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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

QUADROS DA EMIGRAÇÃO I - por: Isabel Mateus

Sendo a nossa uma terra de "emigração" desde há muito, aqui damos início a algumas estórias de Emigrantes, portugueses ou não, e moncorvenses ou não, de autoria da nossa colega de Blogue, Doutora Isabel Mateus, que também anda lá por fora a lutar pela vida, como dizia um velho anúncio televisivo. Aqui fica então, para começar, esta história de...

Um Gungunhana no JOBCENTRE PLUS

Dirigiu-se ao JOBCENTRE PLUS. Mal entrou, indicaram-lhe a pessoa a quem iria servir de intérprete num caso de fraude. Cumprimentou-o, explicou-lhe quem era e ele, por sua vez, fez o mesmo.
     Era um autêntico Gungunhana!... Uma estatura desmedida com um tronco robusto e largamente encasacado, pernas longas a bandearem numas calças de ganga e os pés calçados em uns sapatos de desporto imensos. Encimava aquela postura, que se encontrava sentada e de membros inferiores esticados, aproximadamente até meio da sala de espera, uma pequena cabeça calva de gigante e uns óculos redondos encavalitados no nariz achatado que lhe ocultavam, à primeira vista, o verdadeiro carácter de guerreiro. De resto, eram os dois únicos aspectos dissonantes do retrato físico do homónimo.
     No final da entrevista, onde se encontrava o “Inspector” das fraudes fiscais relativas ao subsídio de desemprego por invalidez, em representação do Governo Britânico, o seu Assistente a trabalhar para o referido Jobcentre, o mencionado Intérprete e o próprio Gungunhana, o tradutor não pôde deixar de concluir que aquele herói-pícaro do Congo era um lutador nato a debater-se nos meandros administrativos do mundo agreste da emigração. Efectivamente, pouco antes de entrarem, tinha-lhe exposto claramente a sua situação numa voz cadenciada, mas onde surgiam flutuações sucessivas de cada vez que a conversa ganhava intimidade e se aprofundava nas entranhas da sua privacidade.
“Em 1999, cheguei a Inglaterra. Vinha com muita vontade de trabalhar e fiz por isso. A barreira da língua fui-a ultrapassando no local de trabalho e na Escola de Línguas. Porém, o joelho começou a doer-me cada vez mais. Não aguentava os dia em pé e o trabalho físico pesado. Assim, quando as dores se tornaram insuportáveis, abandonei o meu posto. A partir daí, vivo do subsídio que o Estado me oferece (“benefits”). É muito pouco!?... Este ano, então, com tanta neve e frio, tenho uma conta de electricidade que jamais conseguirei pagar! A minha esposa também não trabalha, porque está debilitada. Queremos ter um filho e anda em tratamentos. Quando estiver melhor, reiniciará o longo caminho de preparação para a inseminação artificial. Eu já tenho 45 e ela 38… temos de agir! As crianças fazem-me falta!
Ganhava folgo e logo voltava à carga.
     “Com este aspecto físico que vê, já tive sucesso em novo, lá no meu país. Apenas me rendi à evidência de que não podia trabalhar, quando a força de vontade e a persistência sucumbiram ao delírio da dor. Os médicos só me dão comprimidos para acalmar o sofrimento, pois dizem que ainda sou muito novo para me fazerem um implante. Desisti desta última consulta, já perdi a esperança para esta perna direita… Precisava dum emprego onde pudesse estar sentado, mas tenho poucos estudos e desse tipo de trabalho não arranjo. Recentemente, tenho ainda outra preocupação: a diabetes ataca-me os olhos e já leio muito mal.”
    Tirava os óculos, tinha mais do que um par, consoante necessitava de ver ao perto ou ao longe, e, nessa altura, via-se-lhe aquela luzinha nas pupilas que teimava e lhe queria indicar forçosamente a abertura para a vida no final do túnel.
     “Desde 2003 que não trabalho. Eu sei que não posso trabalhar, pois seria penalizado por lei. Mas revolta-me esta vida, porque não saio da cepa torta. Queria dar mais conforto à minha mulher, satisfazer-lhe algum do luxo feminino que ela merece. Queria que me ajudassem a procurar um trabalho compatível com a minha doença. Os meus braços estão saudáveis, tenho força de vontade, mas esta perna…”
     E apalpava nervosamente o joelho.
     Lá dentro, confrontaram-no com os comprovativos das entidades empregadoras. Ou seja, acabou por confirmar que realmente tinha trabalhado, mas porque não se resignava à sua situação. Explicou que, a custo, foi circulando por vários centros de emprego à procura de ocupação e que realmente arranjou trabalho durante algum tempo. Não mais de duas a três semanas, por vezes um mês, dois… Acrescentou ainda que não podia informar o JOBCENTRE acerca da sua situação de empregado, porque perderia em simultâneo a ajuda do Estado e o emprego que, de antemão, sabia provisório devido à doença. Foi interrompendo o discurso e viu-se obrigado a tirar os óculos de cada vez que as lágrimas lhe escorriam mais rápidas pela face abaixo. O Intérprete explicitava sempre que o Inglês não lhe saía e os seus desabafos pareciam, deste modo, mais fáceis e calorosos na sua língua pátria: o Francês. Porém, o Tradutor não sabia se lhe doía mais vê-lo naquele pranto ou quando lhe explicou as diferentes penas em que a sua fraude o terá feito incorrer. Isto é, ou pagar a multa referente ao montante (de pouca monta) que recebeu pelo trabalho precário que foi prestando, ou apresentar-se perante o tribunal como réu pelo delito cometido. Do JOBCENTRE ficou a promessa (sem prazo marcado) de aconselhamento e de ajuda futura para encontrar a profissão adequada à sua incapacidade física.
     O Inverno continua frio, as dores são as mesmas e este Gungunhana desespera numa lista de espera, onde nem sempre todos agem de boa-fé e enganam, à grande e à francesa, o Sistema.
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P.S. Durante o mês de Fevereiro irei a França (Nancy) para conhecer o local de emigração massiva, durante os anos 60, de tantos transmontanas. Já tenho encontro marcado na Associação Amizade Franco-Portuguesa de Vandoeuvre-lès-Nancy, onde espero encontrar conterrâneos dispostos a partilharem as suas experiências e vivências na terra de acolhimento. Por isso, faço também aqui um apelo aos leitores e seguidores deste blogue que queiram partilhar as suas histórias, através de episódios e acontecimentos que os marca(ra)m como aventureiros à procura de melhor sorte fora da pátria.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Emigração e "pulsão de evasão"

Emigrantes do Felgar em Espanha - foto de autor desconhecido - Arquivo Particular/direitos reservados.


No seguimento dos "post's" anteriores, achámos oportuno apresentar aqui esta foto de dois emigrantes do Felgar, por terras de Espanha (Oviedo), por volta de 1967 ou 1968, onde trabalhavam na construção de estradas.
Ao mesmo tempo que compatriotas seus trabalhavam nas "rutes", em França, António Barreiros e Cândido Alberto Paredes (pai de Agripino Paredes, que gentilmente nos cedeu esta foto), andavam nas "carreteras". Outros ainda, do Felgar e Moncorvo, por essas mesmas terras asturianas e leonesas, trabalhavam nas minas de carvão. Tudo para conseguirem o seu sustento e respectivas famílias, e uma melhoria das condições de vida que o rincão natal não lhes propiciava. Este é um tema amplamente referido na reportagem de Assis Pacheco e Leonel Brito, publicada no República (Março de 1974) e agora reeditada no livro Torre de Moncorvo, Março de 1974 a 2009, mencionado em "post" anterior.
Se, por um lado, temos uma "viagem" ou uma "peregrinação" de personagens de excepção (diplomatas de carreira ou outros mais ilustrados), com uma certa motivação espiritual, fome de descoberta ou de encontro com o Outro, numa espécie de "pulsão de evasão" que os fez buscar o Desconhecido (o mundo exterior), temos, também, estes "soldados da fortuna" que partiam, movidos por uma fome bem mais real, em direcção a um outro tipo de desconhecido: a incerteza do que iam encontrar, mas com a certeza de que nada poderia ser pior do que aquilo que conheciam. E, baseados no diz-que-disse e no exemplo do vizinho do lado, partiam em busca de uma espécie de el-dorado feito de muito trabalho, canseiras, decerto humilhações. O Outro destes Peregrinos tanto poderia ser um patrão bom, como um explorador de circunstância, depois de alguns passadores salafrários de permeio.
Em todo o caso, como já por aqui dissémos, a montanha e as terras inóspitas parece que são propiciadoras às Partidas (com ou sem regresso, temporário ou definitivo). Seja por motivos de fome, de melhoria de condições, de valorização pessoal e profissional, ou apenas "porque sim", como se assinalou na reportagem de 1984 de Rogério Rodrigues (in O Jornal, vencedora do prémio da Associação 25 de Abril) editada no livro referido, sub-título "O importante é partir". Aqui se conta a estória de uma jovem de 21 anos, a frequentar o 12º ano, leitora da Crónica Feminina e da revista Maria, àvida de sair do apertado meio em que vivia - da aldeia para a vila, onde estava a estudar, aspirando depois daqui sair para o mundo exterior, com o qual sonhava: "adorava sair daqui, para outro sítio que não conhecesse. Gostava de ir para o Porto (...). Sair. Apenas sair. (...) Sonho? sair para a cidade".
Mais adiante, agora no mesmo livro, outro subtítulo: "Ei-los que partem". Texto ilustrado com as antigas camionetas da carreira para Paris, na Praça de Moncorvo, com alguém a carregar as malas de cartão no tejadilho. "Levam as malas, pedaços de terra, seja em géneros, seja em saudade. São dos que nunca saem, mesmo quando regressam. Pacientes, esperam pelo autocarro na Praça, o centro do Poder, que os ridiculariza, mas que tanto necessita deles" (referência ao tempo das remessas dos emigrantes, e ao tratamento pouco simpático de "avéques" com que se mimoseavam os emigrantes de França).

E de partida em partida, assim se explica a desertificação destas nossas terras...

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