colega do Secundário, que frequentaram em Torre de Moncorvo, a jornalista Glória Lopes, que enalteceu as suas qualidades, bem como do livro em causa.
Por fim, Isabel Mateus falou da temática dos diversos contos que compõem o livro. Por aqui perpassam a emigração, a desertificação humana, a dureza do trabalho no campo, hoje como no Passado, mas também muito da Cultura popular, tudo caldeado num grande telurismo, bem digno do conterrâneo Armando Martins Janeira (o homem que andava sempre com três pedras de minério do Roborêdo), ou ainda de Miguel Torga, de quem a autora colheu inspiração para o título desta obra. “Eu afirmo as quintas, as quintas são a minha raiz” – disse Isabel Mateus, a dado passo da sua intervenção. Congratulou-se pelo facto de os seus contos serem lidos em lares de idosos, além da sua apresentação em diversas escolas, como no Agrupamento Vertical de Torre de Moncorvo. Mas não só: em Inglaterra, na University of Liverpool, onde existe um grupo de Português, já se organizou uma semana de cultura lusófona (Lusophone Culture Week), tendo um dos seus contos sido traduzido para inglês.

A finalizar, Isabel Mateus levantou ainda um bocadinho a ponta do véu do seu novo livro, que terá por título: O trigo dos pardais e versará sobre a relação das crianças com a natureza, nomeadamente com brinquedos e brincadeiras a partir de elementos naturais, um tema bem do agrado do nosso colega blogueiro Vasdoal.
No auditório da biblioteca, aquando da apresentação do livro, esteve patente ainda uma exposição de desenhos aguarelados, de autoria de Cristina Borges, que serviram de base às belas ilustrações incluídas no livro.
Aqui deixamos as nossas felicitações à nossa colega de blogue, Isabel Mateus, e também à autora das ilustrações, por este belo livro, que tanto pode ser adquirido na Biblioteca Municipal ou no balcão do Museu do Ferro e da Região de Moncorvo.
Texto e Fotos de N.Campos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Exposição sobre Armando M. Janeira e livro de Isabel Mateus

"O local é o universal sem paredes", disse um dia o grande escritor transmontano Miguel Torga.
Pois se conjugarmos os temas da Exposição sobre o Embaixador Armando Martins Janeira que será inaugurada no próximo dia 29 de Agosto, pelas 11;00h, no Centro de Memória, com a temática do livro de Isabel Fidalgo Mateus, sobre a nossa Montanha (o Roboredo), ou, mais propriamente sobre o mundo de trás-da-serra, de onde partiram tanto o Embaixador como esta sua prima afastada, natural das Quintas de Felgueiras, temos a frase de Torga consumada na sua plenitude.
É que tanto a busca do Homem Universal intentada por Janeira, como esta demanda do local procurada por Isabel Mateus, têm como referência sempre o "locus" de onde partiram.
Ambos embaixadores, cada qual à sua maneira, pois a Doutora Isabel Mateus é, presentemente, professora na Universidade de Liverpool, onde muito bem representa a nossa terra (e de onde nos envia as suas crónicas para o blogue), ambos tiveram percursos similares embora em contextos cronológicos distintos: o jovem Armando frequenta aqui aprende as primeiras letras nos anos 20 do séc. XX, enquanto a pequena Isabel por aqui andou à escola nos anos 70 e 80.
Todavia, ambos devem ter subido um dia ao alto da Serra e imaginado que havia mais mundo, e partiram. Também Armando Martins Janeira passou por Inglaterra, antes de se fixar por mais tempo no Japão e na cultura japonesa. A Isabel deambulou por Portugal e Europas (o marido é italiano, passo a inconfidência), antes de se fixar (ao presente) no Reino Unido.
Em suma, dois felgueirenses (do concelho de Moncorvo), que sentiram a tal pulsão de evasão e se projectaram no mundo exterior, buscando a universalidade, mas que nunca esqueceram as suas raízes. Um cumpriu já o seu destino e é a personalidade de excepção que se conhece. A nossa contemporânea está a concretizar também o seu percurso, e daqui lhe desejamos um futuro à medida dos seus desejos - mas tendo sempre presente o magneto do Roboredo a orientar a sua bússola.
Sábado, a partir das 11;00 h no Centro de Memória.

Para saber mais, ver os seguintes post's, no nosso blogue:

  • sobre Armando M. Janeira:
http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/02/biblioteca-iii-peregrino-de-armando.html
http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/02/biblioteca-iv-ainda-armando-martins.html
  • Sobre Isabel Mateus:

http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/04/outros-contos-da-montanha-de-isabel.html

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Caracterização de Homem e Mulher à luz do "Dicionário de Transmontanismos” de Adamir Dias e Manuela Tender* II - por Júlia de Barros G. Ribeiro

(continuação do post anterior e conclusão)

Então, vejamos: de acordo com as listagens, o pior que pode chamar-se a um homem é: “chavelhudo, cornampas, galheiro, panacho”, ou seja, “cornudo”.
Ora, se tal acontece, a culpa é da mulher. E se o homem está amantizado , dir-se-á que é “aputado”, sendo ainda a mulher a ter de carregar com esta culpa… vocabular.
De resto, (exceptuando o termo “azeiteiro”, há uns 50 ou 60 anos o pior insulto que se podia lançar a um homem), epítetos como: “mandongueiro, mantilheiro, mentrasteiro, saioleiro” isto é, “mulherengo”, eram tidos quase como elogios, ainda que , por vezes, um tanto velados.
Vemos pela presente listagem que o homem é essencialmente “labrego, vadio, aldrabão, preguiçoso, lorpa…” . (almanicha, cerdo, chambas, lafrau, zorrão… etc. etc.) .

Mas, se bem repararmos, não há homem “de má nota” nem “de mau porte”. Isso é reservado à mulher: em 57 ocorrências negativas, a mulher é mais de uma dúzia de vezes apodada de “Mulher de má nota” e “de mau porte” (azagal, bornal, calandrina, calhau, coldre, etc. etc. ). Se a estes mimos acrescentarmos o ferrete de “rameira, meretriz, concubina, prostituta, putéfia, vagabunda, desprezível, muito reles, desavergonhada…” ( calatrão, castelã, cóia, estardalho, franjosca, ganirra, juco, etc. etc. ) então chegamos às três dúzias dos piores insultos. Com “alcoviteira, mentirosa, preguiçosa…” (belbroteira, merondeira, zopeira… etc. ) teremos a lista completa.

Daí, poder inferir-se que, apesar de menor número de características morais negativas atribuídas à mulher, a sua carga pejorativa é muito mais pesada.

Mas, nem tudo é mau: quanto ao aspecto físico, a nota, altamente positiva, pertence às mulheres: contra 1 “mancebo forte” (azagal) – repare-se que ainda nem é homem feito - , há 8 “mulheres elegantes, atraentes, bem feitas, jeitosas” (adengada, janguista, repolhaça, seitoira …) .

No respeitante a características físicas negativas, não há diferenças muito acentuadas entre homens e mulheres: elas são “altas e magrizelas, lingrinhas, féias , desajeitadas…”
(estauta, canoa, galdrapa, lusmeia…) ; eles são: “atarracados, gordos, balofos, grosseiros…” (alforgeiro, bazulaque, charrasco, porcho…) .

Gostaria de terminar com umas palavras que, um dia, Mark Twain escreveu : “Nunca procurei, em caso algum, tornar cultas as classes cultas. Não estava equipado para o fazer. Faltavam-me os dotes naturais e a preparação”.

Tal como Twain, também não pretendi escrevinhar “coisas cultas”. Tive em vista, sobretudo, as pessoas comuns que, como eu, gostam de rever algo que faz parte do seu imaginário e da sua herança cultural.[1]

[1] Mark Twain, 1889, em carta a Andrew Lang. Cit. por Italo Calvino, in “Porquê Ler os Clássicos?”, Ed. Teorema, Lisboa, 1994, p. 159.

Caracterização de Homem e Mulher à luz do "Dicionário de Transmontanismos” de Adamir Dias e Manuela Tender* I - por Júlia de Barros G. Ribeiro

*Adamir Dias e Manuela Tender ( Coord.), Dicionário de Transmontanismos
USAF – Universidade Senior e do Autodidacta Flaviense, Chaves,
Ed. da Associação Rotary Club de Chaves, 2005

Como transmontana, li o Dicionário referido em epígrafe quase de um fôlego e, devo acrescentar, foi uma leitura de real comprazimento. Estão de parabéns os autores e seus colaboradores, pois se trata de uma obra de interesse não só regional mas de alargado âmbito, bem como de um trabalho sério e de aturada investigação.

Após a leitura fiquei com a ideia de que há neste dicionário
1. mais vocábulos referentes a mulheres do que a homens;
2. que todos esses termos comportam uma carga mais negativa do que positiva;
3. e os que designam e qualificam “mulheres” são marcadamente mais pejorativos do que os que designam ou qualificam “homens”.

Procedi a uma segunda, e muito atenta, leitura e fui marcando os vocábulos de acordo com a ideia colhida. Fiz várias listagens com que não vos vou maçar aqui e terminei com 4 listas assim distribuídas e subdivididas: Características Físicas Positivas e Características Físicas Negativas (uma para homens e outra para mulheres) e, seguindo a mesma linha, Características Morais Positivas e Características Morais Negativas. Previamente, havia eliminado todos os substantivos e adjectivos comuns aos dois géneros.

O próprio dicionário era muitas vezes explícito quanto ao uso dos vocábulos - por exemplo:

Abechucho, s.m. - Homem encorpado e desajeitado
Calharós , s.f. – Mulher alta e desengonçada.
Azagal , s.m. - Mancebo forte.
Azagal , s.f. - Mulher de má nota.
Bacamarte , s.m. - Pessoa grande e desajeitada.
Bacamarte, s.m. - Mulher dissoluta e desregrada.
Basculho, s.m. - Pessoa grande e mal amanhada.
Basculho, s.m. - Mulher badalhoca e feia.


Posto isto, vejamos:

a) Quanto ao 1º. pressuposto: “Há mais vocábulos referentes a Mulheres do que a Homens”, das listas elaboradas, resultou o quadro seguinte:

HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Positivas: H: 1 / M: 8
Características Físicas Negativas: H: 21 / M: 20
Características Morais Positivas: H: 1 / M: 1
Características Morais Negativas: H: 65 / M: 57
Total: H: 88 / M: 86

- verifica-se que este pressuposto não se confirma.

b) Já no que diz respeito ao 2º pressuposto: “Todos esses termos comportam uma carga mais negativa do que positiva”, confirmou-se plenamente, uma vez que a acepção negativa ocorre para os homens 86 vezes e para as mulheres 77 vezes (perfazendo um total 163 ocorrências negativas),

HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Negativas: H: 21 / M: 20
Características Morais Negativas H: 65 / M: 57
Total: H: 86 / M: 77

contra 2 acepções positivas para os homens e 9 para as mulheres (perfazendo um total de 11 ocorrências positivas).


HOMENS / MULHERES:
Características Físicas Positivas: H: 1 / M: 8
Características Morais Positivas H: 1 / M: 1
Total: H: 2 / M: 9

Parece poder inferir-se que os aspectos negativos do carácter e do comportamento, quer do homem quer da mulher, marcam mais o nosso imaginário e a nossa vida e perduram mais na nossa memória do que os aspectos positivos.

c) Finalmente, quanto ao 3º. pressuposto: "Os vocábulos que designam e qualificam Mulheres são marcadamente mais pejorativos do que os que designam e qualificam Homens”, parece não haver dúvidas que a mulher - em 57 vocábulos contra 65 referentes ao homem – é, moralmente, muito mais mal tratada que o seu parceiro.

Por: Júlia de Barros G. Ribeiro (Biló)

(Continua)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Jornada Cultural no Centro de Memória e Biblioteca Municipal

Conforme anunciado neste blog, foi inaugurada no passado dia 20 de Junho (sábado), no Centro de Memória de Torre de Moncorvo, a grandiosa exposição intitulada “Moncorvo de Março de 1974 a Junho de 2009”, de autoria de Assis Pacheco (já falecido), Leonel Brito e Rogério Rodrigues. Esta exposição baseou-se em duas extensas reportagens publicadas respectivamente em vários números do jornal República (Março de 1974) e em O Jornal (1984), a que Leonel Brito e Rogério Rodrigues acrescentaram agora mais uma peça (texto e imagens), sobre o concelho de Torre de Moncorvo na actualidade.

Rogério Rodrigues e Leonel Brito, autores da Exposição Moncorvo 1974-2009

A importância da primeira reportagem publicada no República (com texto de Assis Pacheco, e fotografia de Leonel Brito), decorre do facto de ter sido feita mesmo nas vésperas do 25 de Abril, em que se faz um retrato social crítico do concelho, com os problemas da emigração, da guerra do ultramar, etc., além dos diversos constrangimentos de que padecia um concelho do interior, à época. Trata-se de um trabalho de grande fôlego (como se disse, saído em vários números), que é fundamental para a história contemporânea de Torre de Moncorvo, num momento charneira da história de Portugal.

A segunda reportagem, com assinatura de Rogério Rodrigues, saiu em O Jornal (periódico também já desaparecido, tal como o República), em 1984, e tinha por título genérico "Torre de Moncorvo, o futuro não tem pressa". Este é o momento em que, após a vinda dos chamados “retornados” do ultramar (1974-1975) se alcança um acréscimo demográfico significativo e a face do concelho se transforma significativamente, também em consequência das remessas dos emigrantes. Ainda sem dinheiros comunitários, era o tempo em que se sentia a premência de certas infra-estruturas (água canalizada, saneamento básico, etc) e das grandes carências de emprego, após a conclusão da barragem do Pocinho, vivendo-se então ainda as expectativas do relançamento da exploração das minas de ferro, projecto que, como se sabe, viria a ser chumbado no ano seguinte.

Um aspecto da exposição Moncorvo 1974-2009, no Centro de Memória

Passados 35 anos após a primeira reportagem e 25 sobre a segunda, impunha-se um olhar sobre a nova realidade do nosso concelho. Assim, a nova reportagem agora realizada (não publicada, a não ser nos últimos painéis desta exposição), com o título "O presente ao menos, 25 anos depois", começa logo por se destacar pelo cromatismo diferente. Em contraste preto e branco de outros tempos, recorre a abundantes fotografias a cores, oferecendo, por comparação, uma imagem actual dos espaços antigos, de onde se salientam as diversas mutações no espaço urbano da vila e aldeias do concelho. De uma forma que consideramos bastante objectiva, salientam-se os aspectos positivos dessas transformações, mas também os contrastes , como o da desertificação humana e o envelhecimento da população. Se as crianças de hoje aqui figuram muito limpinhas e associadas aos telemóveis e computadores, em contraste com as do passado (sinal dos tempos), salienta-se o facto de praticamente não existirem crianças na quase totalidade dessas aldeias. Novas infra-estruturas e equipamentos urbanos, grandes obras, tipo ligação de Moncorvo ao IP-2, barragens e torres eólicas na serra, são destacados. Como ponto final desta reportagem, termina-se com uma pequena local, em caixa, dando conta da peripécia do hipopótamo-fêmea que fugira do camião acidentado de um circo, vindo ter à vila, nove quilómetros andados por seu pé, suscitando o anedotário terra. Um episódio de humor em tempo de crise.

Outra secção da Exposição, no Centro de Memória.


A exposição é complementada pela passagem de filmes como “Artes de ofícios” (olaria, tecelagem, moinho de rodízio e fabrico da cera) e “A Encomendação das Almas”, trabalhos realizados por Leonel Brito respectivamente em 1974 e 1979, e uma apresentação de imagens em Powerpoint, mostrando fotografias actuais e de há 30-35 anos. Este material fotográfico foi oferecido aos presentes em DVD, através de reproduções efectuadas pela Biblioteca Municipal/Centro de Memória. Aliás, na sua alocução final, os autores fizeram questão de sublinhar o trabalho do pessoal desta instituição, nomeadamente da Drª Helena Pontes (chefe de divisão cultural), Drª Maria João Moita, salientando os contributos de Sandra Meireles (na parte gráfica) e Victor Almeida, entre outros.
Dada a sua importância para a compreensão do passado recente do nosso concelho, esta é, de facto, uma exposição a não perder.

O ex-director da "Voz do Nordeste" e Presidente da Câmara de Moncorvo, no momento da entrega do espólio do jornal


Depois da inauguração da Exposição, e dos discursos dos autores da mesma e do Presidente da Câmara de Moncorvo, decorreu a cerimónia de entrega do espólio do jornal “Voz do Nordeste” (de Bragança), pelo seu antigo director, César Urbino Rodrigues.

Apresentação do livro História do Poder Local Democrático em T. de Moncorvo, na Biblioteca



A finalizar esta jornada, decorreu no auditório da biblioteca municipal a apresentação do livro “O poder local democrático em Torre de Moncorvo no último quartel do século XX”, de autoria de Virgílio Tavares, sob patrocínio da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo.

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