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sábado, 12 de setembro de 2009

Poemas e outros

As Quintas são o meu Deserto.
Deserto onde me encontro,
Quando me sento na soleira
Da rústica casa centenária de xisto
Da avó paterna,
Com telha-vã,
Lajes a ladrilhar o chão
E uma frescura imanente,
Que se imiscui no corpo
E na alma se enrodilha.
Deserto que se expande
No colorido das sécias
dos hortos do Tourão,
desde tempos imemoráveis
a crescerem como papoulas
por entre cebolo e manjericos.

Sou neste Deserto o peregrino do Ser…



Isabel Mateus
Deixo-vos algumas fotos saudosas da partida, para que qualquer outro Peregrino se perca nelas. É um convite!
Casa típica quinteira de xisto, com quase todas as características originais intactas.

A prima Irminda, a actual proprietária e zeladora desta ancestralidade viva, e a sua amiga Giulia, durante as férias do Verão.

Por último, o núcleo do pequeno “Reino Maravilhoso” onde qualquer turista se converte em peregrino, quer à luz do dia, quer sob o estrelado cintilante.

13 comentários:

Anónimo disse...

Lindo e sentido poema este, com fotos e legendas a condizer, da nossa ilustre colaboradora e conterrânea, Isabel Mateus!
Não sei se a Isabel leu o "Peregrino", um pequeno livrinho do seu conterrâneo e parente Armando Martins Janeira (em boa hora reeditado pela "Pássaro de Fogo", em Outº. de 2008). Diz o autor, nas páginas 73-74: "Nenhum país como Portugal e a Inglaterra produziu desses espíritos que, amando o seu País, sofrem nele insatisfeitos, torturados pela sede do Desconhecido e do estranho, onde se sentem renascidos e maiores. //No fundo, o mal destes homens é a sua sede de Universo; o seu drama, a ânsia de Soledade. É a atracção da inteligência pelo Deserto. A Europa é uma leira de terra, vezes sem conta arada e revolvida, onde o lavrador levanta em cada sulco truncadas estátuas e mitos. O mundo do Ocidente conhece-se de mais, exprimiu-se de mais, esgotou a mensagem que trazia e ainda não getou uma nova. Aqui o Deserto é impossível". E, mais adiante: "A Soledade é um caminho para a Iluminação, em que o destino de todas as coisas aparece translúcido. A Iluminação é a comunhão perfeita com a obra da Criação e, dentro desta, atinguir o mais alto grau de amor aos homens".
Ora, o "Deserto" que Janeira, no rasto de Wenceslau de Morais, projecta num Oriente distante onde procura viver a Soledade em demanda da Iluminação, fecha-se num eterno Retorno em Isabel Mateus. O Deserto longínquo da Isabel é, neste caso, o seu ponto de partida: as Quintas, o universo quinteiro, o povo a que pertence, as memórias, em suma. São as casinhas térreas de xisto, os hortos, as papoulas, ou os elos vivos, como a prima Irminda, quase homónima da minha avó Erminda (nomes de ressonâncias visigóticas, próximos das formas primeiras, antes das corruptelas posteriores e a anos-luz das Kátias, Soraias, Vanessas, etc.). Aqui até a onomástica é pura e ancestral, tal como a toponímia atestada no Tourão, bicho apreciador dos aboborais. Uma pureza que nem a modernidade do asfalto da estrada estreita, nem as chapas de zinco remendando o telhado, conseguem obliterar. Por isso, como compreendo essa ânsia de regresso da autora e essa nostalgia da partida, bem expressa nesta imagem da estrada que se afasta... Esperemos que um dia a Giulia saiba também compreender o significado destes lugares e os demande, esperando que nesse tempo futuro as casas antigas continuem lá e não sejam um amontoado de ruínas no meio de um definitivo Deserto.
E mais não digo, pedindo desculpa da extensão da "glosa"!
Da serra do Roboredo para Liverpool, um grande abraço do
N.

Anónimo disse...

Muito obrigada ao N. e a todos os conterrâneos.
Sim, li o pequeno grande livrinho "Peregrino", de Armando Martins Janeira. Foi-me gentilmente cedido e autografado pela sua viúva Ingrid, que muito faz, como todos sabemos, para que a vida e a obra deste Peregrino de Felgueiras seja divulgada e nunca esquecida. Prentendia falar deste livro no Blog um pouco mais tarde. Mas ainda bem que o N. se antecipou! Citando o livro em questão, Peregrino, escrito em 1954 e publicado apenas em 1962, discorre o Autor:
"O momento é de júbilo - glorificamos o homem audaz e vário, ofertando-lhe os frutos saborosos da Terra e do Mar, sobre o altar da montanha, erguendo cânticos ao sol. Logo nos ocuparemos das negras tribulações que esperam a alma e a encomendaremos ao Buda, entoando sutras graves e tristes. Chegou a altura de irmos depor no altar ramos sagrados de sakaki(é uma árvore ou um arbusto do Oriente). Cada um toma a sua vez, faz uma reverência ao sacerdote e recebe das mãos dele o ramo sagrado que vai oferecer, com vénia recolhida, ao espírito de Moraes. Eu deponho antes um ramo de flores: crisântemos, jasmins e rosas - rosas como as de Portugal - para que não faltem ao seu gosto luso das flores e possa consolar com elas a memória da sua terra distante,com o preito do único português que lho veio prestar, de coração cheio de afecto e de saudade, a esta terra gentil e estrangeira."
Penso que estarão explicadas as sécias dos hortos do Tourão e o resto.

Abraços,

Isabel Mateus

Leonel Brito disse...

Isabel,
Gosto do seu livro,gosto dos seus posts,gosto dos seus comentários .Espero pelo seu próximo livro e, entretanto ,vá aparecendo no blogue.
http://www.youtube.com/watch?v=V8NPmQjePd0
Esta é a minha maneira de dizer obrigado.

Leonel Brito

Daniel de Sousa disse...

Curiosa (e naturalmente deveras poética) esta nomeação do lugar de origem e referência da memória como o seu deserto. Pessoal e íntimo espaço onde coincidem a contemplação, o apaziguar do espírito, a simplicidade e a grandeza. Poesia na sua essência.
Parabéns Isabel por este magnífico momento.
Daniel

Torredemoncorvoinblogue disse...

"Penso que estarão explicadas as sécias dos hortos do Tourão e o resto" - para quem não sabe, a SÉCIA, também conhecida por Reine Marguerite, Callistephus, Astro, Rainha Margarida, Reina Margarita, Aster, Regina Margherita, ou pelos nomes populares de Astér da china, rainha margarida, malmequer-de-sécia, é uma planta da família das Asteraceae, originária da China e do Japão. Planta herbácea anual, muito florífera, com uma altura de cerca de 60 cm, com ramagem áspera e folhas ovais, largas, a maior parte em rosetas basais e pilosas. As flores de Astéres da china ou rainhas margarida são vistosas, solitárias, reunidas em capítulos grandes, dobradas, com variedades brancas, azuis, roxas e violeta. Florescem entre a Primavera e o Verão.
Fonte de informação: André M. P. Vasconcelos (Engenheiro Agrónomo), in: http://www.loja.jardicentro.pt/product_info.php?products_id=223

A sua referência no poema de Isabel Mateus é, portanto, uma evocação de um completar de círculos de partidas e regressos e, naturalmente, uma homenagem ao conterrâneo embaixador Armando Martins Janeira. Não deixa de ser curiosa essa presença de sécias num tão esconso e perdido lugar trasmontano, numas quintas de atrás-da-serra. Caso para dizer: e o Japão aqui tão perto...
Obrigado à Isabel pela sua explicação, enquanto aguardamos a sua leitura mais detalhada de O Peregrino.
abraço,
n.

torredemoncorvoinblog disse...

Quando dissémos: " ...enquanto aguardamos a sua leitura mais detalhada de O Peregrino" referíamo-nos à sua leitura pessoal aqui no blogue, claro!
E tem razão: o Peregrino é mesmo um pequeno-grande livrinho, espécie de breviário para se trazer sempre na algibeira. O trecho que transcreveu ganha um especial sabor se fôr lido no alto do Roborêdo, à falta do monte Fuji.
Os interessados podem consultar ou eventualmente adquirir o Peregrino na Biblioteca Municipal cá da terra.
E aqui relembramos o nosso comentário, aqui no blogue, quando nos chegou às mãos a reedição recente:
http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/02/biblioteca-iii-peregrino-de-armando.html

Anónimo disse...

Gosto muito de ler os comentários.Sou assim.
Abri a pagina web indicada por Leonel Brito e sai-me umas migalhas do passado.Lagar da cera de cristãos novos .Motor de desenvolvimento das fragas, detráz da serra.Para quando a história desses heróis?Escrita com rigor por um dos nossos investigadores e não ao ritmo do google sem corrector de português.
Que terra fascinante que é Felgueiras,terra de tantos talentos.
Isabel,há que escrever umas biografias, dos velhos ilustre, nascidos nessa terra esquecida ,que tem mais inteligência por metro quadrado que a vila por Km2.
Sua
Lélia Rebordina

Anónimo disse...

Agradeço imenso os vossos comentários. Todos muito interessantes e que muito me emocionaram. Obrigada.
Quero também dizer obrigada ao Leonel pelo filme que me deixou na Biblioteca. A todos os outros, digo-vos sinceramente que aprecio o vosso estímulo e colaboração.
Para a próxima teremos, então, o Peregrino.

Abraços

Isabel Mateus

Júlia Ribeiro disse...

Já deixei o meu comentário, mas os meus falhanços tecnológicos fizeram-no sumir.

Dizia eu que chego sempre atrasada como o tempo. Mas não quero deixar de saudar a Isabel, desejar-lhe um óptimo ano lectivo (em Portugal continuará a ser muito conturbado) e muitas felicidades para a Giulia.

O poema é magnífico, coroado pelo último verso.
As fotografias ajudam a apaziguar a alma.

Um grande abraço
Júlia

Anónimo disse...

Obrigada, Júlia.
O que vem por bem, chega sempre a tempo!

Beijinhos

Isabel

Anónimo disse...

Belo poema, sem dúvida coroado, como diz a Dra. Júlia Ribeiro, pelo último verso. Parabéns à autora por estas emoções e por tantas outras partilhadas através dos seus “Outros Contos da Montanha”, que estou a ler neste momento.
E, como editora da Pássaro de Fogo, fico feliz ao ler as reacções que o “Peregrino” de Armando Martins Janeira suscita, tantos anos após a primeira edição. Uma pérola é sempre uma pérola.
Um abraço a todos,
Paula Mateus

Isabel Mateus disse...

Muito obrigada, Paula.
Ainda bem que se apresenta, porque há muito que eu queria conhecê-la. Tenho lido os seus prefácios à obra de Armando Martins Janeira com muito deleite. Espero que goste dos meus humildes "Outros Contos da Montanha" e que não se desiluda com a minha perspectiva sobre "Peregrino". Fiz a leitura da obra a pensar no título e na sua temática - a viagem do peregrino Janeira e do viajante do Pós-Modernismo. Havia tanto para dizer, mas fiquei-me por muito pouco, por ser sintética e respeitar os próprios limites do espaço de publicação. Este pequeno livro precisa de muito terreno para que se possa extrair todo o oiro!

Abraços,

Isabel Mateus

Anónimo disse...

Agradeço-lhe as suas simpáticas palavras, Isabel, e o seu interesse pelo Peregrino-livro e por Janeira-Peregrino. Belíssimo este lugar em que nos encontramos, ainda que virtual! Preferia tê-la conhecido na própria vila de Torre de Moncorvo no mês passado, mas, não tendo sido possível, não há dúvida de que o ter-o-mundo-aqui-tão-perto e o bom diálogo com os outros que a Internet possibilita são de aproveitar. E este blogue é uma verdadeira esplanada sobre Moncorvo e o mundo, onde tenho aprendido imenso nos últimos meses.
Já li o seu "post" sobre o "Peregrino". Obrigada uma vez mais. Vou lá deixar também um pequeno comentário.
Um abraço para si e os demais colaboradores do blogue,
Paula

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