Portão da entrada principal do cemitério de Torre de Moncorvo, ladeada por velhos ciprestes
«O
Dia dos Fiéis Defuntos, Dia dos Mortos ou Dia de Finados é celebrado pela
Igreja Católica no dia
2 de Novembro, logo a seguir ao
dia de Todos-os-Santos.
Desde o
século II, alguns
cristãos rezavam pelos falecidos, visitando os túmulos dos mártires para rezar pelos que morreram. No
século V, a Igreja dedicava um dia do ano para rezar por todos os mortos, pelos quais ninguém rezava e dos quais ninguém lembrava. Também o abade de
Cluny,
santo Odilon, em
998 pedia aos monges que orassem pelos mortos. Desde o
século XI os
Papas Silvestre II (1009),
João XVII (1009) e
Leão IX (
1015) obrigam a
comunidade a dedicar um dia aos mortos. No
século XIII esse dia anual passa a ser comemorado em 2 de novembro, porque
1 de novembro é a
Festa de Todos os Santos. A doutrina católica evoca algumas passagens bíblicas para fundamentar sua posição (cf.
Tobias 12,12;
Jó 1,18-20;
Mt 12,32 e
II Macabeus 12,43-46), e se apóia em uma prática de quase dois mil anos.» - Fonte: Wikipédia.
Um belo monumento dedicado à memória de uma jovem moncorvense, por seu padrinho Alexandre Ferreira de Carvalho, em Janeiro de 1880
Outrora os enterramentos faziam-se no interior das igrejas e nos adros das mesmas. Esta prática, em Portugal (e, consequentemente, em Torre de Moncorvo) vinha desde a Idade Média. Com a implantação do Estado Liberal, motivações ideológicas e sanitárias levaram à constituição de locais próprios para os enterramentos dos cadáveres humanos: os cemitérios. Em Portugal, isso vinha sendo tentado desde 1835, culminando num decreto do governo cabralista de 28.09.1844, o qual viria a gerar, em regiões mais conservadoras, como o Entre-Douro-e-Minho, múltiplas resistências por parte da população. Ficou célebre o episódio da revolta da Maria da Fonte, que, para além de causas mais profundas, teve como rastilho uma situação de uma tentativa de enterramento numa igreja (em Fonte Arcada), o qual foi impedido pelas autoridades.
Plataforma inferior do cemitério de Torre de Moncorvo, sombreada por cupressos
Como forma de amenizar esta resistência popular e atenuar o impacto psicológico de enterramentos que não fossem em igrejas, procuraram-se lugares que fossem já tradicionalmente "campos santos", ou seja, que fossem assinalados por alguma capela ou igreja antiga, isto quando não era possível constituir-se o cemitério mesmo ao lado da igreja, como se vê em muitas da aldeias do nosso concelho e concelhos vizinhos.
No caso da vila de Torre de Moncorvo, o novo cemitério acabaria por se fazer no local da capela de Santo Cristo (antiga igreja de Santiago), a qual viria a ser sacrificada já nos finais do séc. XIX por um alargamento do dito cemitério, para o lado nascente. O belo portão da entrada, em ferro forjado e fundido, ostenta a data de 1869, mas a determinação para os enterramentos se realizarem neste espaço deve ser anterior.
Capa do Regulamento do Cemitério Municipal de T. de Moncorvo, 1880
Em todo o caso, só em 1886 é que foi impresso, na Imprensa Académica de Coimbra, o Regulamento do cemitério municipal de Moncorvo, aprovado em sessão de Câmara de 10 de Abril de 1886, sendo assinado por Augusto Duarte Areosa, António Marcelino Durão, Joaquim António da Silva, Marcolino Márcio Ferreira Margarido, Manuel Joaquim Diniz Pontes. O dito regulamento foi posteriormente aprovado em sessão da comissão executiva realizada em Bragança, a 20 de Agosto do mesmo ano, com assinaturas de José António Pereira de Almeida e José Henriques Pinheiro. Este último era natural de Moncorvo, sendo professor no liceu de Bragança e arqueólogo notável.
Lê-se na abertura deste Regulamento do Cemitério Municipal de Torre de Moncorvo, no capítulo I, artº 1º: "O cemitério de Moncorvo, situado ao S. Christo, é destinado especialmente para os enterramentos dos finados nas freguesias da villa". No entanto, em parágrafo único dizia-se ainda que "Nelle poderão também ser enterrados os cadaveres de pessoas fallecidas noutras freguesias do concelho onde não haja cemitério". Quanto ao pessoal, especifica o artº. 2º: "O pessoal do cemiterio compõe-se de um capellão, um administrador, um guarda, um coveiro e dos trabalhadores que a Camara julgar necessarios". O artº. 3º. diz que "O capellão e o administrador estão immediatamente subordinados á inspecção do vereador de respectivo pelouro, e o pessoal restante á do administrador". Os capítulos seguintes (II a V) refere-se às atribuições e obrigações do pessoal; o capº. VI é sobre as Inumações, o VII sobre os jazigos, o VIII sobre as exumações, terminando com Disposições Gerais, no capº. IX, e ainda uma tabela de vencimentos dos empregados, dos emolumentos da capela, valores de inumações e de exumações.
Custava, nesses tempos, um enterramento em jazigo municipal de depósito perpétuo, a elevada quantia de 50$000 (5o mil réis); se fosse por 2 anos, eram 10$000 (dez mil réis), e até 3 meses, 1$500 (mil e quinhentos), sendo de estranhar que houvesse inumações apenas por 3 meses, que leva a crer que as solicitações, em termos de espaço, seriam muitas. Estes valores eram iguais para jazigos particulares. Já as sepulturas razas eram mais baratas: "sepultura raza para finado maior de 7 anos, sem caixão: 500 réis; idem, com caixão: 800 réis; (...) sepultura raza para menor de 7 anos, sem caixão: 200 réis; idem, idem, com caixão: 400 rs. (...) Vala geral para maior de 7 anos: 300 rs.; idem, para menor de 7 anos: 100 rs." - Tinham sepultura gratuita, conforme o artº. 13, os finados nos hospitais e os que ali tivessem tratamento gratuito; os finados nas misericórdias, asilos e cadeias, quando nas guias que os acompanhassem se declarasse a sua pobreza; do mesmo beneficiavam os finados no domicílio, desde que acompanhados de atestado de pobreza, passado pelo respectivo pároco ou pelo sub-delegado de saúde".
O Regulamento tem ainda outras curiosidades, como a de não se poderem plantar, dentro do cemitério, quaisquer árvores de fruto ou outro vegetal que pudesse servir de alimento, ou ainda quanto ao impedimento de entrada de cães e outros animais.
È um documento que vale a pena ler, nesta ocasião, em que a tradição nos obriga à visita dos nossos entes queridos já falecidos.
Como dizia há dias, em programa radiofónico, a Drª. Clara Saraiva, profª. da Univ. Nova de Lisboa, e especialista nesta temática das atitutes e representações humanas quanto à morte, nos tempos que correm e na civilização ocidental, a Morte tornou-se um tabu e uma "coisa feia", algo de que desviamos a cara, de que evitamos falar, ou que procuramos "enfeitar" (como na tradição recente norte-americana). No entanto, ao lermos a magistral obra de Phillipe Ariès,
O Homem perante a Morte (ed. Europa-América), vemos que nem sempre foi assim. Na Idade Média as pessoas frequentavam alegremente os locais de enterramento, junto das igrejas, aí fazendo festas e feiras, comendo e até dançando, junto dos seus mortos. Coisas que não nos passariam hoje pela cabeça, mas nada perderíamos se visitássemos com mais regularidade estes espaços, sobretudo para termos a noção da nossa finitude, e de como nada vale sermos tão ambiciosos e desrespeitadores do nosso semelhante. Tudo acaba ali.