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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Cartas de Amor de outros tempos

Quando ainda não havia Dia de S. Valentim, as declarações eram assim:


Carta de um soldado, natural de Mós (concelho de Torre de Moncorvo), dirigida à sua amada - cópia efectuada pelo próprio, escrita num caderninho, onde se lê, em título: "Carta a pedir namoro", sendo datada do Porto, em 31 de Janeiro de 1949: «Menina F... / Em primeiro lugar faço votos para que estas minhas duas letrinhas / a possam encontrara a gozar uma perfeita saúde, que eu / ao descrever-lhe o meu amôr que sinto pela / menina, fico bom felizmente. / Menina, desde o primeiro dia em que tive a suprema felicidade de a poder apreciar, fiquei um pouco emprecionado / e não pude dirigir-lhe uma pequena frase, / para que meu coração ficasse mais um pouco calmo / Mas enfim como hoje acorda-se com um coração / em sobre-saltos, fui obrigado a declarar-lhe o meu amor / que pela sua pessoa sinto. A menina para mim foi a mulher mais bela, que / desde o meu nascimento pude apreciar com a minha visão. Linda todo o seu corpo me pareceu um fenómeno. Esses seus olhos lindos pareceram-me duas pedras / preciosas imaginárias, seus cabêlos como o ouro e a sua face rosada, enfim não posso / descrever-lhe como você seja bela e formosas. Bem sei que a minha dignidade / como homem não se compara com a da menina, mas enfim desculpe-me de eu lhe dirigir esta simples carta, pois foi só simplesmente para lhe declarar o amôr que por / si sinto. Pois de si espero uma pequena resposta à minha declaração, e espero que ela me venha a agradar; e para isto basta dizerme que me declara amôr. / Sem mais passo a pedir-lhe desculpa pela ousadia que tive em lha escrever. Estimo que tenha / saúde e felicidade, sou este que me assino, [...]


O caderno contém ainda os poemas que vão acima e outros escritos, tudo supostamente dos anos 40 ou inícios de 50, pertencente a um mózeiro, hoje octogenário.
Os nossos agradecimentos ao Autor, pela cedência e autorização de publicação, e ao nosso amigo Luís Lopes, também mózeiro, pela sua recolha e cedência para o Blogue.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

À procura da Luz

Para que o Daniel de Sousa não se encontre sozinho na inquietude poética, belíssima,diga-se de passagem, aqui vai uma banalidade angustiada do Pedro Castelhano


À procura da Luz

Aqui, nas costas brancas do silêncio, escrevo-te
em surdina, não vá o silêncio acordar.

Aqui, entre trevas tristes e mágoas
de pássaro sem abrigo, mas de asa aberta
à luz, escrevo-te pela ínfima vez. Como
se esperasse o apodrecer da semente e
a ameaça serena da flor.

Aqui, neste espaço
sem medida, com a memória prisioneira,
escrevo-te, com todos os sentidos adormecidos.

Nas masmorras da Palavra, apesar de tudo,
há uma sílaba que brilha como se fora
pão e luz, como se fora véu e mãe.

Aqui, ignora Deus para te conheceres melhor.
Alerta a festa para haver um entardecer mais longo.

Aqui, donde te escrevo sem saber de onde,
pega na mão e filtra as carícias como
filamentos frágeis de tão eternos que
nos conduzem até à suprema arte
do silêncio. Afaga a mão como borboleta
antes da morte ou cisne anunciando
Mozart. A beleza é esse instante
roubado ao Tempo.

Aqui, sem espaço
nem memória, escrevo-te, como
se um foco de luz penetrasse na cegueira
e dispensássemos os deuses de saber quem somos.

Pedro Castelhano


.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mãe

Pedindo desculpa por certo intimismo, ofereço este soneto a todas as Mães moncorvenses, evocando a minha própria Mãe que era natural de Castelo Melhor e certamente viu muitas vezes florir as amendoeiras nesta altura do ano.


o teu rosto pertence a estes montes,
a tua voz colhe do rio e nele flui o percurso
da memória, tal o mundo, tal o discurso
que em mim te nomeia, como se fossem pontes

do passado para o meu peito, agora mais cansado,
mais lento o gesto, mais suave a mão
vem tudo de ti e eu não sabia, tudo repete o que não
pude dizer-te junto de ti tocando-te o cabelo, sentado

vê agora comigo estes campos – a luz da alva
sobre a névoa descobre os ramos floridos
da amendoeira, é já manhã e os cheiros crescem

húmidos da terra, num antiquíssimo rumor
que só agora desvendo nos teus braços doridos
como se fossem os meus próprios braços que renascem


8 de Fevereiro de 2010

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Poema para uma noite de Natal

Os meninos sabem poucas palavras.
Por exemplo sabem que palavra é mãe
Porque mãe é uma palavra doce.
Sabem amor porque amor é uma palavra redonda.
Talvez saibam também
Que palavra é dor quando esfolam um joelho
E só porque na verdade lhes dói o joelho.
Sabem que palavra é cantiga, corrida, dança,
Que palavra é lágrima. E riso. E boca. E olhos. E mãos.
E barco.
E mar.
E árvore. E monte.
Flor é uma palavra de que os meninos gostam
Porque é bonita.

Os meninos sabem poucas palavras.
E entendem os contos de poucas palavras. Simples.
E também muitos poemas de palavras simples.

Os meninos não sabem porém o que habita certas palavras
Como dúvida, fome, partida, injustiça, revolta, guerra.
Como ignorância.
Como nada.
Não sabem o que uma palavra pode ser para além da palavra.
Não sabem por exemplo que esta noite tem dentro uma palavra de luz.

Natal de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O NATAL DA MINHA TERRA - por Isabel Mateus

Neve no Roborêdo, 2008 - ao fundo desta cumeada, embora não se vendo, ficam as Quintas da Granja ou de Felgueiras; em segundo plano o cume do Citoque (foto do Engº. Afonso Calheiros) > Clicar sobre a Foto, para a Ampliar
Sem Tempo,

Muito de mansinho,

Outro Natal chega,

E o Menino (re)nasce

Na perfeita harmonia

Da minha Terra:

O luar,

Quase de Janeiro,

A fria aragem

Do vento cieiro,

A fogueira do galo

E os cânticos ao Bendito,

Na eira,

A família à volta do brasido,

Onde o melhor cavaco é consumido,

As tronchudas, as batatas, o bacalhau e o polvo

À conversa

Na panela de ferro à espera dos milhos…

Porém, é do chão térreo

Da minha casa,

na manjedoira intacta

e sem o bafejo eterno do vivo,

que a minha ausência recebe

O grito frio do salvador Menino

E a plangente alegria de Maria.

_______

P.S. Devo uma explicação. Ou melhor, um esclarecimento. O que aqui vedes são apenas os meus sentimentos atribulados de emigrante que vê aproximar a quadra natalícia a passo largo e sente o desejo irrefreável de se meter à estrada, de pôr as cavacas na fogueira, de aninhar o Menino Jesus ao colo… E mais ainda vos digo: mesmo que a decisão da partida há muito já esteja adiada, este peregrino tem sempre a mala pronta para o destino da (sua) Viagem!...

Isabel Maria Fidalgo Mateus

domingo, 29 de novembro de 2009

Nove Poemas de Novembro

Pedro Castelhano

I

Vens vazio, sem possibilidade de voltar ao futuro,
carregado de bíblias, suspeitas e sangue escorrido
com os amigos em partida e um acre aceno de azedume
no início da onda que ignora onde começa ou acaba.
Vens vazio sem deuses enquanto o vento liberta vozes
na noite aguda que te absorve na penumbra muda.
Vens vazio a ponto de sonhares acender fogueiras na memória
para louvar o que perdeste, a sonoridade do riso,
a mão ligeira e portadora de mel, o aconchego
da rosa no silêncio.Vens vazio de mim, também de ti.
Vens vazio até ao recolhimento.
Vens vazio, mas nesta noite havemos de chorar juntos
com os olhos fustigados pelos mistérios das giestas, semáforos
destes caminhos e terreiros de bruxas e duendes,
que nem o álcool amacia, nem o sacrílego medo da vida.
Já não temos tempo para reencontrar a plenitude, ou inventar
caravelas sem mar. Se não vencermos as bruxas que será da manhã?
Vens vazio, com o olhar recolhido de cão mal afagado. Com leituras
clandestinas, com meio século de cinzas a marcar a página.
Mesmo vazio pensas que a mala ainda trás o que inventar,
a obsessiva presença dos ausentes, a naftalina dos verdes anos
quando ignorávamos que havia idades e na face luminosa da noite
/cantávamos.
Ai! tão vazio que tu vens, como esperma seco na paisagem estéril
que escolhemos para o final. Já não há poemas de amor desesperados
porque já não há poemas de amor. Apenas um vago violoncelo
e um sorriso súbito, sem sentido, de nostalgia ou lenço negro.
Vens vazio, com recomendações das almas para ignorar
a alegria e te libertares dos efeitos da luz. Não toques na carne
e que o teu sorriso seja de cilício. Que punja e amargue
e que te afaste das cidades e das tentações mais baixas
de ser feliz. Para que queres ser feliz se estás vazio e não és idiota?
Há rumores de que sons se aproximam como sereias.
Com acenos verdes e frutos mágicos à beira do olhar.
São suspeitas. São seduções. Também o deserto cansa
os eremitas. E tu és presa fácil, inábil e intranquila.
E tu vens vazio, portador de bagagens sem valor comercial.
Ignora os ritmos, a prosódia, a melodia, ignora-te
e parte para a procura do fim, despede-te da esperança,
não penses mais em construir a casa ou alterar o leito
aos rios. Deixa-os correr que o teu tempo já correu.

Vens vazio, fica vazio. A plenitude é uma maçada.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Nove poemas de Novembro

A propósito do Dia de Finados

IX

Há rios claros, há povoados abertos mesmo que desertos, há água
que lave esta inquieta vontade de nada? Há cordas que amarrem a alma
ao poste da memória e te obriguem a confessar a tua profunda
amnésia? Há tempo para amar ainda quando o resto é tudo
tão breve? Há olhares que nos procuram quando a cegueira alastra?
E há algum sentido para o sentido que isto tem? Há ruas para andar
por onde andaste, com a soleira das portas cheias de sombras?
Há navegações ocultas de que nem tu suspeitas no último adeus
em que acordaste? Há o Homem por trás da cortina da tua casa
desabitada? Há gritos repartidos pela vontade de gritar, quando calas
o próprio silêncio? Há fontes e nascentes e cavalos e portos
quando a condição de ser te prende? Há canções ao fim do dia? Há
que tempos te procuras e não sabes que só a morte não é Interrogação?!

Pedro Castelhano

domingo, 8 de novembro de 2009

Um poema de juventude de Campos Monteiro

No arquivo da Casa do Rossio, propriedade da família Pinto Félix, guarda-se um precioso poema manuscrito, de autoria de Campos Monteiro, o qual foi publicado há vários anos, no “Mensageiro de Bragança”, pelo nosso saudoso mestre Padre Joaquim Rebelo. O facto de o poema estar assinado apenas como Abílio Monteiro, nome que utilizou nos primeiros escritos, situa-nos cronologicamente nos finais do séc. XIX (anos 90?). Quanto ao lugar onde foi escrito, só pode ser na serra do Roborêdo, pois do alto divisa a vila, como se depreende.
Campos Monteiro vai voltar de novo a este tema da dor perante a hipocrisia e a traição, num outro poema intitulado “Desterrado”, publicado in “Versos fora de moda” (Porto, 1915).

Vista da vila de Torre de Moncorvo, a partir da Quinta das Aveleiras, propriedade da família Pinto Félix.

O vento nos arvoredos
Geme uns íntimos segredos,
N’um confuso murmurar;
E os rouxinóis nas balceiras
Cantam as noites fagueiras
Inundadas de luar.

O doce correr da agoa [sic]
Dá um tom leve de mágua [sic]
À alma ardente dos poetas;
E a villa além, silenciosa,
Oculta-nos, receiosa [sic],
Os rostos das Julietas.

Sinto um feliz bem-estar
Quando alcanço este lugar,
Tão cheio de solidão.
Só aqui, longe do Homem,
Me não seguem e consomem
A Malvadez e a Traição.

Abílio Monteiro

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Chacim - um poema de Campos Monteiro

E para fecharmos o assunto, algo funéreo, do "post" anterior, não resistimos a deixar aqui um belo poema que é um misto de evocação, veneração e saudade do nosso poeta Campos Monteiro, em relação a um velho amigo de Moncorvo, que entretanto falecera:

O CHACIM

Entre os velhos que esconde a sepultura,
um me recorda agora. Era o Chacim,
alma cheia de paz e ternura,
que tinha imensa adoração por mim.

Domingos de manhã, no Lageado(1),
era certo, passeando, satisfeito.
E ao ver-me aparecer -alvoroçado
vinha apertar-me contra o largo peito.

- "Então por cá!?... Um pouco macilento...
É de escrever... Comédias p'ra o teatro...
versos... artigos... o diabo a quatro!" -
E aos outros, baixo: - "Aquilo é que é talento!" -

-"Cá tenho visto nos jornais. Pois não!
Eu leio tudo quanto o amigo escreve!"
E a sua longa barba côr de neve
tremia de entusiasmo e de emoção.

- "Isto dá glória à terra! É uma vergonha
que a vila em que nasceu não retribua!
Hei-de propôr à Câmara que ponha
o seu nome na esquina de uma rua!" -

Eu protestava. Mas o sino à missa
chamava os crentes... E estendendo a mão:
- "Não se faça modesto, que é justiça!
Deve-lhe a vila esta consagração!" -

Passaram anos. Muito tempo estive
sem vir aos montes que eu adoro tanto.
Chego, e indago: - O Chacim? ainda vive? -
- "Mudou de casa, para o Campo Santo!" -

Parti de novo. E o tempo, decorrendo,
- como a neve às pegadas de um pastor -
foi na minha memória dissolvendo
a imagem do meu velho admirador.

Enfim, um livro publiquei. Só este...
Primeiro e derradeiro, é bem de ver.

- Meu pobre amigo! para que morreste?
Quanta alegria, se o pudesses ler!

Campos Monteiro, Versos fora de Moda (capº. Cartas da Minha Terra), 1ª. ed. - 1915.

(1) O "Lageado" era no adro da igreja matriz [nota do postador]

domingo, 18 de outubro de 2009

Poesia - "Janela Indiscreta", de Paula Salema

Em tempo de Outono, a Poesia apetece, ganha outro sentido. E, como apelo aos sentidos, recomendamos vivamente um livro recentemente editado, de autoria de uma jovem moncorvense, que consideramos uma revelação no campo da Poesia:

Capa de autoria de Emanuel Bessa Monteiro
A autora, Paula Cristina Reis Salema é licenciada em Românicas, variante Português e Francês, com pós-graduação em Cultura Portuguesa, pela UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro). Depois de uma breve passagem pela Sorbonne (Univ. de Paris), onde desenvolveu competências ao nível da língua francesa, leccionou na Escola Secundária de Mirandela, acabando por vir a integrar (desde 2001) um projecto da UTAD em parceria com autarquias da região de Trás-os-Montes, com vista à implementação de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (Internet) nas zonas rurais, trabalhando presentemente no município de Torre de Moncorvo. Alia a sua actividade profissional ao gosto pela literatura, pelas línguas e pela escrita.
Janela Indiscreta é o seu primeiro livro de poesia, o que não desmerece - bem pelo contrário! - a sua alta qualidade. Alguns poemas revelam já uma maturidade de poeta consumada. Dela escreveu a sua amiga Drª. Lourdes Girão (médica e também poeta), no Prefácio do livro: "Mulher/menina, Menina/mulher? Qual delas nos dá a conhecer a sua riqueza interior? / No seu dualismo sensitivo utiliza o saltitar de palavras cadenciadas no seu ritmo para se libertar de grilhetas sociais que lhe encarceram os sentidos. / E é, na liberdade de expressão que os sentimentos aparecem, quer aflorando o onírico quer embriagando-se e aturdindo-se nas nebulosas dos destroços da menina que já cresceu".
Ou ainda, como a autora adverte em nota introdutória, Janela Indiscreta/livro de poesia, pretende ser um apontamento de Olhares e de viagens, que se explanam numa sucessão de binómios: confronto/confissão, intimidade/evasão, realidade/fantasia, equilíbrio/desequilíbrio, Amor/Vida, reflectindo "a intensidade transportada por todos os momentos vividos na primeira pessoa (...), sempre com a sensação de que se é aprendizagem, e sobretudo, cada vez mais, necessidade de escutar a voz dos outros e do mundo num estado de luta e doação permanente".
Compõem o livro 58 poemas em português (apesar de alguns levarem título em inglês), dois em francês e um em língua castelhana, num total de 74 páginas.
Dá título à obra - "Janela indiscreta" - um longo poema dividido em três partes, belíssimo e inquietante, de ressonâncias simbolistas, de que apenas transcrevemos a primeira parte:
"Noites garças de relógios partidos
Folhas espaços de palavras desabrigadas
E assim corre o sangue nas veias escangalhadas.
Paredes, espelhos em momentos
Íntimos, fechados como aortas.
Reflexos dos mundos que faltam desenhar.
Lá fora, cães vadios a chorar a
Solidão dos desorientados.
Um olhar lunar
Uma pedra rubra no chão
Um gato no telhado
- Alvíssaras aos descrentes -
Um fruto colhido pela metade na chuva.
Dois namorados a escrever o tempo
O sussurro da terra aos bêbados solitários
O desespero dos sonhadores em terras de capitães
A dor enterrada de doentes nas casas brancas
As janelas do teu quarto sempre
E só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
As almofadas que acolhem segredos
Medos partidos, enrufados no licor dos sonhos.
As palavras párias ao desejo embargado, envenenado.
As casas que recebem a força da história
Os dons adormecidos pelo torpor das estações
As silvas enroladas nos meus pensamentos
A tristeza montanha que se quer em vão superar
A velhice amarga, escondida no sono das horas
O tédio que pegou em reticências...
E, ainda as ruas cansadas, purpúreas
Passos volvidos em desânimo
Passos agarrados aos vazios estridentes,
à soberba de destinos ignorados.
As janelas do teu quarto sempre
e só as janelas do teu quarto
Que esperam por mim.
A tua existência alheia ao meu cansaço.
Uma voz amante que chora o fim do amor.
A lava da tua imagem a queimar a noite
é pistola, munição, trompetes verdes
A matar toda e qualquer ideia de Morte.
(...)
Fenomenal ainda o belo poema em prosa da pág. 24 - "Ao fundo dos Homens" - que assim principia: "Ao fundo do teu nome vejo a solidão em reflexo dos teus sonhos escondidos. Há uma qualquer realidade púrpura que ameaça subir ao lugar onde depositas a tua tranquilidade, onde habita, como águia-real, uma paz fictícia que vive para além da tua imagem, desprega-se das tuas palavras; ela parece mobilizar-te, paralisar-te. A missão última do indivíduo tornou-se a sua evolução interna, recriação e renovação de si mesmo para não sucumbir ao outro lado da vida (...)".
Ou ainda a certeira advertência do poema "Vice-versa": "Um louco pisa os teus pés / Não te mexas /Não te voltes /Não o olhes /Poderias cair na sua loucura. / Curiosamente / Acontece aos dois".
Obrigado, Paula. Parabéns e continua!
Em tempo: depois da apresentação deste livro, há meses, no Clube Literário do Porto, aguardamos a sua apresentação também em Torre de Moncorvo. Vale?

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"Cultural Dream" (1997)

Na esteira do "post" anterior (texto de Rogério Rodrigues, com fotos de Leonel Brito), ocorreu-me ir às gavetas do fundo e acabei por desenterrar um velho poema de Henrique de Campos, de 1997. Trata-se de um escrito datado, produzido num momento em que se contestava a criação de algumas zonas de peões no centro histórico cá da vila, bem como o fim do estacionamento automóvel na antiga “praça das regateiras”. Mas acabou por ser, ao mesmo tempo, um verdadeiro manifesto cultural. Ainda se discutia então a reposição do chafariz filipino na Praça Francisco Meireles (que viria a ocorrer em 1999); o Arquivo Municipal estava em perspectiva mas ainda não havia sido inaugurado; as esplanadas na praça General Claudino eram uma mera sugestão, pois não havia cafés nesse largo; a Orquestra do Norte talvez já se tivesse estreado na igreja matriz, mas o órgão barroco permanecia mudo (tal como ainda hoje, embora se perspective para breve a sua compostura). Ao cabo de 12 anos, a “crítica corrosiva” a estas coisas das “pedrinhas” também se parece ter esbatido, apesar de alguns beliscões da rapaziada à nossa igreja, creio que mais resultantes de efeitos etílicos do que de actos conscientes ou relacionados de uma clara atitude anti-património.
Por isto, pode-se considerar que este poema de H.C. se encontra em grande medida ultrapassado (e ainda bem!), sendo uma espécie de “check-list” que se foi completando. O que não se conseguiu sem algum esforço, sobretudo no plano da transformação das mentalidades. Se houve mérito das instituições nesta consecução, também não se pode esquecer a atitude pedagógica e de consciencialização junto das pessoas menos receptivas a estas coisas, desenvolvida por alguns (poucos) carolas que, através da sua opinião, contribuíram para que se concretizassem coisas que em 1997 eram ainda utopia. A cidadania também é isto.

Grupo de pintores compondo uma tela, na praça General Claudino, num dia de feriado municipal (2008)
Aqui fica então o velho poema:

CULTURAL DREAM
Tal como Luther King
também eu tive um sonho.
E sonhei que a minha terra
era uma espécie de Atenas cultural
povoada por cidadãos letrados e instruídos,
amigos das artes e do património;

sonhei que na minha terra
me havia cruzado com F. Pessoa
e bebido copos com o A. Aleixo;

sonhei que na minha terra,
à sombra de uma grande e secular igreja
havia feiras de artesanato e de iguarias
fazendo jus a uma antiga tradição medieval
exarada num velho pergaminho
guardado religiosamente no Arquivo Municipal;

sonhei também aí esplanadas à italiana
com pintores e cavaletes
e julguei estar em Florença;
fotógrafos com máquinas “de caixote”,
e julguei-me no Quais d’Orsai;
com o sol e granito num largo quadrado
com muitas vozes e sem automóveis
quis-me na plaza mayor de uma qualquer cidade
da meseta espanhola!

Sonhei que a minha terra
havia sido promovida a Cidade Cultural,
com direito a grandes cartazes pelo mundo fora,
por causa dos seus encantos e das suas gentes
e que cada cidadão, embevecido,
contava a cada forasteiro a sua História gloriosa,
e lhe falava do antigo castelo destruído
que aos seus olhos existia ainda
e da imponente catedral onde se ouvia,
diariamente, uma música barroca de fundo,
e nos dias festivos, concertos de órgão majestosos,
e o Rei dos Floristas, trajado a rigor,
oferecia rosas-púrpura à esquina de uma rua
que, por acaso, também se chamava das Flores.

Sonhei que jorrava um chafariz recuperado, na praça,
e os meus concidadãos, cultos e orgulhosos
de pertencerem à mais bela terra do mundo,
não eram críticos corrosivos deste cenário,
mas sim os seus principais defensores;
não eram pseudo-filósofos de café,
maldizentes e provocadores,
recalcitrando frustrações,
para serem notados e chamar atenções,
- eram, antes, interessados e construtivos.

Sonhei que, depois deste arrazoado,
não houvesse quem dissesse: “mais um poeta!”,
em termos irónicos e depreciativos.

Sonhei ainda que a escola da minha terra
ganhava prémios mundiais
a promover as coisas culturais
e a ajudar a crescer uma multidão de meninos
que nunca viriam a ser velhos… do Restelo!

Sim, eu tive um sonho hoje,
olhando o mundo em frente
do alto de uma montanha de ferro.
e esse Sonho era a certeza
de que o futuro é nosso.
e que a Utopia,
mesmo irrealizada,
mesmo amputada, castrada…
essa, nunca morrerá!

Henrique de Campos, 24.VI.1997
(public. in Mensageiro de Bragança, 25.06.1999)

sábado, 12 de setembro de 2009

Poemas e outros

As Quintas são o meu Deserto.
Deserto onde me encontro,
Quando me sento na soleira
Da rústica casa centenária de xisto
Da avó paterna,
Com telha-vã,
Lajes a ladrilhar o chão
E uma frescura imanente,
Que se imiscui no corpo
E na alma se enrodilha.
Deserto que se expande
No colorido das sécias
dos hortos do Tourão,
desde tempos imemoráveis
a crescerem como papoulas
por entre cebolo e manjericos.

Sou neste Deserto o peregrino do Ser…



Isabel Mateus
Deixo-vos algumas fotos saudosas da partida, para que qualquer outro Peregrino se perca nelas. É um convite!
Casa típica quinteira de xisto, com quase todas as características originais intactas.

A prima Irminda, a actual proprietária e zeladora desta ancestralidade viva, e a sua amiga Giulia, durante as férias do Verão.

Por último, o núcleo do pequeno “Reino Maravilhoso” onde qualquer turista se converte em peregrino, quer à luz do dia, quer sob o estrelado cintilante.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Mote e Glosa

Mote e glosa


Esta amêndoa, vida dura de casca
e um miolo - coração terno
mas tantas vezes partido


no teu rosto vejo e sinto
tanta mágoa tanto pranto
que no teu gesto desminto
por me parecer peso tanto
o feliz e breve encanto
do momento e da ternura
da mão que nesta amêndoa
descobre a vida dura de casca

dos teus sonhos já desfeitos
na tua vida revolta
revejo um imperfeito mundo
cruas dores mortes e mágoas
rios de antigas águas
terras mares tempos sem nome
mas no teu peito duro e simples
um miolo coração terno

olhando o teu rosto penso e sei
mais que silêncios mais que a bruma
que da serra desce e avoluma
mistérios segredos uivos cantos
ritos antigos de esquecidas forjas
danças de roda misteriosos prantos
que renasce uma vez mais o teu querer
e amigo irmão refazemos aqui o nosso sonho
tantas vezes partido


7 de Setembro de 2009

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

P'rà Júlia

O meu nome é Júlia.
Desde os romanos
que o meu nome é Júlia.
Podia ser Augusta
porque nasci em Agosto.
Mas o meu nome é Júlia.
Desde os romanos
que o meu nome é Júlia.

Nasci quando até a brisa era quente
e nada corria a não
ser o tempo na Corredoura.
Mas desde os romanos
que o meu nome é Júlia.

Não sei se há flores com este nome
ou sirocos ou tempestades
ou tsunamis ou tufões
com o meu nome.
Talvez haja.Mas insisto:
desde os romanos que
o meu nome é Júlia.

Cairam inpérios
nasceram impérios,
o Tempo brincou com o Tempo,
mas digo-vos:
o meu nome é Júlia
desde os romanos que é Júlia.

Não insistam: dizem que
escrevi livros
que abracei netos
que soube que há
sofrimento e morte,
mas não insistam.
Por favor não insistam.
O meu nome é Júlia.
Desde os romanos que o meu nome é
Júlia.

Amores sem tempo,
ternuras sem medida,
esperanças sem espera,
utopias leves para não
incomodar o vizinho,
a corredoura mátria,
as ruas pequenas
que a memória tornou maiores.
Não insistam que eu repito:
sou a Júlia
Júlia desde os tempos dos romanos,
quando ser Júlia
era olhar o Mundo
sem ter medo dele.

Júlia, nada mais tenho para lhe oferecer, além deste momento de terna amizade. Parabéns.

Às Cobrideiras de Amêndoa de Moncorvo

Um dos ex-libris de Torre de Moncorvo é a famosa "amêndoa coberta", isto a par do trabalho do ferro e, em termos monumentais, da igreja matriz da vila. A confeitaria da "amêndoa coberta" está enraizada nesta terra talvez há mais de 200 anos, com referências documentais desde há cerca de século e meio.
Assim, e ainda em jeito de homenagem à Drª. Júlia de Barros Guarda Ribeiro, para os moncorvenses Júlia Biló, aqui vai mais um poema, este de sua autoria, dedicado às cobrideiras de amêndoa de Torre de Moncorvo:

À COBRIDEIRA DE AMÊNDOA DE MONCORVO

(à memória de minha mãe e de todas as cobrideiras de amêndoa)

Ninguém sabe nem pressente
Que de teus dedos ardidos
Brota o tom luminescente
Do açúcar feito flor
Das doces rosas-amêndoas.

Ninguém sabe nem pressente
Que de tuas mãos fortes e hábeis
Brotam as pétalas-bicos
Brotam as pétalas frágeis
Das doces amêndoas-rosas.

Ninguém sabe nem pressente
Que de teus gestos sofridos
Repetidos, sempre iguais
De incompleto remar
Brotam como espuma do mar
As doces rosas-amêndoas.

Horas sem minutos,
Dias sem nomes,
Anos que teu ventre calcinaram
No teu corpo dolorido.
Do teu salgado suor
Do teu esquecido labor
Nasceram as amêndoas-rosas
As doces rosas-amêndoas
Amêndoas do teu amor.

Júlia de Barros Biló (1954), in: Somos poeira, somos astros, Magno Edições, 2000, págs. 52-53

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Meninos da Corredoura

Meninos da Corredoura

o tempo era então só nosso e escoava-se nas manhãs
com luz e grandes espaços
ouviam-se vozes na sombra sob os plátanos
de verdes e generosas folhas que anunciavam o verão em cada ano
e tombavam depois na agonia outonal sem
cessar redizendo o eterno
o tempo era imaculado gritante limpo infinito
corríamos de sandálias e calções rotos na poeira
num mundo só nosso
inexplicado e simples sem mistérios sem mágoas sem mentiras
também temível como a serra dos medos que ao fundo ocultava um segredo

sorvíamos o ar no peito
os nossos olhos brilhavam com fulgor e diziam do sol a redonda luz

depois o tempo guardou os sonhos depois o silêncio depois o frio
por fim sobreveio um inquieto torpor
e alguns dos meninos cujas vozes eu ainda lembro já não vejo

ou talvez sejam apenas vozes já muito distantes
como estrelas

Junho de 2009

terça-feira, 26 de maio de 2009

A dádiva da vida


Somos, estamos, sentimos
tudo isto a vida nos oferece
até quando com a morte partimos
nossa lembrança em alguém permanece.

É bom saber que estamos vivos
mesmo quando a tristeza aperta,
é verdade, às vezes andamos perdidos
não tendo atitude certa.

Da vida nunca nos devemos fartar
ela é uma dádiva preciosa
devemos sempre acreditar
que connosco é bondosa.

Insaciáveis devemos ser
no que à vida diz respeito
tirar dela todo o prazer
e apreciar todo o seu feito.

Viver é bom é verdade,
mas temos de ter algumas regras
não esquecer a lealdade
quando na vida surgem pedras.

Com tanto imprevisto e desgosto
alguns perdem o rumo
depois partem do pressuposto
Que tudo é como o fumo.

Concordo que na realidade
nem sempre é fácil viver
mas o melhor é ter simplicidade
na nossa maneira de ser.

Bem ou mal nos corra a vida
devemos sempre nos lembrar
que a nós foi concedida
e temos de a respeitar.

Se assim formos positivos
é fácil o que é bom encontrar
seremos mais permissivos
e mais fáceis de amar.

Concluindo meus amigos:
vivam com intensidade
não se iludam com destinos
e sejam felizes de verdade.

Enviado por Séfora R.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Primavera triste


A primavera chegou sem esperança trazer.
O fogo do desespero consome campos e fábricas,
Consome sociedades e nações,
Consome continentes,
Consome corações.
As falsificações aumentam
E aumentam as corrupções.
Punições, nada!

Que justiça, Senhor?!

Os despedimentos explodem
E matam as fomes.
Como é possível tudo isto acontecer
Sem nada se fazer?

Pergunto-me, sem resposta ter:
Como deixaram eles a tudo isto chegar,
Sem nada prever,
Sem nada vislumbrar,
Sem nada dizer,
Para cada um se precaver?

Ouso, contudo, responder-me
Que eles sabiam,
Eles sabiam,
Que eles pelo menos pressentiam,
Pois tinham que antever,
Que isso teria que ser seu dever e saber.
Infelizmente, nada:
Nem ver, nem dever, nem saber nem nada!

Ouso ainda pensar
Que no seu conhecer,
Ou no seu pressentir,
Nada quiseram fazer
A não ser para o lado olhar
E a outros deixar o agir.

A outros, iguais,
Sem agir,
Ou a fingir,
Para o lado olhar,
A assobiar,
A fortunas ganhar!

Que triste esta primavera,
Sem esperança trazer,
Com sonhos feitos a desfazer,
Ou sem sonhos poder ter,
As gentes tristes a sofrer,
Os corações a sangrar,
Sem responsáveis castigar,
Sem justiça haver nem ter!

Este é o mundo!
Talvez o mundo a merecer
Sem primavera de esperança haver.

Culpa?
Talvez tua e minha,
Por neles confiança ter!

J. Rodrigues Dias
2009-03-24

terça-feira, 19 de maio de 2009

Fazer transpirar a alma por exercitar o pensamento


Ninguém pode ignorar as imensas faculdades que nos foram concedidas,
ninguém pode negar quão bom é podermos dar-nos conta que temos o poder de meditar, decidir e consequentemente agir.
Infelizmente hoje são poucos, mesmo muito poucos, aqueles que têm a sabedoria e riqueza de espirito para avançar no universo do pensamento.
Pensar, parece algo tão simples, tão rotineiro, tão comum, todos o fazemos é verdade. Não é este "pensar" de que falo ou escrevo, mas sim do que de mais profundo nos vai na alma.
Quantas vezes vamos ao fundo dos nossos sentimentos, porquês, acções, decisões, palavras?
Porquê deixar de identificar aquilo que somos, aquilo em que acreditamos, o que nos move e deixa felizes?
Porquê fazer questões se não tiramos tempo para encontrar respostas?
Sim, tudo precisa de tempo e consciência e nada se adquire sem esforço e sem paixão.
Por isso amigo, não se esqueça: faça transpirar a alma por exercitar o pensamento e verá que vale a pena navegar em nossa própria direcção.

Enviado por: Séfora R.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

"Versos da minha terra", de José Manuel Remondes

Considerando o interesse despertado pelos versos do Sr. Remondes, aqui postados por Leonel Brito, e porque alguns participantes mostraram vontade de conhecer melhor este nosso conterrâneo Poeta, do melhor que cá temos, aqui fica alguma informação sobre o seu livro "Versos da minha terra", editado pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e apresentado no 25 de Abril de 2005 (embora a impressão seja de Novembro de 2004, com design gráfico e paginação de "Da Companhia, Design de Comunicação, Ldª.").


Grande parte dos poemas que compõem o livro são quadras populares (quatro versos), predominando os heptassílabos, embora também se encontrem outro tipo de rimas. A temática gravita em torno de Torre de Moncorvo e seu concelho - pessoas, situações, topografia e toponímia local, mas também reflexões pessoais - com grande sentido crítico e fineza da análise. Muitas das quadras foram sendo publicadas num jornal regional, sendo aqui depois compiladas.
Sobre o autor, há a dizer que o Sr. José Manuel Remondes é um moncorvense do melhor que há, que escolheu viver e trabalhar na sua terra, depois de noutros tempos ter tentado a sorte pela mítica "Europa civilizada", mais concretamente pela Holanda. Homem que não tem medo ao trabalho, é um artista exímio de construção civil, com um jeito especial para a recuperação de edifícios antigos (veja-se p. exemplo, a casa dos Britos, no largo Dr. Balbino Rego, ou o antigo armazém do Barca Velha, na Qtª. do Vale do Meão, Foz Côa), e ainda arranjando ainda tempo para os amigos, bebericando o seu copito aos fins de tarde nos cafés mais típicos de Moncorvo, de onde lhe vem a informação e a inspiração para a sua poesia. Ah, e a cantar o fado, enquanto trabalha, de talocha na mão, não há outro igual!
Porque acho que se coaduna com o poema dedicado à Pensão Marrana, aqui fica um outro, do livro que referimos, neste caso sobre a antiga Rua da Rapadoura (actual rua Dr. Ferreira Margarido, que é a que fica atrás do Jardim Dr. Horácio de Sousa):
RUA DA RAPADOURA
Ó rua da Rapadoura
És varanda do jardim.
Com saudades reconheço
A lembrança que és para mim.
Agora és diferente:
Não mostras tanta pobreza.
Já não tens aquela gente
que te dava a natureza.
Tiveste Grémio da Lavoura
Também tiveste a prisão.
Ó Rua da Rapadoura,
tiveste ainda a pensão.
Essa pensão tinha fama
De os viajantes bem servires.
Na época eras galante;
chamavas-te Pensão Pires.
Quantas saudades eu tenho
E muitas vezes eu penso
Na tia Olímpia, coitada,
E no pedreiro Lourenço.
Lembro também com saudade
De quando era menino.
Reconheço que é verdade
Que cada um tem o seu destino.
Lembro-me da Praça Nova
Com os teus montinhos de terra;
Era ali que eu brincava
Eu e o Almada Guerra.
Ali minha mãe trabalhava;
Era ali que amassava o pão.
E era ali que eu olhava
Por a minha irmã e meu irmão.
Morava lá muita gente.
Agora já lá ninguém ralha
Só aquele homem inteligente
Que chamavam de Horácio Espalha.
Rua doutor Margarido,
Tiveste Grémio da lavoura.
Sempre serei teu amigo,
Ó rua da Rapadoura.
Para lá ia o peneireiro
Também o amola-tesoura;
Lá parava o chapeleiro
Na rua da Rapadoura.
Ó Rua da Rapadoura,
És varanda do jardim
Cheiras a rosa e a cedro
A loureiro e alecrim.
Nota: este livro pode ser consultado na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo e adquirido no Posto de Turismo.

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