quarta-feira, 20 de maio de 2009
terça-feira, 19 de maio de 2009
Bilhete Postal - 1953

Fazer transpirar a alma por exercitar o pensamento
Ninguém pode ignorar as imensas faculdades que nos foram concedidas,
ninguém pode negar quão bom é podermos dar-nos conta que temos o poder de meditar, decidir e consequentemente agir.
Infelizmente hoje são poucos, mesmo muito poucos, aqueles que têm a sabedoria e riqueza de espirito para avançar no universo do pensamento.
Pensar, parece algo tão simples, tão rotineiro, tão comum, todos o fazemos é verdade. Não é este "pensar" de que falo ou escrevo, mas sim do que de mais profundo nos vai na alma.
Quantas vezes vamos ao fundo dos nossos sentimentos, porquês, acções, decisões, palavras?
Porquê deixar de identificar aquilo que somos, aquilo em que acreditamos, o que nos move e deixa felizes?
Porquê fazer questões se não tiramos tempo para encontrar respostas?
Sim, tudo precisa de tempo e consciência e nada se adquire sem esforço e sem paixão.
Por isso amigo, não se esqueça: faça transpirar a alma por exercitar o pensamento e verá que vale a pena navegar em nossa própria direcção.
Enviado por: Séfora R.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Museu do Ferro celebra Dia Internacional dos Museus
Assinalando o Dia Internacional dos Museus o Museu do Ferro & da Região de Moncorvo promoveu um conjunto de actividades, de que destacamos, no dia 16 (Sábado) um passeio cultural à antiga aldeia ferreira de Felgueiras e um almoço de confraternização de Amigos do Museu, culminando numa sessão em que foram nomeados novos Amigos, em função dos seus contributos para este museu.
Relembramos que o Museu do Ferro nasceu no bairro mineiro do Carvalhal, nos anos 80, tendo sido transferido para a sede do concelho em Fevereiro de 1995, anos depois do encerramento da Ferrominas, e após um protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e a EDM (Empresa de Desenvolvimento Mineiro). O processo vinha sendo acompanhado pela associação PARM (Projecto Arqueológico da Região de Moncorvo) desde 1993, tendo esta entidade realizado o inventário do espólio e tratado da sua reinstalação na casa conhecida como solar do barão de Palme (antigo quartel da GNR desde os anos 30 até cerca de 1990).
Assim, a gestão do Museu foi então entregue à associação PARM (Projecto Arqueológico da Região de Moncorvo), que manteve o museu aberto entre 1995 e 1999, ao mesmo tempo que recorria a fundos comunitários, com a comparticipação da autarquia, para recuperação do edifício e reinstalação das colecções de acordo com um programa museológico actualizado. Foi um processo longo e trabalhoso, que culminou com a reabertura ao público em 2002.
Desde então o museu tem recebido milhares de visitantes, funcionando como uma espécie de sala de visitas da vila e do concelho.
Além da exposição permanente dedicada ao Ferro, o museu promove exposições temporárias (de pintura, fotografia, escultura, etc.) e outros eventos (palestras, lançamento de livros, recriação de actividades como a "partidela da amêndoa"...). E, a partir do museu, têm-se feito visitas guiadas ao centro histórico, às antigas minas abandonadas, a outros monumentos e locais de interesse do nosso concelho.
Sobre as actividades ora realizadas, no âmbito do Dia Internacional dos Museus, pode ver-se mais alguma informação nos seguintes endereços:
http://parm-moncorvo.blogspot.com/2009/05/18-de-maio-dia-internacional-dos-museus.html
e http://parm-moncorvo.blogspot.com/2009/05/comemoracao-do-dia-internacional-dos.html
e ainda: http://descobrir-vilaflor.blogspot.com/2009/05/dia-internacional-dos-museus.html
domingo, 17 de maio de 2009
Exposição "A Vida/Os Bombeiros", no Cine-Teatro
Foi inaugurada ontem, no bar do Cine-teatro de Torre de Moncorvo a Exposição fotográfica "A Vida - Os Bombeiros", de Raúl Cardoso, a qual poderá ser visitada ao longo do mês.
Aqui fica o cartão de divulgação (frente e verso):
Morreu o Sr. Joaquim dos Chibos!
Há poucos dias (2009.05.07) aqui noticiámos o lançamento de um livro que incorporava dois poetas populares da nossa terra – o tio António Bento Morgado e o tio Joaquim Martins (mais conhecido por Joaquim dos Chibos). Uma publicação “in limine”, em que, contrastando com a vitalidade do tio Bento Morgado, o Sr. Joaquim dava já alguns sinais de cansaço e esforço nesta sua longa caminhada da Vida. Uma vida que se finou no passado dia 15. Infelizmente.
Joaquim Marcelino Martins nasceu em 31 de Agosto de 1926 na Quinta dos Chibos, no termo da freguesia de Torre de Moncorvo, quinta essa mencionada numa das novelas de Campos Monteiro, creio que “A Rebofa”, in Ares da Minha Serra. Aí nasceu e aí viveu a sua juventude, nas velhas casas de xisto, hoje completamente arruinadas, mesmo ao lado da nova estrada de ligação de Torre de Moncorvo ao troço do IP-2. Um local árido e desolado nas proximidades do fértil vale da Vilariça, sendo este uma espécie de “Promised Land” onde o Sr. Joaquim gastou a existência para arrancar o seu sustento, e de sua família, às terras ricas mas pesadas, trabalhosas, calcinadas por temperaturas de 40º C à sombra, no Verão, sujeitas às “rebofas” invernais, e em que a humidade fomentava mosquitagens que eram fontes de sezões de tipo tropical.
Conheci o Sr. Joaquim dos Chibos nos idos dos anos 70, quando meu pai com ele negociava os afamados melões do vale. Homem íntegro, de boas contas, de palavra, trabalhador incansável, um dos últimos grandes lavradores antigos do vale da Vilariça que fez a transição da era dos bois para a dos tractores.
Lembro-me de alguns destes grandes heróis do Vale - a costela agrícola da Torre de Moncorvo (que nem só de ferro aqui viveu o Homem): o Sr. Júlio "Ferrador" (pai do Sr. Beto Castelo), com o seu velho tractor vermelho desbotado, o Sr. José Inácio, o Sr. Abel Vilela, …….. e o Sr. Joaquim dos Chibos (além de muitos outros lavradores e jornaleiros da Corredoura, que faziam esse trajecto quase diário para as courelas do vale, ao mesmo tempo rico e adverso). Temos ainda, graças a Deus que o mantenha (e que Ceres o abençoe), o Sr. Aníbal “Espanhol”, dono de uma ilha no Sabor e o último abencerragem destes lavradores da Ribeira.
Infelizmente, este lado “agrícola”, ancestral, de Torre de Moncorvo, está a acabar… E hoje, dia 16 de Maio, foi a enterrar, com o Sr. Joaquim, uma boa parte da alma da Vilariça que eu conheci, da Torre de Moncorvo profunda. Ficou dela, da sua vida, um pequeno mas eloquente testemunho: “Histórias da minha vida”, de que retiramos os excertos que se seguem, recomendando a sua leitura na íntegra. Uma escrita simples mas que condensa uma vida de lavrador honrado, de Homem de trabalho.
Chorando a sua morte, penitencio-me por não ter cumprido a promessa que lhe fiz de registar em vídeo a sua voz e a sua presença, declamando os seus versos junto dos pardieiros dos Chibos que lhe serviram de berço… Fica entretanto aqui uma foto de um momento muito bonito, em que nos leu alguns dos seus versos no Dia Mundial da Poesia, em 25.03.2005, no auditório do Museu do Ferro/Moncorvo. Tem a palavra o Senhor Joaquim Marcelino Martins:
Quinta dos Chibos
Oh, velha Quinta dos Chibos!
Estás toda derrubada
Tuas casas já velhinhas
Não podes ser habitada.
Lá nasci e me criei
Nesse velho casarão
Não tinha quartos nem sala
Amplo sem nenhuma divisão.
As janelas sem vidraças
Já podres do temporal
A porta não tinha chave
Mas não fazia mal.
Os terrenos “ladeirosos”
De cabeços e canadas
E nos grandes “fragaredos”
As terras eram cultivadas.
Tinha umas oliveirinhas
E um pequeno amendoal
Que não davam rendimento
Para contratar o pessoal.
Tinha bois e tinha vacas
Com que lavram as ladeiras
Para estarem preparadas
Para o tempo das sementeiras.
Às cinco da madrugada
Tínhamos que nos levantar
Para tratar dos bois
E irmos trabalhar.
Andávamos quase às escuras
Pouco se via ou nada
A candeia do azeite
Quase não alumiava.
No tempo das sementeiras
Era da escravidão
Não haveria mais nada
Mas comia-se bom pão.
Levava-se uma côdea no bolso
Para comer e andar
Em tempo de sementeiras
Não se podia parar.
Não havia hora certa
Mesmo a hora de jantar
Comer a côdea à pressa
Era comer e andar.
Era uma vida de amargura
No tempo da escravidão
Não haveria mais nada
Mas comia-se bom pão.
Havia sempre umas sardinhas
Para se “apeguilhar”
Que era muito boa e fresquinha
A sardinha de Ovar.
Havia umas mulheres
Que andavam a apregoar
Quem quer? Sardinha
Fresquinha de Ovar…
Joaquim Martins, Histórias da minha vida, Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, Abril de 2009, pág.18
sexta-feira, 15 de maio de 2009
Júlia e o Constantino
Sendo-me de todo impossível estar no encontro dos blogueiros a seis de Junho por razões que já expliquei em domu próprio, não quero, contudo, de deixar de dar o meu contributo, por pequeno que seja, para o ágape e tertúlia que creio vão frutificar no dia seis. Alguns apontamentos: o José Manuel Remondes, cujos versos têm sido publicados, é meu amigo de infância e fui eu (generosidade sua) que apresentei o seu livro em Moncorvo. Quero dizer do Zé Manel, meu amigo de infância, que é das pessoas mais puras que conheço a par de outro grande amigo que a morte ceifou (deixem-me usar o lugar comum que não é do meu hábito mas que neste caso, falando de um técnico do MAP se ajusta, o AAA Beto como nós dizíamos, por que era gago, o Beto Castelo). Foi em casa do Zé Manel (e eu já era amigo do seu pai, o Zé Emílio que, a trabalhar na Holanda saltou um dia para o campo de futebol para abraçar o Eusébio, como se pôde ver na televisão) que eu comi até hoje as melhores e mais saborosas sanchas, cozinhadas pela sua mulher (uma exímia cozinheira). Recebeu-me com uma hospitalidade que eu não esqueço. Posto isto, vamos ao que interessa. Tem-se falado muito da Júlia Barros na sua vertente ficcionista. Não sendo injusto é uma visão incompleta. Com efeito, o seu livro “Constantino, o Rei dos Floristas, uma Quasi-Biografia, é um trabalho de investigação que só uma formiguinha como a Júlia poderia levar a cabo. Coube-me a honra de ser eu a apresentar o livro nos Paços do Concelho de Moncorvo. Gostaria de partilhar convosco a introdução que eu fiz ao livro, mais como uma pista para a leitura do que outra coisa. Palavras que vou recolhendo do baú informático, onde ainda não encontrei, na desordem em que me ordeno, o texto sobre os versos do Zé Manel. Como em seis de Junho vai estar na minha terra muita gente que não conhece o livro, seria bom adquiri-lo na Biblioteca se é que ainda existem exemplares. É, porventura, uma faceta (a de investigadora) que não conhecem da Júlia. Se lerem o livro vão ficar impressionados, pensando como é que uma fraca figura é tão forte.
Deixo-vos com o texto que na altura escrevi.
Constantino, o Rei dos Floristas
Falar de Constantino é falar de flores artificiais, tão belas que pareciam mais naturais do que as naturais.
Ao contrário do que finge que é dor a dor que deveras sente, o cúmulo do artifício é esconder o próprio artifício.
Sinal dos tempos que, por vezes, hoje se repete de outra forma, de um modo a que não resisto citar.
Trata-se de uma história de uma senhora que estava na bicha de uma grande superfície, acompanhada de uma filha, uma criança muito bela. Enquanto não chegava a hora de pagar entabulou-se conversa e uma outra senhora exclamou: “Tem uma filha muito bonita”.
E a visada respondeu: “E ainda a senhora não viu a fotografia”.
Constantino José Marques, o menino da Roda, a quem na glória, na hipocrisia tão característica desta terra, ofereceram mais de três linhas de ridículos mas sonantes nomes, o florista, mais do que um produto de Moncorvo, o que o conformaria a não passar de criado grave de uma família nobre, de arroto fácil mas cabedal exíguo, é produto da guerra civil que transformou o país e com a vitória do liberalismo questionou a nossa individualidade histórica e colectiva (entre a pimenta da Índia e o ensino dos jesuítas), é fruto do cosmopolitismo apreendido e desenvolvido em 40 anos de Paris e França, com viagens pela Europa.
Constantino, de 1802 a 1873, do seu nascimento à morte, viveu uma das épocas mais ricas, na criatividade e no paradoxo, na ruptura com modelos seculares e na afirmação de um pensamento que haveria de revolucionar o mundo e numa industrialização que havia de extremar as classes, desenvolvimento e progresso ao mesmo tempo que aumentava a miséria.
O século XIX é o século em que tudo é posto em causa.
Provavelmente Constantino morreu sem ler “O Vermelho e o Negro” de Stendhal (1830); gostaria que não houvesse aqui pessoas a imitá-lo. Morreu provavelmente sem ouvir a Nona Sinfonia (1824) de Beethoven, sem apreender o significado e a magnitude do Manifesto Comunista de Engels e Marx (1848), ano em que foram construídas em Portugal as primeiras estradas macadamizadas e milhares de operários morreram na Comuna de Paris; sem se aperceber que “As Origens das Espécies” (1859) de Charles Darwin revolucionou o conhecimento secular e empírico das nossas origens e da nossa evolução.
No ano da sua morte foram escritos outros dois monumentos da arte e da literatura e da utopia do século XIX: “Ana Karenina” de Tolstoi e “A Volta ao Mundo em 80 Dias” de Júlio Verne.
Contemporâneo de Vítor Hugo e Balzac, situemos, contudo, Constantino. Andava por outras paragens em que o artifício, a coqueterie e a camélia branca na botoeira davam distinção.
Sucederam-se as guerras de conquista e hegemonia, os operários foram escorraçados para as periferias, onde criaram cinturas vermelhas, onde se avolumaram miséria e revolta. É obrigatório ler Dickens e Zola.
A burguesia prospera. Tem a banca e a usura. É historicamente confirmado que entre o povo e a nobreza, a burguesia escolhe sempre esta. Por vezes casa os seus filhos e filhas com fidalgotes arruinados e pelo dinheiro que entrega como dote recebe um penduricalho nobiliárquico.
Já vai longe o intróito ao livro de Júlia de Barros, “Constantino, Rei dos Florista, Uma Quasi-Biografia”.
Pela primeira vez, se faz uma abordagem à vida de Constantino, suportada num acervo documental e numa paciência de santa e numa procura em arquivos e terras remotas do sul de França, para aclarar esta presença, brilhante mas efémera que foi a de Constantino, requisitado pelas grandes casas reais da Europa, para tornar bela e convincente a ilusão que há em todo o artifício.
Esta quasi-biografia é enriquecida pela contextualização histórica, no tempo português e no tempo francês, desde a guerra civil entre os liberais e miguelistas, até à Comuna de Paris, com barricadas, metralhadoras e fuzilamentos de todos os homens que vestiam as blusas de operário até à queda de Paris pelos exércitos de Bismarck, em que os partidários da Comuna são chacinados. Morrem mais de 20 mil homens. São presos mais de 50 mil. É neste tempo histórico e neste lugar de luta que Constantino apura as suas flores artificiais, tão enganadoras que a francesa Rainha Dona Amélia lhe dirá um dia (frase que os jornais espalham em primeira página): “As suas flores são tal e qual as naturais. Com a única diferença que estas murcham e as vossas não”.
Júlia de Barros, após uma lúcida – e porque não? – comprometida descrição do tempo histórico em que foi dado viver Constantino, divide a obra em quatro partes: Constantino criança, rapaz, soldado, florista e Rei dos Floristas.
Enjeitado, casado, viúvo aos 25 anos de mulher de 60, miguelista, exilado, adulado por Paris e por uma apoteótica viagem a Portugal, com brinde e elogio de Garrett e banda de música de Moncorvo, Constantino acaba por morrer, isolado, praticamente abandonado, na pequena aldeia de Tercis-Les-Bains, a 800 quilómetros de Paris.
Algo o consolaria na sua certidão de óbito, se a pudesse ter lido, se a morte fosse uma flor artificial: pela primeira vez não é o enjeitado, mas filho de fulano e fulana tal, com um nome que a sua incomensurável vaidade e a não menos incomensurável hipocrisia da suposta nobreza de Moncorvo e arredores lhe deram. Aqui vai, até que o fôlego me falte: Constantino José Marques de Marialva Lopes Pinto e Moutinho Sequeira Coutinho Freire de Sampaio e Mello de Araújo Borges Pereira Costa Bacellar Teixeira de Magalhães e Lacerda.
Obrigado pela obra à dra. Júlia de Barros. Obrigado a vós pela paciência. É tudo, meus amigos.
Rogério Rodrigues
breve, leve, suave
"O Gigante da Lua" - mais um conto de Júlia Biló
Penitenciando-nos pelo facto de, neste blog, termos vindo a descurar os mais novinhos, tentando corrigir a falta, então aqui fica este conto que nos foi enviado por Júlia Biló, com ilustração de sua neta Catarina - e isto ainda a propósito da Fraga do Facho, onde continua a "nascer" a Lua, embora já sem o gigante:
- Porquê, avó? - perguntou a Catarina.
- Naturalmente, porque precisava de dormir um sono grande. Porém, passados sete dias de repouso, lá aparecia ele sobre a fraga, como uma foice fininha , mas desta vez virada ao contrário.
Mas lindo a sério era em
- Mas agora o gigante já não está lá - disse desconsolada a Inês.
- Pois não, meu amor. Muitos pais foram para grandes cidades e até para outros países trabalhar. E os netos, quando vinham no verão ver os avós, diziam que nunca tinha havido gigantes. Ligavam a televisão e ficavam horas a ver filmes tontos de que as avós não gostavam ou iam para o computador e jogavam jogos que as avós não entendiam. E as avós deixaram de contar a história do Gigante da Lua que morava na Fraga do Facho.
Ficou tão triste, que se encolheu todo a chorar. E, numa noite de lua em quarto crescente, não apareceu em forma de foice fininha. E depois nunca mais brilhou nas noites de lua cheia.
Só ficou a fraga que, ainda hoje, se chama Fraga do Facho.
Moncorvo, Agosto de 2005
Júlia Guarda Ribeiro, a avó, escreveu;
Catarina Ribeiro Carvalho, a neta, ilustrou .
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Papoilas
Chegam-se mesmo a encontrar campos enormes cobertos de um manto vermelho, que as papoilas nos proporcionam.
Nós por cá, maravilhamo-nos com as lindas papoilas que embelezam de vermelho os nossos campos, ou mesmo a borda das estradas, como estas das fotografias, bem perto da Foz do Sabor.
"Versos da minha terra", de José Manuel Remondes
Considerando o interesse despertado pelos versos do Sr. Remondes, aqui postados por Leonel Brito, e porque alguns participantes mostraram vontade de conhecer melhor este nosso conterrâneo Poeta, do melhor que cá temos, aqui fica alguma informação sobre o seu livro "Versos da minha terra", editado pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e apresentado no 25 de Abril de 2005 (embora a impressão seja de Novembro de 2004, com design gráfico e paginação de "Da Companhia, Design de Comunicação, Ldª.").
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Ainda a Fraga do Facho e o memorial a Constâncio de Carvalho

terça-feira, 12 de maio de 2009
Uma Pensão com História
Da Misericórdia ao Museu, passando pela praça. Sem doutores. Sem volteio. Nos bancos há sempre alguém sentado. Fazendo horas. Cortando na casaca. Contando estórias. Esperando por ontem, e o S. Sebastião na Corredoura à espera do dia 20 de Janeiro.
Felizmente há o Remondes disparando quadras. Certeiras.
- Lelo, o Remondes fez uns versos ao Anastácio! Estendeu a mão. Numa folha, arrancada a um caderno, doze quadras com o titulo “Uma Pensão com História”.
- Dá cá. Passo a limpo, tiro uma foto à pensão, outra a ti e publico no blogue da terra.
- Pega! Limitou-se a dizer.
- Vamos à foto!
- Este não entra. Não é de cá. Disse um do grupo.
Entraram todos.
Nota: há um texto do Nelson no post de 26 de Janeiro,"Moncorvo, Zona Quente em Terra Fria", sobre o senhor Anastácio (Marrana), meu vizinho, vindo de Foz-Côa onde, desde as Invasões Francesas, existia uma inquisição da arraia- miúda.
Por José Manuel Remondes
I
A pensão do Sr. Anastácio
Era famosa e atraente
Não era nenhum palácio
Mas acolhia muita gente.
II
Acolhia viajantes
E também todo o estrangeiro
Por ali passavam negociantes
E gente de muito dinheiro.
III
Era o Sr. Anastácio Marrana
Proprietário desta Pensão
Que na época tinha fama
Era a melhor na ocasião.
IV
Muita gente por ali passou
Por Pensão Torre era conhecida
Mas já tudo acabou
Foi coisa bem esquecida.
V
Hoje está abandonada
Com o telhado a cair
Esta pensão tão falada
Não volta mais a servir.
VI
Muita gente ali comeu
E também ali dormiu
Muita coisa aconteceu
Fora o que nunca se viu.
VII
Quando o Sr. Anastácio se zangava
Andava tudo em reboliço
O empregado Casimiro é que pagava
Se não corresse bem o serviço.
VIII
Criadas ali não faltavam
Não porque fosse grande a féria
Mas muito trabalhavam
Porque nesse tempo havia miséria.
IX
O Sr. Anastácio ralhava
Mas tinha bom coração
Ali com fome ninguém ficava
O defeito era ser mandão.
X
Era duro com as criadas
Tinham que ser trabalhadeiras
Nem que fossem asseadas
Tratava-as mal com asneiras.
XI
Era esta pensão na altura
A melhor que Moncorvo tinha
Farta e com boa postura
Com boa comida e cama limpinha.
XII
Era uma casa bonita
Mas está a ficar danificada
Naquele lugar bem não fica
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Estórias de burros: O 91 - um conto de Júlia Biló
Evocando os velhos tempos da Corredoura (ou Cordoira, ou Querdoira), outrora uma espécie de aldeia satélite da vila, aqui fica um conto (inédito) da nossa distinta colaboradora Júlia de Barros Guarda Ribeiro (para os moncorvenses Júlia Biló), a propósito de um jerico muito guitcho, que teve o tio Noventa:Que os burros – que são teimosos, mas não são burros – tenham direito às suas histórias, ninguém põe em dúvida. Mas o desta estória tem direito redobrado, pois era um burro muito especial.
O Tio Noventa apareceu um dia com um burrico todo catita: vivaço (o burro), olhos marotos, orelhas sempre em movimento que nem radares, o rabo mais parecia um pêndulo doido desafiando as leis da isocronia dos ditos.
Era pela tardinha, já no final da feira dos 23. Namorara o burrico desde que o vira pela manhã. Passou duas , três vezes, apreçou não só o que lhe enchia o olho mas mais três ou quatro, desdenhou, pôs defeitos .... Mas o cigano topou-o logo.
O tio Noventa voltou de tarde, quase ao desfazer da feira e ficou de longe a apreciar os vai-véns do burrico. Já não estava preso pela corda: viu-o a espolinhar-se na terra debaixo das faias no Canefechal, viu-o a beber água no chafariz ao fundo da capela de S. Sebastião, viu-o brincar como um garoto, escoicinhando a torto e a direito, gozando o sol e zurrando de alegria e de liberdade .
O Tio Noventa sorria. O cigano observava. “Se julgas que o vais levar mais barato agora no fim da feira, estás bem enganado. Estás caídinho d´amores pelo burro”.
O Tio Noventa dizia com os seus botões: “O diacho do burro é mesmo fadista. Vale bem mais os 30 mil réis do que os outros. Mas juro que só o levo se partirmos os 30 marrecos ao meio.”

O cigano, lentamente, começou a aparelhar a mula e a atrelá-la à carroça. Depois preparou a mortalha, tirou a bolsa tabaqueira do bolso do colete, pôs a pitada de tabaco na mortalha, enrolou-a com a arte que a prática dá, passou a língua pela beirinha do papel de seda, colou-a com um levíssimo movimento dos polegares e levou o cigarro à boca. Voltou a tirá-lo e gritou para o Tio Noventa:
- Eh, homem, ou quer ou não quer . Mas não é de longe que se faz o negócio.
- Só se fecharmos a conta como eu disse.
– Nem como você disse nem como eu disse. O que agora se decidir é que é.
- Então partimos os 30 ao meio .
- Feito. Leve o burro. Não vai arrepender-se.
- Oxalá que não. Ele é pigarço como a minha mulher. Teimosa que nem uma burra.
E o tio Noventa e o cigano riram às gargalhadas.
Foi assim que o Fadista passou a fazer parte dos animais com que a canalhada brincava na Querdoira, pois andavam todos à solta pelo largo, terreiro e ruelas: garotos, cães e gatos, porcos, perus e patos, galos e pitas e os burricos enquanto pequenos. A garotada brincava com eles todos naquele terriço. Empedrado? Isso era coisa da Vila. Ali, naquela terra que até dava para desenhar, demarcava-se com riscos a nossa propriedade e não havia zaragatas, porque o território era grande. Zaragatas, só com os da Vila. Até os animais nos conheciam e faziam barreira do nosso lado.
Mas voltemos ao Fadista. Foi este o nome que o Tio Noventa pôs ao burrico, mas ele tratava- o como se fora mais um filho e os garotos começaram a chamar-lhe 91. E foi o nome que pegou. O 91 era mesmo brincalhão. No auge da brincadeira, fincava as mãos na terra, baixava a cabeça e escoicinhava. A canalhada, que já lhe conhecia a manha, desatava a gritar : “Fujam, que o 91 vai começar aos pinotes”. E faziam uma enorme roda, todos à gargalhada, assistindo àquela dança maluca, que era depois seguida de um zurrar de felicidade que só visto. Após o baile e o concerto vinha a exibição final: levantava o beiço superior, mostrava os dentes num riso de prazer imenso e desatava num arraial de peidos que os miúdos marcavam a compasso, dizendo em coro: “Um para o dono; dois para a mulher do dono; três para a Adelina Chavé (que nunca nos dava nada no Dia de Todos os Santos); quatro para a Grila (a criada da Sra. Adelina Chavé que não nos deixava ir aos figos na Rua da Fonte) , quatro para.... ” e iam nomeando as pessoas contra as quais tinham um pedregulho nos socos.
O 91 gostava de todos os garotos, excepto de mim. Eu tinha um desgosto enorme, mas ele não gostava de mim e pronto.
Parece que tal se devia ao facto de a minha avó não me deixar sair de junto dela porque, como já não andava, todas as tardes era trazida para o soalheiro, onde ficava 3 ou 4 horas sentada, até a minha mãe vir do trabalho.
Ora, quando o 91 se aproximava, a minha avó ameaçava-o com a bengala. Ele parava, baixava a cabeça e espinoteava. A minha avó ameaçava-o novamente e ele, de olhos zangados (eu sabia quando ele tinha os olhos zangados), ia embora às arrecuas, a acenar com a cabeça, como quem diz: “Um dia cá te apanho...”
Era Primavera e havia dias de sol quente. A minha mãe comprou-me na feira um chapéu de palha com fitas vermelhas e cerejas bordadas a fios de lã nas abas. Era o chapéu mais lindo que eu já alguma vez tinha visto. E o mais lindo da minha vida de criança de 4 anos.
Estava eu a brincar junto da minha avó, ela dormitava e, como não se via sinal do 91, devo ter-me afastado um pouco. Não o vi, nem ele fez barulho. Só senti que o chapéu me voava da cabeça. Olhei para trás e fiquei paralizada de susto e de desgosto: o 91, levantava o beiço superior e, com riso escarninho, mastigava o meu chapéu de palha. Eu via o chapéu ir desaparecendo, já só restavam as fitas vermelhas que lhe pendiam da boca e que ele, com um lento e irritante revirar de língua, engoliu. Ficámos a olhar um para o outro: ele cheio de gozo, até me piscou o olho e eu, de certo a imagem da tristeza, comecei então a chorar.
Acordou a minha avó, vieram as vizinhas, o 91 afastou-se com todos os vagares e, de longe, deu início ao seu famoso espectáculo.
Júlia Guarda Ribeiro (Biló)
domingo, 10 de maio de 2009
Secretária de Estado da Cultura visita Igreja Matriz de Torre de Moncorvo
No passado dia 7 de Maio, a igreja matriz de Torre de Moncorvo foi visitada pela Senhora Secretária de Estado da Cultura, Drª. Paula Fernandes, acompanhada da Directora Regional da Cultura do Norte, Drª. Helena Gil, Directora dos Serviços de Bens Culturais da mesma DRC-Norte, Arquitª. Paula Silva, além de vários técnicos do ex-IPPAR, e ainda com presença do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e da chefe de divisão cultural do município.

sábado, 9 de maio de 2009
Fraga do Facho e Mata Nacional do Roboredo
Há dias, numa tarde soalheira, fomos uns quantos ao alto da serra do Roboredo, acompanhando o nosso colega de Blogue Leonel Brito, que andou em captura de imagens para um trabalho que tem em mãos (e que a seu tempo poderão apreciar).
Do alto das Antenas (ponto assim conhecido por aí se encontrarem há anos várias antenas de telecomunicações, nomeadamente da RTM – Rádio Torre de Moncorvo), até à Fraga do Facho, é um pequeno salto, pois fica logo abaixo.
Como alguém nos perguntava, há tempos, pela famosa Fraga do Facho (creio que foi o nosso conterrâneo Daniel de Sousa), pois resolvemos ir lá fotografar este afloramento rochoso que é um ponto de referência da serra. Aqui ficam algumas imagens, nomeadamente do tosco obelisco, composto por duas pedras de granito, onde ainda se conserva uma memória em bronze, referindo o nome do Dr. Constâncio de Carvalho, apesar de ter já desaparecido o medalhão com a sua efígie, também em bronze, que aí terá igualmente existido (temos ideia de ter visto uma foto algures, talvez um postal, pelo que aqui fica o apelo a quem tenha algum exemplar fotográfico, para o enviar aqui para o blog).
Assim, num momento em que se está a promover a reflorestação da Serra (sendo justo mencionar o empenhamento da actual câmara neste processo, em articulação com o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas), é bom lembrar o moncorvense ilustre que mais se empenhou no projecto de reflorestação da serra, no primeiro quartel do séc. XX.
quinta-feira, 7 de maio de 2009
Novos livros de autores da nossa terra, apresentados no 25 de Abril
Embora com alguns dias de atraso, aqui fica o registo sobre o lançamento de novos livros, em Torre de Moncorvo, na Biblioteca Municipal e no Centro de Memória, no dia 25 de Abril. O primeiro é um duplo-livro, visto que metade é de autoria do Sr. António da Conceição Bento (ti Bento Morgado, do Felgar), e, outra metade, do Sr. Joaquim Martins (conhecido por tio Joaquim dos Chibos, numa alusão à quinta onde nasceu e viveu, perto de Torre de Moncorvo).

quarta-feira, 6 de maio de 2009
Contactos úteis
Adega Cooperativa: 279 254 089
Biblioteca: 279 258 350
Bombeiros Voluntários: 279 200 200; 279 254 215
Câmara Municipal: 279 200 220
Centro de Saúde: 279 254 144
Cine-teatro: 279 252 364
Clube de voo livre e aventura (António Andrês): 914 014 684
Escola Dr. Ramiro Salgado: 279 200 280
Escola Visconde Vila Maior: 279 252 231
Farmácia Leite: 279 254 003
Farmácia Martins: 279 254 151
Fund. Francisco Meireles: 279 258 380
Guarda Nacional Republicana: 279 254 115
I.E.F.P.: 279 252 204
Museu do Ferro e da Região de Moncorvo: 279 252 724
Posto de Turismo: 279 252 289
Praça de Taxis: 279 252 432
Projecto Arqueológico da Região de Moncorvo: 279 252 724
RTM - Rádio Torre: 279 252 373
Sta. Casa Misericórdia: 279 254 254
Segurança Social: 279 252 390
Zona Agraria (MAP): 279 254 061
Um poema sem repetição
Tinha-me prometido a mim mesmo não publicar no blogue qualquer poema meu (além do do Horácio Espalho que já tem mais de 37 anos e está pulicado em livro). Mas como fazemos um ano e a melhor forma para mim de celebrar o aniversário é revelar aquilo que, porventura, me é mais íntimo e caro, a chamada tortura poética, a escrita mais inútil, mas a mais importante que eu conheço, glosando o Jorge de Sena um dos meus poetas de referência. Li alguns poemas de que sinceramente não gostei, por falta de oficina e de um certo amadorismo que a chamada e muito controversa "iluminação poética" difilmente aceita. Espero que não me levem a mal, mas garanto-vos que é a primeira e última vez que vos aborreço com um poema meu. Aqui vai, então.
CARTA À NETA
( para a Beatriz ler só daqui a 10 anos)
Natal 2008, celebrado em Palmela
Naquele tempo tinhas sete anos
mais velha do que os pássaros
mais forte do que as flores
mas voavas como os pássaros
e eras mais bela que a beleza.
Naquele tempo tinhas sete anos
alguns enganos e nenhuns desenganos
e os barcos perdidos andavam à procura
das margens ainda por encontrar.
O sol não era luz mas secura
e tão sofrido era o deserto que por perto
nem areia havia para o nomear. Ninguém
conhecia ninguém e os frutos recolhidos
na noite sabiam a estrelas amargas.
Os deuses devoravam deuses, mas tu
caminhavas. Pequena e bela, caminhavas
em estradas que não havia, a futurar.
Naquele tempo tinhas sete anos
e o céu mal cabia no inferno
tão cheio que estava de lamentos
de quem se recusa a acreditar.
E os pássaros enlouqueciam
e as flores frágeis adormeciam.
Passaram as estações como se tivessem passado
e os limoeiros da lembrança foram cortados
a mando dos dias ocultos que nos devastaram.
Nas manhãs calcinadas da alegria, com a quimera
amarrotada na algibeira, penso em ti, como
se o teu futuro fizesse parte do meu passado.
Olho-te amanhã olhando-te hoje, ainda
que a cegueira esteja tão próxima que só sinto
que te estou a olhar sem te ver. Trago
pedras que muito pesam mas não liberto.
Trago feridas, o caos e ternura deserdada
porque para tudo dou nada e a noite sangra
só de me conhecer. Dá-me um gesto para te agradecer.
Naquele tempo tinhas sete anos
e nada havia que não tivesses:
uma lua, um anel de brilho sagrado,
um riso sem mácula, que a madrugada
te acompanhava, amiga e alada
até ao último transporte da alegria.
No crepúsculo da tristeza, lembra-te
dos dias luminosos, quando caminhavas
com as mãos coloridas e lenços brancos
como velas de um navio que tu eras.
Mas o tempo corrupto corrói-nos até secar o osso.
Como te hei-de dizer que fiquei sempre
à porta do infinito com a chave errada?
Se um dia te disserem que passei na vida
como ausência, acredita. E o ausente se diluiu
como fertilizante na terra de ninguém, acredita.
E que dos teus lábios floresçam palavras
sinais de que o voo da borboleta procura
a harmonia e que nas terras altas do castigo
o sofrimento ensaia melodias sem sentido.
Voltarás um dia como folha limpa e branca
para desenhar sonhos que já não posso acompanhar.
Dói-me ter alma e não há segredos para revelar
nem heranças nem destinos. Apenas um viajante
sedentário que sabe nunca chegou a nenhum lugar.
Que os teus olhos não se cansem a olhar a tristeza
mas que as tuas palavras amansem a amargura
e tragam nas suas letras a explicação do silêncio.
Quando passeares na cidade, não te esqueças das montanhas.
Ali se escondem os espíritos, os abandonados pelo tempo,
os banidos ladrões falhados do assalto à alegria.
Serei uma sombra, um nome vago, um morrer
sem memória. Não serei. Obscuro nulo de nada. Talvez um grão.
Estou de abalada para dentro de mim, sem bornal nem seguro.
Mas como eu sonho que um violino me toque como
se eu fosse o violino e a sua melodia. Flor,
deixa-me os espinhos e respira. Sinto que é brisa.
O poço da frescura vai secando. A metáfora sofre
de artrite, o verbo iluminado esmorece, os filamentos
do sonho fundem-se e Deus chegado a esta idade já não me habita.
E a ternura é um lenço sujo que escondo no bolso roto.
Naquele tempo tinhas sete anos
e ainda havia guerras e povos
e gente mal vista que pedia
esmola como sentinela em riste
com granadas de dor prestes a explodir
e nós sem dó ouvíamos cantos e não prantos.
Abertas as pétalas da memória lembro-te como se fosse amanhã
e a chuva no seu ciciar em chão translúcido
não conseguisse apagar as tuas pegadas. Na primeira hora da noite
o caracol voltou a casa e noutros lugares de infância acenderam
a lareira. Há dores que se queimam nestes incêndios antigos.
Retomo a mão que não aguenta o movimento. E recolho-te
à distância, como se jogássemos às escondidas, para enganar
o tempo. Não me vês mas eu vejo-te e mal a mão sossega
num aceno que ninguém aceita. As palavras são tão breves
que não chegam até ti. São tão surdas que ninguém pára
para as ouvir. Descarrego sombras e melancolias, no vício
de julgar que o barro se transforma em ouro e quando
te acenar todas as sirenes do Mundo começam a soar.
O corpo está cheio de apelos, coberto da cinza do vulcão
luz do Mal em áridos campos de erva queimada.
Mas tu voaste sobre a cratera e soubeste histórias
de um vulcão que morreu de tristeza ao ver que o trigo não crescia
e os animais pujantes fugiam da lava fria. Um dia vais saber
o que estava no interior do vulcão: pedras, fogo
proibido e roubado aos deuses, ameaças e ventos com grilhetas.
Hoje é dia de nada e os bêbedos encostam-se aos lugares
mais estranhos da terra, falsas sibilas de hálitos falhados.
Olho-te amanhã como se fosse ontem, no ludíbrio de espelhos
que nos iludem como habitantes do País das Maravilhas
e a Utopia e o Futuro fossem duas aves bem-vindas
no precipício, sedutoras como a Morte que se esquece.
Naquele tempo tinhas sete anos
mais que ter eras o tempo de ser
e não havia flores que te não cheirassem
nem pássaros que te não cantassem.
E os passos que davas eram mais
do que passos: longa viagem sem terminar.
Escrevo-te esta carta como se o tempo já tivesse passado
sobre ti e parado em mim. Não acredites no tempo
e na sua ilusão. Amanhã julgarás que ontem não foi diferente
do que julgas. Mas foi. Na penumbra a música
começa a chover com remos ao fundo
para viagens sem destino até ao quebrar
da quilha ou o rio transbordar das margens.
Olha como são antigos os mitos e bebemos sangue
fartos das promessas de mel e leite e água pura.
Queria que soubesses que o Mundo não vai acabar
que só acaba quando nós acabamos, um a um,
flores pisadas quando todos correm em direcção ao terror.
Amanhã já o braço me pesa para te dizer adeus
já os olhos te confundem com uma flor boiando no lago.
Escrevo-te esta carta para leres quando já não existirem cartas
e se acreditares na Idade do Ouro eu também acredito
ainda que não acredite. Mas tu és a crença e a minha
senha para qualquer outro lugar. Deixemos que os mortos
nos esqueçam e com os teus olhos contempla os vivos
e com as tuas mãos liberta o vento e exalta os dias.
As trevas aproximam-se. Ouvem-se no silêncio.
Trazem contas para ajustar. Não temas. Canta e
ilumina as trevas e embala o silêncio
até ele morrer. E canta, canta com paixão
e compaixão pelos que já estão proibidos de cantar.
Escrevo-te esta carta à beira do cais, à espera
de um barco que não há meio de chegar.
Naquele tempo tinhas sete anos
que ninguém mais pode inventar.
Os dias eram curtos para tanto sonho.
O tempo que demoraste aqui chegar!
Já demos a volta ao mundo
está na hora de regressar. Os
que já entardecem, saúdam-te.
Vá, acorda, começa a madrugar.
Rogério Rodrigues
26/28 de Dezembro de 2008.
terça-feira, 5 de maio de 2009
Parabéns, 1 Ano À Descoberta
O Blogue À Descoberta de Torre de Moncorvo está de parabéns, completa hoje um ano de existência. Não sei bem qual é a escala para medir a idade de um Blogue, nem mesmo como medir a popularidade ou o sucesso. Os blogues são muito recentes e há quem diga que já estão em desuso, na Internet é tudo muito efémero.Este Blogue nasceu da "provocação" do Nelson e é o quinto de um grupo de irmãos, dedicados a concelhos vizinhos. O mais bem sucedido até ao momento, por diversas razões, é o À Descoberta de Vila Flor, mas o quinto, estava, desde o início, destinado a ser diferente. Diferente desde logo pelo facto de ser dinamizado por um grupo alargado de colaboradores, com diferentes formações, diversificados interesses e a viverem em distintos locais. A essência manteve-se: descobrir o concelho através de textos e fotografias; pequenos retalhos que se vão unindo transmitindo múltiplas formas de conhecer, e, sobretudo, despertando a vontade de cada um partir fazendo as suas descobertas.
Parece-me que o Blogue preencheu um espaço, que se tornou uma ponte na vida de muitas pessoas. Despertou memórias, provocou reencontros, alimentou saudades, matou outras. Assim se explica o crescente sucesso que é ilustrado pelos números e pelos gráficos.
Durante um ano (5 de Maio de 2008 a 5 de Maio de 2009) foram publicadas 352 mensagens que mereceram 1431 comentários.Foram feitas 73 160 visualizações do Blogue, por 28 261 visitantes, o que dá uma média de perto de 80 visitantes por dia. A evolução foi sempre crescente, até ao mês de Março, verificando-se a 12 de Abril a maior afluência, mais de 200. Os visitantes vieram de mais de 70 países diferentes, mas principalmente de Portugal, Espanha e Brasil.
A existência deste Blogue foi muito positiva para mim. Em primeiro lugar porque me permitiu conhecer pessoas, umas ao vivo, outras só virtualmente, mas que possivelmente nunca conheceria. Em segundo, porque me levou a descobrir (ou redescobrir) além de Moncorvo, a Adeganha, Cardanha, Estevais, Castedo, Lousa, Junqueira, Foz do Sabor, Urros, Peredo dos Castelhanos, Felgueiras, Açoreira, Maçores, Mós, Carviçais, Felgar, Carvalhal, Larinho e Maçores. Esta descoberta foi bem real e em algumas destas freguesias estive duas e três vezes. Em quarto lugar porque me despertou a vontade de ler autores do concelho ou sobre o concelho, contribuindo também para o meu enriquecimento pessoal.
Embora tenhamos já discutido, entre os colaboradores, algumas linhas orientadoras para o blogue, para mim terá que ser sempre um incentivo À Descoberta, um local de partilha com/de prazer.
E ainda há tanto para descobrir...
Agradecemos a todos os colaboradores e visitantes do Blogue pelo sucesso alcançado.
domingo, 3 de maio de 2009
Luz de Mãe
Deste tudo o que tinhas:
Amor a quem amaste,
Vida aos que geraste,
Leite e pão aos que criaste,
Educação a quem formaste.
Tudo tendo o que tinhas dado,
Mais ainda deste!
Deste o que não tinhas:
A Luz das letras e dos números,
Que deste com suor suado
Em lágrimas lavado!
J. Rodrigues Dias
2009-03-07
Staline e a igreja
Peço desculpa por esta insistência, mas os últimos acontecimentos, do Primeiro de Maio e outros, levaram-me a uma reflexão cuja publicação ponho à consideração do administrador do blogue. Qualquer que seja a decisão que ele tome, aceitá-la-ei de bom grado, ainda que pense esta reflexão pode ser útil nos tempos que correm. Aqui vai:
Sem me querer envolver na polémica sobre o stalinismo - pensando eu que a existência e defesa do dogma não são boas conselheiras - sempre me apetece dizer que o estalinismo e - porque não?- o leninismo, têm na sua prática similitudes com o catolicismo. Têm os seus mártires, seja do nazismo e fascismo, seja dos imperadores romanos, têm as suas certezas como absolutas e que hão-de vencer no futuro, mesmo que o presente seja de derrotas. Staline estudou para pope (padre), a Passionaria (santa maria das Astúrias que deu o nome de guerra a Dolores Ibarruri) era uma devota até à sua reconversão já próximo da idade adulta; Cunhal teve, por parte da sua mãe, uma esmerada educação católica. Ambas as crenças ou dogmas admitem que a principal razão lhes pertence. Mataram em nome da razão e da fé (fosse ela 'revolucionária' ou apenas religiosa), na Inquisição e no Goulag, acreditaram-se sempre como vanguardas, seja na luta contra os infiéis, seja no combate a todos aqueles que acreditam e acreditaram que as "liberdades colectivas", "amplas liberdades" no eufemismo, não podem de modo algum esmagar, como esmagaram, as liberdades individuais. Milhões de mortos seja nas fogueiras dos torquemadas ou nos nos campos de concentração estalinistas, retiram a qualquer um deles (Igreja ou comunismo que nunca chegou a haver) qualquer superioridade moral, qualquer dimensão ética, enquanto colectivos e instituições. Não ponho eu em causa que na Igreja Católica, quer nos partidos comunistas, não haja excelentes pessoas, de irrepreensível conduta. O que está em causa não é qualidade do indivíduo, o que está em causa é uma ideologia que, em seu nome, pode levar um homem bom a matar outro homem bom. Um carrasco pode ser um pai exemplar, que não significa que deixe de ser carrasco; um homem livre, vítima do carrasco, pode não ser um pai exemplar, o que não significa que deixe de ser um homem capaz de ser livre. Ao nazismo e ao fascismo, na sua barbárie, devemos acrescentar o "comunismo" de Staline, na sua necessidade de matar os outros, em nome de uma utopia em que ele próprio não acreditava. Podemos acrescentar Pol Pot, a Coreia de Norte, a China e tantos e tantos atentados à dignidade humana. Penso que os pedidos de perdão sobre um passado não são suficientes se não forem claramente condenados por uma prática presente. Que me interessa que se condene Staline se se continuam a utilizar métodos stalinistas (não obviamente com o terror e a morte, que os tempos são outros e o poder é outro); que me importa que o Papa peça desculpa por Galileu, pelos queimados na Inquisição, pelas guerras que fomentou, se, nos seus métodos, já sem Inquisição nem poder temporal, continua, porém, a tentar impor valores morais (tão dogmáticos que não permitem a dúvida), a sociedades profanas, seja ela qual for a sua ideologia, e a condicionamentos e restrições das liberdades individuais? Vivemos um tempo de inquietação e dúvida, sem certezas, apenas com algumas convicções, com a necessidade de um aprofundamento ideológico em que o religioso não esmague o laico, ainda que a espiritualidade aprofunde o conhecimento do homem. As religiões inquietam, sejam elas quais forem, no Médio Oriente, nos USA ou, mesmo na Europa, porque querem condicionar a política e servir de freio e constrangimento à liberdade do homem, ao seu pensamento e ao seu protesto.
Memórias do Peredo
Como, por motivos vários, certamente respeitáveis, a colaboração no blogue tem escasseado e porque eu, pela primeira vez, nos últimos tempos, tive um fim de semana prolongado, mais ou menos descansado, envio alguns textos que, porventura, não têm interesse, mas são reflexões à beira ou no interior de duas crises: uma, a visível (economia, trabalho, desemprego, etc); outra, a invísível, a interior, as alterações no relacionamento individual e nas mutações sociais, à beira da explosão, não estivéssemos nós na Europa e no euro. Portanto, que a memória nos sustente, não como nostalgia, a que sou avesso, mas como ferramenta para não desistirmos. Assim, um texto pot pourri, aqui vai:
Faltava só mais um monte para chegar a casa. O meu avô trazia-me bolachas Maria e uma bola listrada de borracha de Ceilão. Outras vezes tomávamos a barca do Douro para a outra margem do rio. "Ó da barca" era o grito vicentino para a barca chegar puxada por uma corda que unia as duas margens e era manejada pelo barqueiro. Cabiam vacas e homens, todos junto na barca. Agora em Maio oferecia-se, como uma bênção, um gesto de apaziguamento e boa vontade, um ramo enfeitado de cerejas, as primícias. As mulheres já mondavam as ervas daninhas no esplendor das papoilas vermelhas, com o trigo já alto e grado. E as jovens solteiras, por honra e vergonha, quando falhava o açafrão abortivo, apareciam a flutuar num poço, com os longos cabelos espalhados como se foram nenúfares negros (histórias que ouvia à minha avó, natural de Ligares).
Queixas de D. Quixote
Este texto é exclusivamente dedicado ao Ángel e a todos aqueles que ainda acreditam que o Sancho não ganhou a Quixote. Lembrei-me de Abril e de tudo o resto.
Sancho, Sancho, vendeste o burro e compraste um Mercedes. Disseram-me que casaste com a Dulcineia*. Como eu, o burro é um animal em vias de extinção. Eu injectei-me nas veias, no Casal Ventoso, enquanto tu passavas férias em Palma de Maiorca. Eu suicidei-me, exausto de tanta utopia, enquanto tu prosperavas na Bolsa. Eu fui sem-abrigo no Martim Moniz, enquanto tu passavas por mim sem nunca me teres reconhecido. Eu fui operário na Expo, enquanto tu especulavas nos terrenos da construção. Eu, atropelado na Avenida, esperei longa e sofridamente nos corredores do S. José, enquanto tu tinhas médicos e flores e enfermeiras e sorrisos para uma operação plástica. Eu escolhi o fundo do bar, o mais fundo do bar, a lança perdida no autocarro, com as feridas do sonho por cicatrizar. Tu sulcavas ondas e compravas tudo em volta: políticos de amanho e gente de passagem. Tu que nunca pensaste, eras o único pensador. E a tua mão trocava afagos por anéis. Enquanto eu protestava contra a Nato, tu vendias armas nas ruínas de Kosovo. Enquanto eu resistia na montanha, tu praticavas o indonésio em Jacarta. Eu fui preso enquanto tu jantavas com os que me prenderam. E quando a utopia estava no auge, num tempo breve em que os moinhos de vento eram o nosso maior património cultural, também tu, até tu, desceste à rua a defender a utopia, com o Mercedes escondido na garagem. E então deste-me um abraço, Sancho.Iríamos ter a nossa ilha que tu já tinhas comprado. Comprado só para ti. Eu abandonei os moinhos de vento para combater o betão, o betão com que tu enriquecias. O betão cresceu, matou a paisagem e a minha lança de tantas batalhas vãs, mal cabe em duas assoalhadas. Quis oferecer às crianças o sonho, mas as crianças preferiram os teus jogos de computador. Enquanto eu tinha o senso do amanhã, tu tinhas o bom senso de hoje. Olhámo-nos tantas vezes nos campos de La Mancha e eu sem nunca ter entendido que o teu burro era mais veloz do que o meu cavalo. Ai! Sancho, Sancho, Deus gosta mais de ti do que de mim.
*(Nota de Pedro Castelhano: Relatos apócrifos informam que Sancho matou Dulcineia por ciúmes dos moinhos de vento)