Capa de autoria de Emanuel Bessa MonteiroA autora, Paula Cristina Reis Salema é licenciada em Românicas, variante Português e Francês, com pós-graduação em Cultura Portuguesa, pela UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro). Depois de uma breve passagem pela Sorbonne (Univ. de Paris), onde desenvolveu competências ao nível da língua francesa, leccionou na Escola Secundária de Mirandela, acabando por vir a integrar (desde 2001) um projecto da UTAD em parceria com autarquias da região de Trás-os-Montes, com vista à implementação de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (Internet) nas zonas rurais, trabalhando presentemente no município de Torre de Moncorvo. Alia a sua actividade profissional ao gosto pela literatura, pelas línguas e pela escrita.
Janela Indiscreta é o seu primeiro livro de poesia, o que não desmerece - bem pelo contrário! - a sua alta qualidade. Alguns poemas revelam já uma maturidade de poeta consumada. Dela escreveu a sua amiga Drª. Lourdes Girão (médica e também poeta), no Prefácio do livro: "Mulher/menina, Menina/mulher? Qual delas nos dá a conhecer a sua riqueza interior? / No seu dualismo sensitivo utiliza o saltitar de palavras cadenciadas no seu ritmo para se libertar de grilhetas sociais que lhe encarceram os sentidos. / E é, na liberdade de expressão que os sentimentos aparecem, quer aflorando o onírico quer embriagando-se e aturdindo-se nas nebulosas dos destroços da menina que já cresceu".
Ou ainda, como a autora adverte em nota introdutória, Janela Indiscreta/livro de poesia, pretende ser um apontamento de Olhares e de viagens, que se explanam numa sucessão de binómios: confronto/confissão, intimidade/evasão, realidade/fantasia, equilíbrio/desequilíbrio, Amor/Vida, reflectindo "a intensidade transportada por todos os momentos vividos na primeira pessoa (...), sempre com a sensação de que se é aprendizagem, e sobretudo, cada vez mais, necessidade de escutar a voz dos outros e do mundo num estado de luta e doação permanente".
Compõem o livro 58 poemas em português (apesar de alguns levarem título em inglês), dois em francês e um em língua castelhana, num total de 74 páginas.
Dá título à obra - "Janela indiscreta" - um longo poema dividido em três partes, belíssimo e inquietante, de ressonâncias simbolistas, de que apenas transcrevemos a primeira parte:
"Noites garças de relógios partidos
Folhas espaços de palavras desabrigadas
E assim corre o sangue nas veias escangalhadas.
Paredes, espelhos em momentos
Íntimos, fechados como aortas.
Reflexos dos mundos que faltam desenhar.
Lá fora, cães vadios a chorar a
Solidão dos desorientados.
Um olhar lunar
Uma pedra rubra no chão
Um gato no telhado
- Alvíssaras aos descrentes -
Um fruto colhido pela metade na chuva.
Dois namorados a escrever o tempo
O sussurro da terra aos bêbados solitários
O desespero dos sonhadores em terras de capitães
A dor enterrada de doentes nas casas brancas
As janelas do teu quarto sempre
E só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
As almofadas que acolhem segredos
Medos partidos, enrufados no licor dos sonhos.
As palavras párias ao desejo embargado, envenenado.
As casas que recebem a força da história
Os dons adormecidos pelo torpor das estações
As silvas enroladas nos meus pensamentos
A tristeza montanha que se quer em vão superar
A velhice amarga, escondida no sono das horas
O tédio que pegou em reticências...
E, ainda as ruas cansadas, purpúreas
Passos volvidos em desânimo
Passos agarrados aos vazios estridentes,
à soberba de destinos ignorados.
As janelas do teu quarto sempre
e só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
A tua existência alheia ao meu cansaço.
Uma voz amante que chora o fim do amor.
A lava da tua imagem a queimar a noite
é pistola, munição, trompetes verdes
A matar toda e qualquer ideia de Morte.
(...)
Fenomenal ainda o belo poema em prosa da pág. 24 - "Ao fundo dos Homens" - que assim principia: "Ao fundo do teu nome vejo a solidão em reflexo dos teus sonhos escondidos. Há uma qualquer realidade púrpura que ameaça subir ao lugar onde depositas a tua tranquilidade, onde habita, como águia-real, uma paz fictícia que vive para além da tua imagem, desprega-se das tuas palavras; ela parece mobilizar-te, paralisar-te. A missão última do indivíduo tornou-se a sua evolução interna, recriação e renovação de si mesmo para não sucumbir ao outro lado da vida (...)".
Ou ainda a certeira advertência do poema "Vice-versa": "Um louco pisa os teus pés / Não te mexas /Não te voltes /Não o olhes /Poderias cair na sua loucura. / Curiosamente / Acontece aos dois".
Obrigado, Paula. Parabéns e continua!
Em tempo: depois da apresentação deste livro, há meses, no Clube Literário do Porto, aguardamos a sua apresentação também em Torre de Moncorvo. Vale?