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domingo, 29 de março de 2009

O último apito


Abílio Carvalho passou cerca de 20 anos a comandar o comboio entre o Pocinho e Duas Igrejas

A última viagem na Linha do Sabor – entre o Pocinho e Duas Igrejas- foi efectuada por Abílio Carvalho, 69 anos, o ex-maquinista natural de Carviçais.

A via encerrou em 1988 e ainda hoje o ferroviário de outros tempos lamenta o facto da CP ter rebentado a linha que foi construída pelos transmontanos.
“Embora não andassem lá comboios gostava de ver o património no local, até porque não foi com o dinheiro da venda do ferro que a CP enriqueceu”, ironiza o antigo maquinista.
Abílio Carvalho iniciou a sua carreira nos caminhos-de-ferro como limpador de carruagens (em 1962), mas a ambição levou-o a efectuar uma série de formações e a concorrer, em 1970, para maquinista. “Só não fui inspector porque não quis, apesar de ter sido chamado”, diz com orgulho.
Com uma vida ligada aos comboios e, em particular à Linha do Sabor, o ex-funcionário da CP afirma que comandar o comboio tinha as suas dificuldades, devido à inclinação acentuada da linha na zona de Torre de Moncorvo.
Mesmo assim, Abílio Carvalho fala com saudade dos anos que dedicou aos comboios a carvão e às automotoras. “ Foram tempos em que todas as freguesias encostadas à Linha do Sabor tinham muito movimento, que desapareceu com a partida do comboio”, lamenta.

“Não há nada como o comboio. A passagem da máquina transformava a paisagem com o seu fumo negro”

Depois do troço entre o Pocinho e Duas Igrejas encerrar, a CP ainda disponibilizou, durante alguns anos, um serviço de camionetas, que faziam a ligação entre as antigas estações de comboio. Era nesse meio de transporte que o maquinista se deslocava até Carviçais quando foi transferido para Barca d` Alva.
“Não há nada como o comboio. A passagem da máquina transformava a paisagem com o seu fumo negro. Havia turistas que nos pediam para meter mais carvão à máquina para tirarem fotografias ao comboio a deitar fumo negro”, sublinhou o ex-ferroviário.
Enquanto maquinista, Abílio Carvalho conta que passou por algumas aventuras engraçadas, destacando uma peripécia que decorreu no café da aldeia, onde ganhou a alcunha “Apita Abílio”, que o acompanha até aos dias de hoje.
Tudo começou com a curiosidade de dois idosos de Carviçais, que pediram ao maquinista para fazerem a viagem entre os apeadeiros da Fonte do Prado e Mós, para verem como funcionava o comboio. Mas, a dada altura, um diz para o outro: “não te metas com os rapazes novos que ainda te metem na fornalha”. O medo apoderou-se dos dois homens e acabaram por não fazer a viagem, dizendo a Abílio Carvalho: “Quando passares nos locais mais perigosos, apita Abílio”.

Por: Francisco Pinto
O texto foi publicado no Jornal Nordeste em Novembro de 2006.
Fotografias: Aníbal Gonçalves

5 comentários:

Anónimo disse...

Farrapos da memória

Lembro-me do Virgílio “Carrejão” a descer a rua do Cano com o seu carro de duas rodas ,as mãos firmes nas pegas, carregando as malas .
Lembro-me da Domicília ,que vivia na rua da estação e estudava no Campos Monteiro.
Lembro-me de comprar uma bilha de barro na Régua por quinze tostões.
Lembro-me dos trabalhadores a descarregar o ferro dos vagões da linha do Sabor e carregarem o da linha do Douro.
Lembro-me de não querer boleia até Vila Franca das Naves, preferindo ir de comboio até ao Porto, para poder saborear a linha do Douro.
Lembro-me que ,quando chegava ao alto da Ventosa e via a vila ,terminava a minha liberdade.
Lembro-me de ,em frente ao colégio, viver o chefe da estação.
Lembro-me que ,depois de passar a União e a passagem de nível ,a calçada era à antiga portuguesa .
Lembro-me da mulher da caseta com uma bandeira levantada, avisando que vinha o comboio e fechando a estrada.
Lembro-me de o meu pai gritar à mulher da caseta para abrir a merda da cancela ,que o comboio ainda nem ao Cuco tinha chegado.
Lembro -me do fumo e do apito do comboio a perder-se ,descendo para o Pocinho.
Lembro-me de comprar bilhete de gare à chegada do comboio.
Lembro-me da balança à entrada do edifício da estação.
Lembro-me de a minha irmã trazer pasteis das pastelarias do Porto ,sempre que ia de comboio à terra.
Lembro-me dos bancos de madeira da 3ª classe e dos compartimentos com assentos forrados da 1ª.
Lembro-me dos homens a carregar os sacos de cereais do celeiro da F.N.P.T..
Lembro-me da minha mãe dizer “Já chegou o comboio, vou às regateiras comprar peixe para o jantar”.
Lembro-me dos pequenos incêndios que as fagulhas provocavam.
Lembro-me do cheiro dos túneis.
Lembro-me dos relógios das estações e sempre sonhei ter um. Comprei-o o ano passado numa loja dos chineses.
Lembro-me da alegria que sentia no dia da partida.
Lembro-me das merendas comidas na viagem e do ambiente de confraternização que se gerava.
Lembro-me de me assoar a guardanapos que envolviam os codornos de trigo com tchouriço. E de beber laranjadas “Torre” ou “Roboredo”.
Lembro-me do “Páre ,Escute ,Olhe”.

Um braganção

Anónimo disse...

- Nunca! - dizia o Júlio Nogueirinha, que também abrira gargantas
nos montes para dar passagem ao aranhiço esquálido, que ele bem
sabia estar ultrapassado mas cujo apito estrídulo queria ardentemente
que continuasse a perpassar o tempo. Como podia, depois de uma
"...vida a vê-lo correr, às vezes cansado, às vezes lesto... pouca-terra...
pouca-terra... pouca-terra... aceitar agora que desaparecesse sem
dizer ai? Era como vender a alma ao diabo.
—Queremos ouvir apitar o comboio. Apita, Abílio!"

in Contos dos Montes Ermos de António Sá Gué.
Há ,como sempre no blog, bons textos sobre o nosso escritor de Carviçais.
Apita,Abílio.

Um Braganção

Anónimo disse...

Caro Braganção
De todos os farrapos que aqui nos evoca e que compartilho quase todos consigo, como verdadeiros farrapos de memória , o único que não coincide é o da alegria na partida.
Para mim a alegria era na chegada e no reencontro.
Obrigado.
Daniel

António Sá Gué disse...

Só por curiosidade: o "Apita Abílio" personagem desse conto, é o Abilio Carvalho, que abre este "post".

Anónimo disse...

Os velhos diziam-me ,quando era menino,que quando as coisas se atrasavam,havia sempre uma desculpa; vem a caminho do Pocinho!E...
Apita ,Abílio!

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